terça-feira, 25 de setembro de 2018

Candidatos levam segurança a plano federal, mas sem detalhar orçamento, FSP

Flávia FariaThiago Amâncio
SÃO PAULO
Os índices de violência do Brasil bateram níveis recordes, com 64 mil assassinatos em 2017, e a segurança pública se tornou tema central no debate eleitoral


Exército faz escolta em terminais de ônibus para garantir serviços em Vitória; crise na segurança pública do ES levou caos ao estado - Renato Cabrini - 10.fev.17/Futura Press/Folhapress
Em comum, em seus programas de governo os candidatos à Presidência da República puxam para o plano federal o problema da segurança e prometem aumentar investimentos. Não detalham, contudo, de onde sairão os recursos em um momento de restrição orçamentária.
segurança é a principal bandeira do líder das pesquisas Jair Bolsonaro (PSL), que propõe rever o Estatuto do Desarmamento ereduzir a maioridade penal para 16 anos —essas discussões competem ao Legislativo, o presidente pode apenas propor projeto de lei e articular sua aprovação. O plano é considerado raso por pesquisadores em segurança ouvidos pela Folha.

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Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes, por sua vez, trazem planos de governo com estratégias mais detalhadas. Propõem a criação de protocolos nacionais para registro de dados de segurança e a criação de uma polícia para as fronteiras, respectivamente.
Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amôedo (Novo) estipulam metas para a redução de homicídios, enquanto Fernando Haddad (PT) fala da atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
Os candidatos são uníssonos ao dizer que é preciso aumentar as ações de inteligência das forças de segurança, mesmo que o grosso desse trabalho seja de responsabilidade dos estados, como a gestão da Polícia Militar (que faz o policiamento ostensivo nas cidades) e da Polícia Civil (investigação de crimes).
Bolsonaro quer investir em equipamentos e inteligência; Haddad, construir um sistema de inteligência fundado em alta tecnologia. Ciro defende uma Escola Nacional de Segurança Pública; Marina também propõe implantar um sistema de inteligência e fala em aumentar o efetivo militar; Alckmin quer criar uma Guarda Nacional.
Em comum: não explicam de onde sairão os recursos. A Folhaquestionou as campanhas, mas os três candidatos mais bem classificados nas pesquisas não responderam. 
Alckmin, em quarto lugar, respondeu que não virão recursos suplementares em 2019 e que é preciso gerir melhor as verbas disponíveis.
Marina, em quinto, disse apostar na retomada do crescimento do país e na priorização dos investimentos em segurança, educação e saúde. 
"Cada candidato tem um economista para chamar de seu e o programa acaba sendo a vitrine. Mas o debate da segurança não tem sido travado com a mesma seriedade. Parece que é só colocar um monte de intenções sem explicitar como serão atingidas e isso já é um programa de governo", critica Samira Bueno, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que reúne especialistas no tema.
Apesar da discussão sobre a esfera de responsabilidade, o governo federal tem ampliado a participação na área ao colocar as Forças Armadas para atuar na segurança pública em casos de crise, ao usar a Garantia da Lei e da Ordem (como no Rio Grande do Norte no começo do ano, durante greve da PM), com a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e com a criação do SUSP (Sistema Único da Segurança Pública), subordinado ao novo Ministério da Segurança Pública.
Segundo dados do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, o país gastou R$ 84,8 bilhões com segurança em 2017. 
Os estados foram responsáveis por quase toda essa despesa (R$ 69,8 bilhões), enquanto a União gastou R$ 9,8 bilhões —os municípios financiaram o restante, cerca de R$ 5,2 bilhões.
Segundo Samira Bueno, mais de 80% dos gastos do governo federal em segurança vão para custeio das polícias federais e pagamento de diárias de agentes da Força Nacional. 
O pouco que sobra pode ser repassado aos estados por meio de convênios. Samira ressalta que, em geral, os recursos não chegam ao Norte e ao Nordeste, que têm os maiores índices de violência. 
"Historicamente o Sudeste tem ficado com a maior parte dos recursos, não obstante já serem os estados com maiores orçamentos. São estados que gastam bastante, mas não são os que mais precisam", diz.
Para o economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e coordenador do Atlas da Violência, é com o financiamento que o governo federal pode induzir a adoção de políticas de segurança nos estados, condicionando a liberação de verbas. 
Além disso, diz ele, é importante que o governo capacite os estados e crie protocolos nacionais de atuação. "Cada estado fala uma linguagem, classifica as coisas de forma diferente. Tem que haver um sistema padrão."
"O governo federal não conseguiu divulgar nenhum dado de segurança até hoje. Nos Estados Unidos, em 1929, eles criaram o UCR [sistema de dados de criminalidade do FBI]. Não tinha nem Excel na época! Estamos 89 anos atrasados", diz Cerqueira, que destaca o SUSP como uma boa iniciativa, "que ainda é um protocolo de intenções, mas se o próximo presidente seguir, estará na direção correta."
O SUSP é uma iniciativa do governo Temer que entrou em vigor em julho deste ano. O programa prevê a criação de sistemas de compartilhamento de informação entre as forças policiais e entre os estados, além da criação de um banco de dados nacional sobre criminalidade, nos mesmos moldes do Datasus (do Sistema Único de Saúde). 
A lei que criou o SUSP, já aprovada no Congresso, restringe o acesso a recursos e parcerias com a União a estados que não enviarem informações sobre criminalidade, assim como aos que não elaborarem em dois anos um plano de segurança pública.
O professor da UFPE (Universidade federal de Pernambuco) José Luiz Ratton, criador do programa pernambucano de redução de homicídios que em seus primeiros anos fez despencar o número de mortes no estado, destaca que as propostas dos presidenciáveis têm focado o plano policial. "Isso é reflexo do debate da construção de políticas públicas", afirma. 
Ele diz que é preciso que o governo federal atue permanentemente em conjunto com os estados e elogia um ponto em comum nos programas de Haddad, Alckmin, Marina e Ciro, o controle na circulação de armas, que, diz ele, "são os vetores da violência no país".
"A solução para segurança pública no Brasil não pode ser episódica, não pode ser reativa a casos de maior visibilidade de um crime ou outro. Deve colocar em prática soluções estruturais. Este país não pode matar 64 mil pessoas por ano, jovens, pobres, homens e mulheres negras, e ficar indiferente para isso."

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Decisão liminar anula patente de remédio contra a hepatite C no país, FSP


Pedido analisado pela Justiça partiu da presidenciável Marina Silva (Rede)


BRASÍLIA e SÃO PAULO
A Justiça Federal do Distrito Federal deferiu pedido de liminar da candidata da Rede, Marina Silva, e anulou a patente sobre o sofosbuvir, medicamento que cura a hepatite C em mais de 95% dos casos. 
A decisão do juiz Rolando Spanholo, da 21ª Vara da SJDF (Seção Judiciária do Distrito Federal), foi assinada no domingo (23). Segundo o documento, ao dar a patente do sofosbuvir para a farmacêutica americana Gilead, o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) contraria manifestação do CNS (Conselho Nacional de Saúde) e poderia inviabilizar o cumprimento da meta assumida pelo Brasil de erradicar a doença até 2030.
"É inquestionável que a situação envolvendo a dramática situação dos doentes com hepatite C (que depositam no SUS a esperança da cura) exige uma pronta e firme intervenção do Poder Judiciário", diz o texto. "Afinal, estamos falando da vida de quase um milhão de brasileiros que não podem ser largados à própria sorte (lembrando que, por ano, no Brasil, essa brutal doença ceifa a vida de aproximadamente 3.000 pessoas)." ​

Paciente faz exame para diagnosticar hepatite C
Paciente faz exame para diagnosticar hepatite C - Fernando Nascimento/Folhapress
Ana Lemos, diretora-geral dos Médicos sem Fronteiras, organização que entrou com representação junto ao ministério público federal questionando a patente, comemorou o parecer. "A decisão da justiça é importante porque considera que a análise da patente não pode ignorar seu impacto sobre a saúde pública e a própria vida das pessoas", disse.

Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI), foi na mesma linha.  "É uma decisão acertada do judiciário brasileiro, é impensável que o INPI pense que decisões técnicas devam ser emitidas desconsiderando a função social da propriedade e a garantia constitucional do direito à saúde", disse.
Países como Egito, Argentina e China não concederam a patente à Gilead e produzem os genéricos. Outras nações, como o Chile, estudam quebrar a patente (licenciamento compulsório) do sofosbuvir.
A candidata havia criticado a decisão do instituto nas redes sociais na terça-feira (18).
"O caso do sofosbuvir, cujo genérico já foi sintetizado pela Fiocruz e autorizado pela Anvisa, é de interesse de saúde pública. O governo deveria liberar imediatamente a fabricação do genérico", disse nas redes sociais.
Antes do sofosbuvir, que revolucionou o tratamento da hepatite C em 2014, o tratamento mais eficaz curava apenas cerca de 50% dos casos. O Ministério da Saúde anunciou um plano para eliminar a hepatite C até 2030, e o SUS passou a tratar todos os pacientes com os novos antivirais, e não apenas os doentes mais graves.
Um convênio entre Farmanguinhos-Fiocruz e Blanver obteve registro da Anvisa para fabricar o sofosbuvir genérico. Em tomada de preços no início de julho no Ministério da Saúde, a Gilead ofereceu o sofosbuvir a US$ 34,32 (R$ 140,40) por comprimido, e a Farmanguinhos ofertou o genérico a US$ 8,50 (R$ 34,80).
Hoje, o ministério paga US$ 6.905 (R$ 28.241) pela combinação de marca. Com a nova proposta, passaria a pagar US$ 1.506 (R$ 6.160), com a Fiocruz e a Bristol. Dada a meta de tratar 50 mil pessoas em 2019, isso significaria uma economia de US$ 269.961.859 (R$ 1,1 bilhão) em relação aos gastos com a combinação sem o genérico.
A Gilead afirmou que ainda não foi notificada sobre a decisão judicial e "não comenta sobre assuntos dessa natureza fora dos autos do processo." "Aproveitamos para reforçar que, para a Gilead, a concessão de patentes equivale ao reconhecimento da inovação dos seus medicamentos, que não tem relação com prática abusiva de preços ou monopólio do mercado", disse a empresa, em nota. 
A assessoria do INPI afirmou que o instituto ainda não foi intimado oficialmente, portanto não irá se pronunciar.  ​
Angela Boldrini , Letícia Casado e Patrícia Campos Mello
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