terça-feira, 18 de setembro de 2018

Brasil passa a ser 3º maior exportador agrícola, mas clima ameaça futuro, OESP

O Brasil já é o terceiro maior exportador agrícola do mundo. Mas as mudanças climáticas podem representar um desafio real para a expansão produtora do País e gerar uma contração das vendas externas até 2050.
Os dados são da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), que, nesta segunda-feira, 17, apresentou seu informe anual sobre a produção de commodities. No levantamento, o Brasil terminou o ano de 2016 com uma fatia de 5,7% do mercado global, abaixo apenas dos Estados Unidos, com 11%, e Europa, com 41%.
No início do século, o Brasil era superado por Canadá e Austrália, somando apenas 3,2% das exportações mundiais e disputando posição com a China, com 3%. De acordo com a FAO, o valor adicionado da agricultura por trabalhador também dobrou entre 2000 e 2015. No início do século, ele era de US$ 4,5 mil, chegando a US$ 11,1 mil em 2015.
A expansão não se limitou ao Brasil. De acordo com a entidade liderada pelo brasileiro José Graziano da Silva, os países emergentes já representavam 20,1% do mercado agrícola global em 2015, contra apenas 9,4% em 2000. Além de Brasil e China, Indonésia e Índia foram os principais motores dessa expansão. Dos dez primeiros exportadores hoje, quatro são economias em desenvolvimento.
Enquanto isso, o porcentual do mercado dominado por EUA, União Europeia, Austrália e Canadá foi reduzido em dez pontos porcentuais.
Se o Brasil ganhou espaço entre os exportadores, ele desapareceu da lista dos 20 maiores importadores de alimentos. Em 2000, o Brasil era o 13.º maior importador, com 0,9% do mercado mundial. Em 2016, a lista dos 20 primeiros colocados já não traz o mercado brasileiro.
O mercado mundial, enquanto isso, triplicou. O comércio agrícola, que movimentava US$ 570 bilhões em 2000, passou a registrar um fluxo de US$ 1,6 trilhão em 2016. A expansão econômica da China e a demanda por biocombustíveis foram os principais fatores desse crescimento.
Mudanças climáticas podem afetar produção
Mas se a expansão foi clara nos 15 primeiros anos do século, os cenários até 2050 para o Brasil vão depender do impacto das mudanças climáticas no planeta. De acordo com a FAO, o mundo terá de dobrar sua produção agrícola nos próximos 30 anos.
Mas o impacto das mudanças climáticas pode representar desafios reais para a produção brasileira, que poderia inclusive sofrer uma queda. “Mudanças climáticas vão afetar a agricultura global de forma desigual, melhorando as condições de produção em alguns locais. Mas afetando outros e criando “vencedores” e “perdedores”, indicou o informe da FAO.
Os países em baixas latitudes seriam aqueles que mais sofreriam. Já regiões com climas temperados poderiam ver uma maior produção agrícola, diante da elevação de temperatura.
No caso do Brasil, a previsão é de que, se nada for feito no mercado global, suas exportações seriam afetadas negativamente e haveria até uma leve queda no volume vendido. O mesmo ocorreria com o restante da América do Sul e países africanos. Já Europa, EUA e Canadá registrariam fortes desempenhos.
As exportações brasileiras para África e Índia aumentariam. Mas haveria também incremento de importações vindas da América do Norte e Europa. Já as vendas brasileiras para a Europa e China – seus dois principais mercados – poderiam ser reduzidas em mais de US$ 1 bilhão cada.
O temor da FAO é que as mudanças climáticas aprofundem a disparidade entre países ricos e emergentes, já que a produção agrícola poderia ser afetada. “Precisamos garantir que a evolução e a expansão do comércio agrícola funcionem para eliminar a fome e a desnutrição”, disse José Graziano da Silva.
Para ele, o comércio internacional tem o potencial de estabilizar os mercados e realocar alimentos de regiões com superávit para aqueles com déficit. Caso as mudanças climáticas fossem acompanhadas, até 2050, pela abertura dos mercados, o Brasil seria o país que veria uma das maiores expansões do comércio agrícola.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Data: 17/09/2018

Como não passar raiva com política, Daniel Martins de Barros, OESP

Como a maioria silenciosa dos brasileiros eu passei um bom tempo me abstendo de entrar em debates políticos em minhas redes sociais. No entanto, assim como é fácil resistir ao brigadeiro quando só tem um (basta esperar uns segundos que alguém logo o pega)  mas é duro se segurar quando a bandeja passa dezenas de vezes na sua frente, depois de tantas e tantas mensagens enaltecendo ou depreciando candidato A ou B, defendendo ideias opostas e, principalmente, desqualificando opositores, caí na tentação. E como numa rampa escorregadia, foi só colocar o pé na pontinha para me ver, de repente, entrando em debates acalorados.
Felizmente consegui refrear meus impulsos a tempo, e tirei uma lição sobre como não passar raiva com política.
Em muitas classificações a raiva é dada como uma emoção básica – instintiva de alguma forma, independente de aprendizado cultural. Mas na prática, quando ela ocorre é resultado de um amálgama de sensações, pensamentos e vivências. Ela traduz a certeza de que algo não é como deveria ser, além da convicção de que existe alguém responsável por tal erro. Mais: esse alguém poderia – se quisesse – corrigir a situação. E, claro, essas sensações são desagradáveis, por isso queremos nos livrar dela. Como? Obrigando o tal responsável a desfazer esse descompasso entre o que esperávamos que fosse o que é.
É por isso que a raiva nas discussões políticas – a raiva amadora, entre amigos, familiares, não a profissional que lucra com o ódio – acontece quando há divergência. Tanto maior a raiva quando maior a divergência. Porque parece inacreditável que um amigo, um parente, tão querido e estimado, sustente uma crença tão diferente da nossa. Essa surpresa negativa nos leva a querer corrigir o rumo das coisas, e insistimos – com crescente veemência – em argumentos que levem-no a compreender seu erro para corrigi-lo. Só esquecemos que do lado de lá tem alguém passando exatamente pela mesma experiência. Sua indignação com o voto de seu namorado no Bolsonaro tem a mesma intensidade da indignação dele com seu voto na Marina. E ele também aumenta o tom na tentativa de te fazer finalmente entender esse absurdo.
Como hostilidade gera hostilidade, a conversa vira discussão, que se torna briga e daí para batalha campal é um pulo. E pior ainda, conforme a raiva cresce a racionalidade diminui – ou seja, quanto mais gritamos menos somos ouvidos.
A lição é um tanto óbvia, eu sei. Mas o único jeito de não passar raiva com a política é abandonar totalmente a perspectiva de convencer o outro de qualquer coisa. E lembrar que assim como você, ele também acha absurdo seu ponto do vista.
Quem sabe se percebermos que estamos todos no mesmo barco, defendendo posições indefensáveis a depender de onde se olhe, consigamos abandonar a raiva e voltar a conversar. Ou no mínimo a conviver.
***
Leitura mental
Colaborar é uma opção, consciente e deliberada, não é um caminho natural nem que possa ser imposto. Às vezes, dependendo da circunstância ou do grau de divergência, esperar concordância pode ser até contraprodutivo. Em Trabalhando com o inimigo : como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia (editora Senac, 2018), o estrategista Adam Kahene desfaz  mitos sobre o trabalho e convívio em equipe, amplia nossa visão de colaboração aa apresentar os pilares do que chama de colaboração estendida. Em primeiro lugar é preciso entender que outras visões de mundo são possíveis – podem não ser a sua, mas não dá para chamar de ignorante todos os que a adotam; também é preciso por as coisas em prática – há muitas teorias em questão, mas vamos experimentar o que funciona em vez de debater para buscar um acordo impossível entre as ideias; finalmente, isso só é possível se tivermos coragem de examinar a percepção que temos tanto de nós como dos opositores. Um livro para nossos dias.

Merlí dos trópicos: a filosofia pop de ex-ministro da Educação em sala de aula, FSP

Renato Janine Ribeiro dá curso sobre a série catalã que é sucesso no Netflix na Casa do Saber

São 20h de uma terça-feira friorenta em São Paulo. Um grupo de 24 adultos se prepara para viver uma experiência que vai lhes transportar pelas duas horas seguintes para uma sala de aula de uma escola de ensino médio em Barcelona. 
Eles acabaram de assistir ao segundo episódio da terceira temporada de “Merlí”, série catalã disponível na Netflix, que virou febre com um personagem nada pop: um professor de filosofia. 
Só que o mestre da ficção, Merlí Bergeron, é também carismático, provocador e contraditório. Consegue ser pop falando de Aristóteles, Sócrates, Adam Smith, Hannah Arendt a partir de questões cotidianas. Temas que inquietam seus alunos adolescentes e também audiências de todas as idades em diferentes latitudes.
Ao incorporar um Merlí dos trópicos, o filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff, também provoca seus alunos brasileiros com tópicos da atualidade. 
A exemplo do personagem ficcional, o professor titular de Ética e Filosofia Política na USP coloca em discussão o polêmico vídeo no qual torcedores brasileiros cercam uma jovem na Rússia e gritam frase em alusão à cor do órgão sexual feminino. 
“É o tipo de atitude que tem a ver com a postura de pais que criam filhos para serem prepotentes, terem sucesso e se sentirem melhores do que os outros”, critica o filósofo. "É a formação para a desigualdade e o desrespeito no Brasil."
A fala caberia bem na boca do colega catalão. “Este é um curso criativo e instigante, graças à audácia de Janine Ribeiro, ao sugerir tratar do encontro entre filosofia, educação e temas contemporâneos”, afirma Mário Vitor Santos, diretor da Casa do Saber.
O curso está dividido em três módulos e atraiu arquitetos, engenheiros, relações públicas, farmacêuticos, professores na faixa de 35 a 60 anos.
“É um presente ter um professor como Merlí, que dá acesso a uma área de conhecimento que não é simples, como a filosofia, e ainda relacionando com a vida”, reconhece Janine, aos dar as boas-vindas aos inscritos.

FILÓSOFO NO FACEBOOK

Um bom exemplo de como Merlí traduz conceitos filosóficos para o mundo contemporâneo está no episódio em que ele indaga à turma se Aristóteles estaria no Facebook. “Sim, para ele o homem é um animal social”, responde um estudante na aula dedicada ao filósofo grego. 
Janine também presenteia a audiência com um banquete filosófico ao destrinchar os três capítulos escolhidos para sua série ao vivo. 
O primeiro aborda Adam Smith (1723-1790) e as contradições do mercado e do capitalismo. “É o que melhor mostra a insuficiência da escola”, justifica.
Já o segundo é dedicado a Albert Camus (1913-1960) para tratar de suicídio. “É o mais tocante de todos e coloca Merlí, um ateu, em face do desconhecido.”
O terceiro e último tem como tema o perdão, ancorado na filósofa Hannah Arendt (1906-1975) e na tese da banalidade do mal.
Logo na introdução do curso, Janine traduz algumas simbologias da série, como a presença do besouro, “um animal que perturba e está ali para nos tirar da zona do conforto”.
Já a coruja, símbolo da filosofia, sobrevoa a cidade, no caso Barcelona. “A filosofia é urbana. Está ligada à democracia, à ideia de que o citadino vira cidadão.”
Um bom gancho para falar de um Brasil em que a crítica é vista como inveja, numa sociedade onde não há lugar para discussão, de acordo com Janine. 
O filósofo aponta como uma das maiores qualidades de “Merlí” é trazer conflitos em todos os episódios e sempre resolvê-los.
“Neste sentido, a série é hegeliana”, avalia, em referência ao alemão Georg Friedrich Hegel (1770-1830), o pai da dialética.
“É do conflito dialético que se produz a síntese, que pega o melhor da tese e o melhor do seu oposto, a antítese”, explica. 
Para o ex-ministro, a tragédia do Brasil atual é estarmos vivendo a impossibilidade da síntese. “Não há espaço para a conciliação em um país polarizado.” 
É quando os dois lados estão firmes em suas convicções, parados. “Ambos estão corretos: um é contra a corrupção e o outro é a favor da inclusão social. No entanto, não se conseguiu juntar as duas pautas corretíssimas numa só.” 
Para Janine, o combate à corrupção acaba servindo de pretexto para acabar com a inclusão social, enquanto o combate à exclusão social nem sempre valida o combate à corrupção. 
“O trauma, a doença, a guerra é fruto de uma síntese que não ocorreu. A frustração paralisa. Dialética é movimento. Ela cura, é pacificadora.”
É o que ocorre, diz Janine, ao longo das três temporadas da série. O professor brasileiro faz a plateia rir ao sintetizar “Merlí” como um produto de autoajuda: “Como 40 filósofos, um para cada episódio, podem contribuir para sua vida. Cada capítulo é movimento, superação. É o crescimento de todos.” 

PARA O MUNDO

Neste processo, o papel da escola e do professor são fundamentais.  “Educar é abrir para o mundo”, define Janine. “Qual é a finalidade da educação? É tirar o aluno do mundo fechado da família, da religião, do bairro. Para isso, a escola é um meio, nem sempre suficiente e satisfatório.”
Em um dos episódios, Merlí põe o dedo na ferida: “Que adulto aguentaria ficar seis horas sentado dentro de uma sala de aula?” Janine bate na mesma tecla: “Por que uma criança aos sete anos chega da escola feliz querendo mostrar o que aprendeu e depois, quando cresce, estudar fica chato?”
O ensino médio está na berlinda justamente pelo excesso de conteúdo desconectado do cotidiano e dos anseios dos alunos. “A escola falhou, avaliando o tempo todo e ensinando o que os alunos não querem aprender nem vão utilizar no futuro”, afirma o ex-ministro da Educação.
Ele acaba de lançar “A Pátria Educadora em Colapso” (ed. Três Estelas, 351 págs.). Na obra, aprofunda ideias que não teve tempo de colocar em prática no breve período de seis meses em que esteve à frente do MEC. 
Sugere, por exemplo, um modelo mais palatável para o ensino de filosofia. “Três anos da história da filosofia é uma chatice. Podemos ter um ano de estudo de ética, um ano de filosofia política e outro de lógica, para ensinar a pensar e ancorar todo esse conhecimento na vida.”
Janine criou uma comunidade no Facebook chamada “Merlí e a Filosofia no Ensino Médio”, que já tem 5.780 seguidores. 
Um espaço para troca de experiências e opiniões. Nela, o ex-ministro já defendeu que o ensino médio proporcione ao jovem uma formação para entrar na vida adulta, quanto profissional e humanística. 
O conflito entre as ciências humanas, como filosofia, sociologia e antropologia, e as ciências da natureza e a matemática também aparece na ficção. Merli e a jovem professora de história, Silvana, competem com estilos diferentes em popularidade entre os adolescentes. 
“O antagonismo dos dois é evidente. A jovem apresenta um catálogo de cursos, de futuras carreiras, preparando os alunos para o mercado, enquanto Merlí está formando pessoas”, resume Janine. 
Ele puxa a sardinha para o ensino de humanas, “útil para todos e não apenas para preparar o aluno para o mercado de trabalho”.  
É uma lógica de dar valor às pessoas e não preço às coisas, como pontua Merlí ao falar de Adam Smith, considerado o mais importante teórico do liberalismo. 
Ao analisar o capítulo, o brasileiro também critica o caráter predatório do capitalismo. “Em nome da concorrência, a ganância está matando o planeta e vai nos matar a todos se o mercado não for regulado pelos movimentos sociais, trabalhistas e ambientais.” 
Em um momento de síntese, Janine faz ainda críticas à esquerda. “Comunistas são ótimos democratas quando estão na oposição. Quando estão no governo não são.”

SISTEMA DATADO

O filósofo da USP também aplaude o seu colega da ficção diante da solução engenhosa que Merlí propõe para o irmão de um dos seus peripatéticos, como carinhosamente chama a turma que protagoniza a série. 
O garoto Pau Vilaseca mente compulsivamente e está prestes a ser punido pela direção da escola. “Merlí sugere que ele escreva um livro de ficção”, elogia Janine. “O papel do professor é identificar a vocação, em vez de reprimi-la.”
Diante de um aluno que não se adapta ao sistema educacional ou tem problemas em sala de aula, a tendência é culpar o estudante ou buscar diagnósticos médicos, como o Distúrbio de Déficit de Atenção. 
“O sistema está datado. E a indústria farmacêutica não é a resposta”, afirma Merlí, quando indagado se o garoto hiperativo deve ser encaminhado a um terapeuta. 
São tiradas que motivam os peripatéticos e o público a pensar. E também a questionar. 
Na segunda parte da primeira aula, quando Janine abre espaço para perguntas, um pai relata que assistiu vários capítulos da série com a filha adolescente e lança uma provocação de volta ao filósofo de plantão. “Por que os professores de filosofia são todos comunistas? Por que a escola hoje está contaminada?” 
Janine exercita o diálogo e sem se incomodar com a crítica implícita coloca seu ponto de vista. “É evidente que o professor não pode fazer a cabeça do alunos, mas ao mesmo tempo ele tem de expor várias posições.” 
Para o ex-ministro, existe hoje no Brasil um movimento contra a educação. “Um deles é a Escola Sem Partido que, por exemplo, tentou proibir que o professor apresentasse qualquer conteúdo que fosse conflitante com a religião dos pais dos alunos.”  
Segundo Janine, Merlí é um filósofo que se coloca fortemente a favor das liberdades individuais.  Postura que resultou em conflitos com pais, colegas e a direção da escola em vários momentos da série. 
Numa provocação à la Merli, Janine desferiu um petardo para a plateia, em sua maioria, composta de pais e um outro professor de filosofia como ele.  
“Há três posições na sociedade que começam com a letra P e que só são um sucesso quando se tornam desnecessárias: a de pai, a de professor e a de psicanalista.” 
De acordo com o filósofo, cabe ao pai tornar o seu filho autônomo, ao psicanalista dar alta ao paciente e ao professor formar o aluno para a vida. Quesito no qual o mestre catalão da telinha é um sucesso. “Merlí é fascinante justamente porque ensina para a vida.” Um professor com P maiúsculo.
Eliane Trindade
Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.