domingo, 24 de junho de 2018

Criada no Brasil, ‘supercana’ promete mudar o campo, OESP

Desenvolvida pelo CTC, empresa privada de pesquisa, cana transgênica é resistente a pragas e deve possibilitar salto de produtividade

Cristiane Barbieri, especial para o Estado, O Estado de S. Paulo
24 Junho 2018 | 05h00
Nos campos de testes do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma empresa privada que ganha dinheiro com pesquisa, desenvolvimento e inovação, convivem lado a lado pés de cana de açúcar diferentes por dentro e por fora. Externamente, é fácil notar que as canas marcadas com fitas vermelhas não têm folhas na parte inferior. Por dentro, estão sendo devorados por brocas, enquanto as plantas saudáveis resistem à praga, graças a um gene letal à lagarta, colocado em seu interior.
Com sua chegada às fazendas desde março, a nova variedade de cana traz consigo a promessa de causar impacto semelhante ao provocado pela soja, pelo milho e pelo algodão transgênicos, há quase 20 anos. Com uma diferença: agora, a tecnologia foi toda desenvolvida no Brasil.
Cana
Resistência. Gerente de biotecnologia da CTC, em Piracicaba, Agustina Gentile observa evolução dos pés de cana; as fitas vermelhas diferenciam os tradicionais dos transgênicos Foto: Gabriela Biló/Estadão
“A coitada da cana é meio órfã porque os produtores de milho, soja e algodão sempre puderam contar com o desenvolvimento das multinacionais”, afirma Gustavo Teixeira Leite, presidente do CTC. “Afinal de contas, essas culturas são produzidas em áreas dez vezes maiores do que as da cana e nos países de principal interesse dessas empresas, geralmente no hemisfério norte.”
Os transgênicos tomaram conta de quase todas as grandes lavouras do mundo por seu ganho de produtividade, redução no uso de agrotóxicos e no impacto ambiental. Fácil de entender quando se olha, por exemplo, o caso da broca, que causa perdas estimadas em R$ 5 bilhões por safra aos canavieiros.
Com o bicudo, outra frente de ataque do CTC, são perdidos outros R$ 4 bilhões. São valores significativos em um setor que tem receita anual média de R$ 100 bilhões, lucros operacionais em torno de 20% e ocupa área de 10 milhões de hectares. A expectativa dos usineiros com a cana geneticamente modificada para sobreviver à broca é aumentar a rentabilidade em 20%.
Teixeira Leite, que era presidente da Monsanto no Canadá e no Brasil quando a canola e a soja transgênicas foram lançadas, acredita que os ganhos podem ser maiores. “Os benefícios que o agricultor vê costumam ir além do que a gente antecipa”, diz ele. “O controle da broca, por exemplo, é feito por um camarada andando no meio dos canaviais, procurando furinho em pau de cana: não é um método muito científico e nem fácil de fazer em 10 milhões de hectares.” Hoje, o controle biológico tem eficiência de 30% a 50% no controle do inseto. O químico mata 70% das brocas.
O lançamento marca o início de uma série de inovações que devem ser colocadas no mercado nos próximos anos pelo CTC. Entre elas há uma cana geneticamente modificada desenvolvida especificamente para o cerrado, região para a qual jamais foi trabalhado um produto específico e que já está na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para ser aprovada. Também há investimentos num laboratório nos Estados Unidos, onde os pesquisadores começarão a trabalhar com a CRISPR, sigla em inglês para a última inovação na área, que permite a edição de genes.
O mais revolucionário deles, porém, começa a ser testado em campo ainda este ano: sementes de cana. No ano passado, o projeto se provou em laboratório, depois de oito anos de pesquisa. Uma semente totalmente desenvolvida pelos pesquisadores gerou um embrião, que se transformou numa planta completa. Agora, o conceito será provado na terra, onde intempéries e pragas decidirão se ele poderá continuar evoluindo ou se deve voltar à bancada de trabalho. 
Culturas propagativas, como são chamadas as que acontecem com o replantio de mudas – ou toletes – no caso, são lentas. Ao contrário das que usam sementes, levam-se anos para se plantar uma área completa, com uma variedade mais moderna e eficiente. “Os desafios ainda são muito grandes porque num projeto de pesquisa realmente inovador como esse não se sabe se os resultados virão”, diz Teixeira Leite. “Mas nunca estivemos tão perto”. Caso tudo dê certo, as primeiras sementes de cana estarão disponíveis na safra de 2021/2022. 
Mercado. Enquanto isso, outro desafio já começa a ser enfrentado: a aprovação, nos mercados que o exigem, para o comércio de açúcar proveniente de cana geneticamente modificada. Responsável por metade da produção e das exportações de açúcar de cana do mundo, o Brasil obteve quase US$ 12 bilhões com a venda do produto ao exterior, no ano passado, o equivalente a pouco mais de 5% da balança comercial.
O Canadá foi o primeiro a autorizar a exportação e deve ser seguido em breve pelos EUA. “O processamento desse tipo de açúcar só deve ganhar escala em 2023, por conta do plantio da cana ocorrer num ritmo lento pelas características da cultura”, diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica). “Mas deverá ser um processo simples, já que não estamos exportando organismos geneticamente modificados vivos, como a soja ou o milho.” Além disso, os Estados Unidos conseguiram a aprovação de comercialização do açúcar de beterraba transgênica, no início da década de 2000. 
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Recalibrando o superego, FSP (sobre a russa)

Recalibrando o superego

Diferentemente dos tempos pré-big brother, hoje tudo é gravado e a ofensa ganha gravidade

Especula-se que a megafauna nas Américas foi extinta porque os bichos não souberam adaptar-se à mudança ambiental que ocorreu com a chegada do homem ao continente. Por não ter desenvolvido medo de humanos, os animais se tornaram presas fáceis e acabaram caçados até a extinção.
Algo parecido, ainda que com consequências menos dramáticas, acontece agora com humanos que não conseguem adaptar-se à chegada de celulares e redes sociais. Numa era em que tudo é registrado para sempre e divulgado “urbe et orbi”, as pessoas continuam se comportando como se estivessem frequentando ambientes de semiconfidencialidade em que as palavras são efêmeras.
O caso da garota assediada por brasileiros na Rússia é um bom exemplo. Estou certo de que, em Copas do século passado, alguns de nossos compatriotas fizeram essas mesmas brincadeiras idiotas. Mas, como esses eram tempos pré-big brother, tudo morria ali mesmo.
Hoje, como tudo é gravado, a própria ofensa ganha gravidade, pois não dá mais para esquecer o ocorrido, que pode ganhar audiência global. Pior, ficou fácil para as vítimas descobrir o que foram levadas a dizer, de modo que o assédio, que talvez não se configurasse enquanto elas ignoravam o sentido das palavras, se materializa de modo mais inequívoco.
A situação dos algozes não é muito melhor. Em muitos casos, eles se expõem voluntariamente à sanha vingadora que irá sujeitá-los a sanções sociais, quando não penais, por vezes mais gravosas que o erro cometido. A visibilidade desses casos é tamanha que a própria sociedade fica com a percepção, não necessariamente correta, de que vivemos tempos de completa barbárie.
Para não terminar como a megafauna americana, as pessoas precisam ajustar seus superegos à nova realidade em que a maior parte das nossas palavras e ações são públicas. Ou, alternativamente, podem, como eu, dispensar o celular e as redes sociais.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e 

Juízes sem teto, Opinião FSP

Uma decisão tomada há quase quatro anos pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, já custou mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos sem que a controvérsia em torno da legalidade da medida fosse solucionada pela corte.
Em setembro de 2014, como relator de três ações movidas por juízes, Fux estendeu a todos os magistrados do país o auxílio-moradia, benefício concebido originalmente apenas para os que atuassem em comarcas longínquas.
Desde então, até profissionais com casa própria e que residem na mesma cidade em que trabalham ganharam direito a um adicional de R$ 4.377 mensais, livre de tributos e do teto imposto pela Constituição aos vencimentos dos servidores —atualmente, o salário dos ministros do Supremo, R$ 33,7 mil.
Fux concedeu a dádiva por meio de liminares, ou seja, decisões de caráter provisório. Seus efeitos prevalecem até hoje porque as ações sobre o assunto não foram julgadas no plenário do STF. 
Em março, quando os integrantes do tribunal se preparavam para examiná-las, Fux atendeu a um pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros e suspendeu o julgamento, remetendo o caso a uma câmara de conciliação coordenada pela Advocacia-Geral da União. 
A ideia era que as partes envolvidas se reunissem até encontrar uma solução consensual para o problema, mas o esforço foi inútil. Passados três meses, a AGU jogou a toalha na última terça (19), informando ao Supremo que a tentativa de conciliação fracassara. 
A AGU considera ilegal a extensão indiscriminada do auxílio-moradia e fincou pé na posição. As associações de magistrados que participaram das discussões também não se mostraram dispostas a ceder.
Surgiram no processo duas sugestões para contornar o problema. A primeira seria incorporar o valor do penduricalho aos rendimentos dos juízes e, para acomodá-lo, aumentar o teto salarial dos funcionários públicos.
A outra ideia seria propor ao Congresso a criação de outro adicional para os magistrados, proporcional ao tempo de serviço na carreira, que substituiria o auxílio-moradia.
É fácil perceber que as duas propostas só atendem ao interesse das corporações, que se recusam a abrir mão dos seus ganhos, e não resolvem o problema do governo, que não tem dinheiro e teme alimentar pressões de outras categorias se satisfizer os magistrados.
Cabe agora ao STF decidir o que fazer. Considerando os custos da indefinição para o contribuinte, é desejável que o faça logo.
Não deveria ser uma escolha difícil. Num momento em que juízes e ministros do STF proclamam suas virtudes no combate aos privilégios dos poderosos, o auxílio-moradia se tornou moralmente insustentável.
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