sábado, 23 de junho de 2018

Interferência do governo atrapalha venda de refinarias, OESP

Congelamento do diesel e proposta de mudança na política de preços do combustível afastaram interessados na compra dos ativos

Denise Luna e Renée Pereira, O Estado de S.Paulo
23 Junho 2018 | 04h00
A interferência do governo na política de preços dos combustíveis no Brasil, em decorrência da greve dos caminhoneiros, está atrapalhando o processo de venda das refinarias da Petrobrás, informaram bancos de investimento envolvidos no processo de privatização das unidades. O plano da estatal é colocar nas mãos da iniciativa privada 25% da capacidade de refino do País – hoje monopólio quase total da estatal.
O anúncio da venda de 60% de quatro refinarias da Petrobrás foi realizado em abril deste ano, quando a estatal divulgou o plano de vender o controle de duas unidades no Nordeste (Abreu e Lima e Landulpho Alves) e duas no Sul (Alberto Pasqualini e Presidente Getúlio Vargas), além de outros ativos ligados à logística do refino, como oleodutos e terminais. 
Abreu e Lima
 Abreu e Lima é uma das quatro unidades que a estatal pretende vender Foto: Wilton Júnior/Estadão
Na época do anúncio da venda, no auge da política de ajustes diários do diesel e da gasolina da gestão Pedro Parente, a expectativa era de que o negócio atraísse entre 12 e 14 interessados, que demonstravam boa receptividade aos ativos, segundo bancos de investimentos que participam das negociações. Agora, revelam fontes desses bancos, está sendo difícil até mesmo ser recebido pelos possíveis interessados. 
O prazo para o fechamento de um acordo entre os interessados nas refinarias e a estatal foi estendido até 2 de julho, para que outras empresas que já manifestaram interesse possam participar do processo, ampliando a competitividade, informou a Petrobrás no início da semana. A estatal disse que cinco empresas assinaram o termo de confidencialidade para avaliar a compra das participações.
Segundo fontes que acompanham o processo de venda, o congelamento do diesel e a decisão de delegar à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) o protagonismo na formulação de uma política de preços para os combustíveis mostrou retrocesso do Brasil aos olhos dos investidores globais, e a expectativa em relação ao número de interessados caiu em um terço nas últimas semanas. 
Apetite. “O Brasil mandou dois sinais incongruentes: tem refinarias à venda e, ao mesmo tempo, lançou uma consulta pública para regular a periodicidade dos ajustes dos combustíveis. Ninguém vai vir assim, ninguém sabe o que vai acontecer”, avaliou a pesquisadora Fernanda Delgado, da FGV Energia.
A mudança de apetite dos investidores em relação ao refino reflete a decisão sobre o diesel e a da ANP de abrir consulta pública para definir a periodicidade dos ajustes de preços, o que é considerado uma intervenção no setor pelo mercado, já que significa, de alguma maneira, a volta do controle de preços.
De acordo com o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, nenhum país consegue atrair investidores em meio a uma instabilidade política e de insegurança jurídica, como ocorre no momento no setor de refino brasileiro. “O setor de downstream (transporte e distribuição de produtos da indústria do petróleo) deixou de ter estabilidade regulatória e segurança jurídica, ninguém vai investir assim. Enquanto o governo não recuperar essa estabilidade, não vai vender”, afirmou Pires.

Casa autossuficiente é sonho possível, mas custo e tecnologia são entraves, FSP

Com hábitos de consumo mais conscientes e uma boa ajuda da tecnologia, é possível deixar de pagar contas de água, luz e gás e viver numa casa totalmente autônoma, desconectada das redes de distribuição. Mas ainda há dúvidas se isso é sustentável e viável economicamente.
Hoje, a forma mais acessível de produzir a própria energia é com painéis fotovoltaicos, que geram eletricidade a partir da luz do sol. O problema é que, à noite, nada é produzido. Para ter uma casa desligada da rede seria preciso investir em baterias, o que envolve um alto custo.
"O valor da placa solar está baixando com o tempo, mas, no Brasil, não temos baterias domésticas sofisticadas. Esse é o entrave", diz Beto Cabariti, diretor de design da SysHaus, startup que faz sistemas construtivos sustentáveis.
Para garantir a autonomia energética, ainda seria necessário ter uma segunda fonte geradora, como uma turbina eólica, de acordo com Sasquia Obata, engenheira e professora da Mackenzie.
Isso porque em dias nublados, com menor irradiação solar, a produção pode não ser suficiente mesmo com o armazenamento em baterias.

Smart Eco House

São Paulo, SP, Brasil, 20-06-2018: Fachada da Smart Eco House. (Foto: Alberto Rocha/Folhapress) Por: Alberto Rocha 2018-06-22 17:40:20
[1 de 8]
Para não depender da rede de abastecimento de água, uma opção seria fazer captação das chuvas e tratar toda a água usada na residência.
"É complicado e caro, mas dá para fazer. As estações espaciais reciclam tudo", diz Luiz Henrique Ferreira, da Inovatech Engenharia, consultoria de sustentabilidade.
Ele também ressalva que um processo intensivo de purificação de água exigiria um consumo elevado de energia, o que talvez desequilibrasse a balança da autonomia da casa.
No caso do gás, já existem hoje no mercado biodigestores domésticos, que transformam resíduos orgânicos em gás para cozinha. Com um equipamento de R$ 1.600, a fabricante Recolast Ambiental promete uma produção equivalente a um botijão por mês.
Mas será que vale a pena investir na viabilização de uma casa independente?
"O isolamento total até pode depor contra a sustentabilidade. É possível ter uma casa autônoma pendurada em um banco de baterias. Mas qual seria o impacto ambiental dessas baterias?", diz Ferreira.
Para o especialista, o ideal seria um funcionamento interligado em pequenas comunidades, com residências, escritórios e comércio.
Assim, o excedente de eletricidade gerado por um um condomínio residencial durante o dia, por exemplo, poderia ser usado para abastecer um edifício corporativo.
No Jardim São Paulo (zona norte de São Paulo), fica uma casa que está perto da autonomia. No telhado, ela tem duas fontes geradoras de energia: painéis solares, com conexão com a rede elétrica, e um gerador eólico, ligado a baterias.
Quando carregadas, elas permitem que a casa funcione totalmente desconectada da concessionária. Os painéis fotovoltaicos continuam produzindo energia, que é encaminhada à rede. Isso gera créditos que podem ser usados em até 60 meses ou compartilhados com um imóvel de titularidade de uma mesma pessoa física ou jurídica.
Com três moradores, entre eles o criador da casa, o engenheiro João Barassal Neto, o local, chamado de Smart Eco House, só saiu do papel com a ajuda de empresas parceiras e serve para a demonstração dos equipamentos.
A residência tem outras soluções sustentáveis, como tratamento de água pluvial que garante economia de até 80% nos meses chuvosos.
Segundo Barassal, o valor dos equipamentos chega a R$ 450 mil. "Mas é um investimento que se paga", diz.

O que é preciso fazer para ter uma casa mais autônoma?

ENERGIA ELÉTRICA
  • Em geral, o sistema mais viável para a geração de energia em uma residência é o solar fotovoltaico, composto por painéis e um inversor
  • O número de painéis necessários é calculado a partir do histórico de consumo da residência dos últimos 12 meses, presente na conta de luz
  • O valor de instalação para uma casa com quatro pessoas fica em torno de R$ 15 mil a 20 mil. O tempo de retorno do investimento varia entre 3 e 7 anos
  • A garantia do sistema solar fotovoltaico é de 25 anos, mas sua vida útil pode ser maior do que isso
  • Em 5 de junho, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) expandiu o financiamento para energia solar e outros tipos de cogeração a pessoas físicas. Para saber mais: bndes.gov.br
  • É preciso analisar se o investimento vale a pena. O telhado deve estar, de preferência, voltado à face norte, ter área suficiente para a instalação e sem sombreamento
  • Se produzir energia excedente, é possível acumular créditos, com duração de até 60 meses, ou usá-los para para abater na conta de um imóvel de titularidade de mesma pessoa física ou jurídica Mesmo que o sistema produza mais energia que a consumida, como ele está ligado à rede, ainda será necessário pagar a taxa mínima cobrada pela concessionária
GÁS
  • Já existem no mercado biodigestores domésticos, equipamentos que transformam resíduos orgânicos e fezes de animais (ou até de gente) em gás para cozinha e fertilizante para hortas e jardim
  • O biodigestor da Recolast custa R$ 1.600, e a empresa afirma que a produção de gás é equivalente a um botijão por mês, podendo variar um pouco para mais ou para menos. Só é possível instalá-lo em casas e precisa ter um espaço de 2 m² para a escavação (uma parte do equipamento fica enterrada) e ficar a no máximo 10 metros do fogão
  • A produção de gás demora 30 dias partir do momento em que o biogigestor começa a ser alimentado
  • Para quem usa gás para esquentar água (ou energia elétrica), uma forma de economizar é usar um sistema de aquecimento solar
  • O sistema é composto por placas que captam o calor do sol e um reservatório térmico
  • Um modelo compacto da Soletrol, com 200 litros, custa R$ 1.400 e atende, segundo a empresa, uma residência de até 120 m² com quatro moradores
  • Nos dias mais frios e nublados, um sistema auxiliar usa a energia elétrica para complementar o aquecimento de água
ÁGUA
  • Além do balde, uma alternativa para usar a água que sai das torneiras e do chuveiros mais de uma vez antes de descartá-la é a Waterbox, uma cisterna vertical, com capacidade de 100 litros, vendida a R$ 834,90, na Leroy Merlin; leroymerlin.com
  • Para quem quiser investir mais, é possível ter um sistema de reúso de águas cinzas, que envolve tratamento da água que vem de lavatórios ou chuveiros para ser reutilizada para fins não potáveis, como rega de jardins e descarga. Como requer tubulações diferentes, deve ser pensado na fase de projeto.
  • Já a viabilidade do aproveitamento de águas pluviais depende da área disponível para captação e da precipitação no local
Fontes: Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica); Sibylle Muller, diretora da AcquaBrasilis; Beto Cabariti, diretor de design da SysHaus; e João Barassal Neto, diretor da Smart Eco House do Brasil

Tempo da maldade, Oscar Vilhena, In FSP


Ampliar militarização da segurança pública, proposta de muitos candidatos, é insistir em receita fracassada


A imagem de um helicóptero disparando indiscriminadamente para o solo parecia saltar de um documentário sobre a guerra do Vietnã. Tratava-se, no entanto, de um helicóptero da polícia, chamado de "caveirão voador". O alvo não eram os vietcongues, mas sim a população civil da comunidade da Maré.
A cena apocalíptica fez parte de uma operação da polícia do Rio de Janeiro, com apoio logístico das Forças Armadas, que tinha por objetivo declarado cumprir 23 mandados de prisão. O resultado foi a morte de sete pessoas, entre as quais Marcos Vinícius, de 14 anos, que buscava chegar à escola. Nenhuma pessoa foi presa.

Bruna Silva no velório de seu filho, Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, baleado durante tiroteio na favela da Maré
Bruna Silva no velório de seu filho, Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, baleado durante tiroteio na favela da Maré - Domingos Peixoto/Agência O Globo
Alvejado pelas costas, ao tentar se proteger do tiroteio, Marcos Vinícius foi levado a Unidade de Pronto Atendimento da Maré. A mãe de Marcos, Bruna Silva, conseguiu chegar ao local enquanto o filho ainda estava vivo. Marcos Vinicius lhe disse que o tiro teria partido de um "blindado" e perguntou: "ele não viu que eu estava com roupa de escola, mãe?"
De acordo com a equipe da organização Redes da Maré, o chão da comunidade está com muitas marcas de tiros e munição. Perto das escolas do Campus da Maré 2 e da creche da Vila dos Pinheiros, foram registradas mais de cem marcas de tiros. As mortes de Marcos Vinícius e mais seis "suspeitos" não podem, assim, ser consideradas um acidente, mas sim fruto de mais uma operação negligente e brutal.
Marcos Vinícius foi velado no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, recebendo a consideração que lhe foi negada em vida. Nos últimos 30 anos mais de 1 milhão de pessoas foram vítimas de homicídios no Brasil. 
Em sua grande maioria são jovens negros, do sexo masculino, moradores de nossas periferias sociais, como noticia o Atlas da Violência 2018, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Ipea. De acordo com o mesmo relatório, apenas em 2016, foram 4.222 pessoas mortas em função de intervenções policiais.
Operações bélicas, como a que vitimou Marcos Vinícius e mais seis pessoas na Maré, além de contrárias aos princípios mais básicos do Estado de Direito, têm se demonstrado absolutamente incapazes de promover a pacificação da sociedade e a redução da criminalidade.
A democratização não trouxe consigo um novo sistema de segurança. Grande parte da responsabilidade pela segurança pública permaneceu com as polícias militares. Com o crescimento da violência e a perda do controle sobre a criminalidade em diversas unidades da federação, a União passou a recorrer de forma cada vez mais frequente às Forças Armadas.
Entre 2010 e 2017 as Forças Armadas foram acionadas 29 vezes para realizar operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), culminando com a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro, liderada por um general. Como já antecipava o comandante do Exército, em 2017, essas operações são inócuas.
Entre os múltiplos desafios que se colocam à sociedade brasileira nas próximas eleições está o de conter o forte processo de banalização do direito à vida —o que passa por uma profunda reforma do sistema de segurança, pautada na qualificação profissional, valorização, inteligência, tecnologia, controle e integridade das forças policiais. 
Ampliar a militarização da segurança pública, como têm proposto muitos candidatos, é insistir numa receita fracassada. Fazer da Maré um novo Vietnã definitivamente não é a solução para a segurança pública no Brasil.
Oscar Vilhena Vieira
Professor de direito constitucional da FGV-SP, é doutor pela USP e tem pós-doutorado por Oxford.