sábado, 23 de junho de 2018

Tempo da maldade, Oscar Vilhena, In FSP


Ampliar militarização da segurança pública, proposta de muitos candidatos, é insistir em receita fracassada


A imagem de um helicóptero disparando indiscriminadamente para o solo parecia saltar de um documentário sobre a guerra do Vietnã. Tratava-se, no entanto, de um helicóptero da polícia, chamado de "caveirão voador". O alvo não eram os vietcongues, mas sim a população civil da comunidade da Maré.
A cena apocalíptica fez parte de uma operação da polícia do Rio de Janeiro, com apoio logístico das Forças Armadas, que tinha por objetivo declarado cumprir 23 mandados de prisão. O resultado foi a morte de sete pessoas, entre as quais Marcos Vinícius, de 14 anos, que buscava chegar à escola. Nenhuma pessoa foi presa.

Bruna Silva no velório de seu filho, Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, baleado durante tiroteio na favela da Maré
Bruna Silva no velório de seu filho, Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, baleado durante tiroteio na favela da Maré - Domingos Peixoto/Agência O Globo
Alvejado pelas costas, ao tentar se proteger do tiroteio, Marcos Vinícius foi levado a Unidade de Pronto Atendimento da Maré. A mãe de Marcos, Bruna Silva, conseguiu chegar ao local enquanto o filho ainda estava vivo. Marcos Vinicius lhe disse que o tiro teria partido de um "blindado" e perguntou: "ele não viu que eu estava com roupa de escola, mãe?"
De acordo com a equipe da organização Redes da Maré, o chão da comunidade está com muitas marcas de tiros e munição. Perto das escolas do Campus da Maré 2 e da creche da Vila dos Pinheiros, foram registradas mais de cem marcas de tiros. As mortes de Marcos Vinícius e mais seis "suspeitos" não podem, assim, ser consideradas um acidente, mas sim fruto de mais uma operação negligente e brutal.
Marcos Vinícius foi velado no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, recebendo a consideração que lhe foi negada em vida. Nos últimos 30 anos mais de 1 milhão de pessoas foram vítimas de homicídios no Brasil. 
Em sua grande maioria são jovens negros, do sexo masculino, moradores de nossas periferias sociais, como noticia o Atlas da Violência 2018, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Ipea. De acordo com o mesmo relatório, apenas em 2016, foram 4.222 pessoas mortas em função de intervenções policiais.
Operações bélicas, como a que vitimou Marcos Vinícius e mais seis pessoas na Maré, além de contrárias aos princípios mais básicos do Estado de Direito, têm se demonstrado absolutamente incapazes de promover a pacificação da sociedade e a redução da criminalidade.
A democratização não trouxe consigo um novo sistema de segurança. Grande parte da responsabilidade pela segurança pública permaneceu com as polícias militares. Com o crescimento da violência e a perda do controle sobre a criminalidade em diversas unidades da federação, a União passou a recorrer de forma cada vez mais frequente às Forças Armadas.
Entre 2010 e 2017 as Forças Armadas foram acionadas 29 vezes para realizar operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), culminando com a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro, liderada por um general. Como já antecipava o comandante do Exército, em 2017, essas operações são inócuas.
Entre os múltiplos desafios que se colocam à sociedade brasileira nas próximas eleições está o de conter o forte processo de banalização do direito à vida —o que passa por uma profunda reforma do sistema de segurança, pautada na qualificação profissional, valorização, inteligência, tecnologia, controle e integridade das forças policiais. 
Ampliar a militarização da segurança pública, como têm proposto muitos candidatos, é insistir numa receita fracassada. Fazer da Maré um novo Vietnã definitivamente não é a solução para a segurança pública no Brasil.
Oscar Vilhena Vieira
Professor de direito constitucional da FGV-SP, é doutor pela USP e tem pós-doutorado por Oxford.

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