Fonte: BBC News - 20.06.2018
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Ao contrário do que dizem os teóricos da conspiração, o mundo está sim ficando mais quente: 16 dos 17 anos mais quentes já registrados ocorreram desde 2001, dizem os climatologistas. Assim, não surpreende que a demanda por ar-condicionado seja cada vez maior. A energia consumida por esses aparelhos deve triplicar de hoje até o ano de 2050, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Isto significa que, até 2050, os aparelhos espalhados pelo mundo estarão usando toda a capacidade elétrica dos Estados Unidos, Europa e Japão, somados. Cientistas e empresas de tecnologia estão, portanto, tentando tornar os sistemas mais eficazes. Pesquisadores da Universidade de Stanford, por exemplo, desenvolveram um sistema que usa materiais de ponta e se ampara nos princípios de uma área da ciência ainda pouco explorada, a nanofotônica. A equipe de Stanford criou um material altamente reflexivo, que dissipa o calor mesmo sob a luz solar direta. E a energia térmica infravermelha que resulta do processo é refletida num comprimento de onda que ultrapassa a atmosfera da Terra e chega ao espaço, ao invés de ficar confinada no planeta. Em testes, os cientistas descobriram que o material pode ser usado para resfriar a água que circula em canos abaixo dos painéis. Uma vez resfriada, a água (que fica alguns graus abaixo da temperatura do ar) pode ser usada para resfriar um prédio. E o processo todo funciona sem eletricidade. Os pesquisadores registraram uma empresa - batizada de SkyCool Systems - para tentar levar a nova tecnologia ao mercado. "É bem possível que os futuros aparelhos de ar-condicionado sejam duas vezes mais eficientes do que os atuais", afirmou Danny Parker, do centro de energia solar da University of Central Florida. Parker e seus colegas passaram os últimos anos tentando encontrar formas de tornar os sistemas de refrigeração mais eficazes. Em 2016, por exemplo, o grupo descobriu que dispositivos refrigerados com vapor de água podiam ser conectados a aparelhos convencionais de ar-condicionado, tornando o ar resultante ainda mais frio. Com a modificação, os aparelhos tradicionais de ar-condicionado fazem menos esforços para abaixar a temperatura do ar. Os pesquisadores calcularam que sistemas como este poderiam melhorar a eficácia da refrigeração de 30% a 50%, dependendo do clima local. Uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, a Samsung, desenvolveu uma tecnologia chamada "wind free", ou "sem vento", em tradução livre. A ideia é ir repondo lentamente a massa de ar frio dentro do cômodo depois que a temperatura desejada for atingida, sem a necessidade de ventiladores com alto consumo de energia operando o tempo todo. A empresa garante que aparelhos que usam a nova técnica são 32% mais eficazes que os ar-condicionados tradicionais. A verdade é que já existem alguns dispositivos bastante eficientes no mercado, inclusive modelos que usam dispositivos simples chamados de "inversores". Os inversores são basicamente sensores que ajustam a potência do aparelho à temperatura ambiente, ou seja, o ar-condicionado continua funcionando, mas com baixo desempenho. A longo prazo, um aparelho com um inversor acaba sendo mais eficaz que um modelo mais simples, que funciona sempre à mesma potência, e por isso, precisa ser ligado e desligado para que seja mantida a temperatura no cômodo. "Quando não estão rodando na potência máxima (os aparelhos com inversores) são muito mais eficientes", diz Parker. "Muitas pessoas em países em desenvolvimento podem não optar por gastar um dinheiro a mais comprando aparelhos com inversores, mas se o fizessem, isto representaria uma diferença no aumento do consumo de energia para refrigeração", diz Brian Motherway, da IEA. "É realmente importante fazer as pessoas pensarem em comprar os aparelhos mais eficientes", diz ele. "A solução já está disponível nas prateleiras das lojas". Esta "solução" pode ser difícil de vender em locais como a China, diz Iain Staffell, especialista em energia do Imperial College de Londres. "As pessoas buscam um aparelho que seja o mais barato possível, e não estão muito preocupadas com o gasto que terão na conta de luz no futuro, uma vez que a energia é muito barata na China", diz ele. Mesmo assim, grupos dedicados a questões de energia lançaram uma campanha no começo deste ano, cujo objetivo é etiquetar os produtos no mercado quanto à eficiência energética. A iniciativa é similar às etiquetas que os brasileiros já conhecem em seus eletrodomésticos. Lidar melhor com o que já temos Simplesmente gerenciar melhor os aparelhos de ar-condicionado que já temos poderia economizar muita energia. Uma empresa chamada Tado desenvolveu um aplicativo para celular chamado "Smart AC Control". Ligado aos aparelhos, ele os desliga automaticamente quando as pessoas deixam o cômodo. E também controla a potência dos aparelhos com base na previsão do tempo. Melhoras de gerenciamento como esta podem reduzir o consumo de energia em até 40%, diz a empresa. Além disso, o aumento da demanda por ar-condicionado não importaria tanto para o meio ambiente se toda a eletricidade que eles consumissem viesse de fontes renováveis. Mas este é um resultado improvável, mesmo com o rápido avanço das fontes renováveis em vários países. "Nós percebemos que a eletricidade necessária para refrigeração, em casas e outros prédios, estava crescendo de forma muito rápida", diz Brian Motherway, da IEA. "E isto não só porque as temperaturas estavam aumentando, mas também porque a renda das pessoas estava crescendo, especialmente nos países mais afetados pelo aquecimento global", afirma Brian Motherway. China, Índia e Indonésia serão responsáveis por metade de todo o crescimento no gasto de energia esperado para esta finalidade, para os próximos 30 anos. Mesmo assim, já é possível sentir os efeitos hoje. Uma companhia elétrica indiana recentemente culpou o "uso extensivo de aparelhos de ar-condicionado" pela alta demanda de eletricidade na região nordeste do país (a mais densamente povoada, onde está a cidade de Calcutá). Embora as vendas de ar-condicionado não tenham crescido na China em 2015 e 2016, no ano passado houve um pico de 45% nas vendas, diz Dinesh Kithany, da empresa de pesquisas IHS Markit. O pico foi causado, entre outras coisas, por um verão especialmente quente. A firma de Kithany também estima que existiam 130 milhões de aparelhos em funcionamento em 2016, e 160 milhões em 2017. Melhoras na tecnologia dos aparelhos e a mudança para fontes mais limpas de energia podem reduzir o impacto da refrigeração, diz Staffell. E ele também lembra que, num mundo em aquecimento, haverá menos demanda para o aquecimento central. Pode ser que um fator, como a queda na demanda por aquecimento, ajude a atenuar os impactos do aumento na refrigeração. |
quinta-feira, 21 de junho de 2018
20.06.18 | Como o uso de ar-condicionado está deixando o mundo mais quente, BBC News
O fechamento da livraria FNAC Pinheiros expõe a delicada relação entre o comércio de rua e a vitalidade do espaço público, OESP
Mauro Calliari
13 Junho 2018 | 01h21
A livraria Cultura, que havia comprado as lojas da FNAC no ano passado, confirmou hoje que vai fechar a unidade de Pinheiros.
Inaugurada em 1997, a loja é um marco arquitetônico no bairro e na cidade, em que o prédio “conversa” com a praça em frente através de uma generosa fachada de vidro, num feliz projeto dos arquitetos Paulo Bruna e Roberto Cerqueira Cesar.
O plano da antiga Editora Ática era ambicioso: o Ática Shopping Cultural teria todos os livros em catálogo no Brasil, e de fato foi lançado com incríveis 105 mil títulos. O atendimento era feito por pessoas que realmente gostavam de livros – estudantes de letras, amantes de romances, novelas, contos, ficção e até auto-ajuda. A loja virou um ponto de encontro e eventos rapidamente.
O melhor do novo projeto, porém, era a relação com a praça. A livraria, inundada de luz e de frente para as árvores, praticamente refundou a praça dos Omaguás e transformou-se num ponto turístico e num pequeno oásis na paisagem.
Mesmo assim, a dinâmica dos negócios editoriais revelou-se implacável. A Editora Ática nunca se recuperou do investimento e foi vendida para o grupo Abril e para a Vivendi. A loja foi comprada pela FNAC em 1998, que diminuiu gradativamente o espaço dos livros e Cd´s para vender equipamentos eletrônicos. Vinte anos depois, insatisfeito com os resultados, o grupo francês decidiu sair do Brasil e vendeu, aparentemente com enormes subsídios, as lojas para a Cultura. A livraria Cultura, assim como outras livrarias no Brasil – e no mundo – também dá sinais de estresse financeiro, atrasando pagamento de fornecedores e ontem confirmou o fechamento da loja.Mais do que uma saga de um segmento empresarial, as dificuldades do mercado editorial e das livrarias apresentam uma faceta crucial para a vitalidade da cidade: as lojas são pólos de atração de pessoas, de encontro, de convivência e de criação de espaço público.
O fechamento de qualquer loja causa uma perda para a cidade. O fechamento de uma grande livraria causa uma tristeza ainda maior.
A livraria é um lugar onde pessoas ficam horas, olhando, lendo, conversando, tomando um café. Em algumas delas, ainda há apresentações e debates, como na Martins Fontes da Paulista ou na Livraria da Vila e principalmente na loja da Cultura no Conjunto Nacional, uma das mais lindas do mundo. A antiga loja da FNAC em Pinheiros, além de bonita, ainda ajudava a manter uma praça viva, oferecendo um ponto de encontro, um cenário, movimento e proteção.
A praça dos Omaguás é, há anos, um dos meus lugares preferidos na cidade.
A livraria gigante gerava movimento para pequenos negócios ao redor da praça, como o 62 graus, uma simpática lojinha de “coisas supérfluas” e comidinhas nada supérfluas e lojas com vista para o jardim da praça, disputada pelos freqüentadores da feirinha semanal, moradores de rua, fregueses e foliões no carnaval. Mesmo pequena, a praça é um alívio para o movimento da avenida Pedroso de Moraes, que passa em frente.
A lojinha simpática fechou, as comidinhas acabaram, a loja-conceito da Nike fechou, e, agora, a mega-loja linda da Fnac/Cultura vai fechar também, deixando na praça a ACM – Associação Cristã de Moços, que ainda atrai um monte de gente, um restaurante agradável num predinho simpaticíssimo e uma padaria alquebrada, que só espera por um comprador. Semanalmente, ainda acontece uma feirinha de quadros no jardim da praça, que foi reformado recentemente pela prefeitura.
É uma pena que essa loja esteja fechando e que o comércio de rua esteja ameaçado. As lojas de rua têm um papel fundamental na saúde do espaço público. Elas oferecem segurança, manutenção, atração e retenção de pessoas. Agora, além da concorrência com os shopping-centers, elas também estão sofrendo com o e-commerce, que faz com que as pessoas nem precisem mais sair de casa para comprar um celular – ou, para os que ainda lêem — um livro.
Na praça dos Omaguás, há um vácuo que precisa ser preenchido.
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A política da decência, joão pereira coutinho, FSP
Antes de saber se é de esquerda ou de direita, pergunte: o que diria minha avó?
A Bíblia tem as costas largas. Em 1938, depois da infame Noite dos Cristais na Alemanha —uma sucessão de ataques antissemitas que serviram apenas de aperitivo para o Holocausto—, o Reino Unido decidiu agir: era preciso salvar as crianças da Alemanha e do Leste Europeu, permitindo que elas viajassem para Londres para serem acolhidas por famílias inglesas.
Assim foi —e quem assistiu ao documentário "Nos Braços de Estranhos" não esquece: 10 mil terão chegado a Londres entre 1938 e 1939, na esperança de que os pais viessem a seguir.
Não é preciso contar o resto da história. Mas é preciso contar por que motivo os Estados Unidos não abriram as portas com a mesma generosidade: o Congresso não permitiu. Segundo a filosofia triunfante de 1939, separar os filhos dos pais era um ato contrário à Bíblia e às leis de Deus.
Avancemos para 2018. Informa esta Folha que, só entre meados de abril e final de maio, cerca de 2.000 crianças foram separadas dos progenitores, imigrantes ilegais, na fronteira sul dos Estados Unidos.
Para o procurador-geral do país, Jeff Sessions, o procedimento é inteiramente bíblico. Aplicar a lei do Estado é respeitar a vontade de Deus.
Existem duas formas de olhar para o caso. A primeira é vestir a camiseta da pequena política e debater o assunto sob o chicote da ideologia.
Para Trump, a lei foi feita pelos democratas; se os democratas não gostam da lei, devem colaborar com a administração republicana para mudá-la.
Para os democratas, o problema não está na lei; está na "política de imigração" de Trump, que usa a separação forçada como uma dissuasão para imigrantes potenciais.
Não entro no debate. Embora seja inevitável acrescentar que a esmagadora maioria dos juristas norte-americanos nega que a lei, ou qualquer decisão judicial, determine a separação de pais e filhos.
O meu ponto é outro: às vezes, é preciso recuar um passo, abandonar a selvajaria do debate político, só para não perder um certo "sentido de decência".
Esse "sentido de decência" não vem nos livros ou nos códigos. Não se aprende em universidades ou, Deus me livre, redes sociais.
"Decência" significa apenas termos a capacidade mínima de nos colocarmos no lugar dos outros. Para quê? Para imaginar, através de um exercício de substituição e simpatia, as provações de terceiros (obrigado, Adam Smith).
Esse "sentido de decência" não existiu em 1939 nem existe em 2018. Separar pais e filhos para salvar os filhos era o mal menor em 1939. A atitude correta, lógico, teria sido salvar ambos.
Em 2018, essa separação é o mal maior: se a imigração ilegal é um caso sério, encontrar uma forma legal de deter as famílias, sem as desmembrar, seria o gesto mais decente de acordo com as circunstâncias. Depois, a justiça que fizesse o seu caminho.
Mas não se pense que essa ausência de decência é um exclusivo de Trump. Na Europa, um navio com 629 refugiados, entre os quais mulheres grávidas e crianças, andou a vaguear durante dias pelo mar mediterrânico. Itália fechou as portas ao navio e Espanha, "in extremis", aceitou o desembarque em Valência.
Longe de mim ignorar o problema do impacto da crise migratória na Europa: não é possível acomodar todo o Oriente Médio no continente e eu sei disso.
De igual forma, esperar que a Itália (e a Grécia, já agora) seja o único destino dos refugiados —Itália recebeu 700 mil desde 2013— é uma receita para o desastre. Ou, melhor dizendo, para a vitória: da extrema direita, obviamente.
Mas, uma vez mais, há um "sentido de decência" que é anterior a qualquer discussão política. Quando existem 629 seres humanos à deriva no Mediterrâneo, o primeiro dever é resgatá-los.
Saber o que fazer com eles; saber quantos podem ficar na Europa; saber quantos representam uma ameaça para a segurança interna; saber quantos devem ser deportados —tudo isso são questões necessárias depois da água, da comida e do abrigo.
Era um personagem de Oscar Wilde quem dizia: as boas maneiras são anteriores à moral.
Adaptando essa máxima à política contemporânea, dominada pelo sectarismo do esgoto virtual, antes de você saber se é de esquerda ou de direita faça uma pergunta mais básica perante qualquer dilema: o que diria a minha avó a respeito?
Isso, claro, se você conheceu sua avó. E se sua avó era uma mulher com maneiras.
João Pereira Coutinho
É escritor português e doutor em ciência política.
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