Mauro Calliari
13 Junho 2018 | 01h21
A livraria Cultura, que havia comprado as lojas da FNAC no ano passado, confirmou hoje que vai fechar a unidade de Pinheiros.
Inaugurada em 1997, a loja é um marco arquitetônico no bairro e na cidade, em que o prédio “conversa” com a praça em frente através de uma generosa fachada de vidro, num feliz projeto dos arquitetos Paulo Bruna e Roberto Cerqueira Cesar.
O plano da antiga Editora Ática era ambicioso: o Ática Shopping Cultural teria todos os livros em catálogo no Brasil, e de fato foi lançado com incríveis 105 mil títulos. O atendimento era feito por pessoas que realmente gostavam de livros – estudantes de letras, amantes de romances, novelas, contos, ficção e até auto-ajuda. A loja virou um ponto de encontro e eventos rapidamente.
O melhor do novo projeto, porém, era a relação com a praça. A livraria, inundada de luz e de frente para as árvores, praticamente refundou a praça dos Omaguás e transformou-se num ponto turístico e num pequeno oásis na paisagem.
Mesmo assim, a dinâmica dos negócios editoriais revelou-se implacável. A Editora Ática nunca se recuperou do investimento e foi vendida para o grupo Abril e para a Vivendi. A loja foi comprada pela FNAC em 1998, que diminuiu gradativamente o espaço dos livros e Cd´s para vender equipamentos eletrônicos. Vinte anos depois, insatisfeito com os resultados, o grupo francês decidiu sair do Brasil e vendeu, aparentemente com enormes subsídios, as lojas para a Cultura. A livraria Cultura, assim como outras livrarias no Brasil – e no mundo – também dá sinais de estresse financeiro, atrasando pagamento de fornecedores e ontem confirmou o fechamento da loja.Mais do que uma saga de um segmento empresarial, as dificuldades do mercado editorial e das livrarias apresentam uma faceta crucial para a vitalidade da cidade: as lojas são pólos de atração de pessoas, de encontro, de convivência e de criação de espaço público.
O fechamento de qualquer loja causa uma perda para a cidade. O fechamento de uma grande livraria causa uma tristeza ainda maior.
A livraria é um lugar onde pessoas ficam horas, olhando, lendo, conversando, tomando um café. Em algumas delas, ainda há apresentações e debates, como na Martins Fontes da Paulista ou na Livraria da Vila e principalmente na loja da Cultura no Conjunto Nacional, uma das mais lindas do mundo. A antiga loja da FNAC em Pinheiros, além de bonita, ainda ajudava a manter uma praça viva, oferecendo um ponto de encontro, um cenário, movimento e proteção.
A praça dos Omaguás é, há anos, um dos meus lugares preferidos na cidade.
A livraria gigante gerava movimento para pequenos negócios ao redor da praça, como o 62 graus, uma simpática lojinha de “coisas supérfluas” e comidinhas nada supérfluas e lojas com vista para o jardim da praça, disputada pelos freqüentadores da feirinha semanal, moradores de rua, fregueses e foliões no carnaval. Mesmo pequena, a praça é um alívio para o movimento da avenida Pedroso de Moraes, que passa em frente.
A lojinha simpática fechou, as comidinhas acabaram, a loja-conceito da Nike fechou, e, agora, a mega-loja linda da Fnac/Cultura vai fechar também, deixando na praça a ACM – Associação Cristã de Moços, que ainda atrai um monte de gente, um restaurante agradável num predinho simpaticíssimo e uma padaria alquebrada, que só espera por um comprador. Semanalmente, ainda acontece uma feirinha de quadros no jardim da praça, que foi reformado recentemente pela prefeitura.
É uma pena que essa loja esteja fechando e que o comércio de rua esteja ameaçado. As lojas de rua têm um papel fundamental na saúde do espaço público. Elas oferecem segurança, manutenção, atração e retenção de pessoas. Agora, além da concorrência com os shopping-centers, elas também estão sofrendo com o e-commerce, que faz com que as pessoas nem precisem mais sair de casa para comprar um celular – ou, para os que ainda lêem — um livro.
Na praça dos Omaguás, há um vácuo que precisa ser preenchido.
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