quinta-feira, 21 de junho de 2018

O fechamento da livraria FNAC Pinheiros expõe a delicada relação entre o comércio de rua e a vitalidade do espaço público, OESP


Mauro Calliari
13 Junho 2018 | 01h21
A livraria Cultura, que havia comprado as lojas da FNAC no ano passado, confirmou hoje que vai fechar a unidade de Pinheiros.
Inaugurada em 1997, a loja é um marco arquitetônico no bairro e na cidade, em que o prédio “conversa” com a praça em frente através de uma generosa fachada de vidro, num feliz projeto dos arquitetos Paulo Bruna e Roberto Cerqueira Cesar.
O plano da antiga Editora Ática era ambicioso: o Ática Shopping Cultural teria todos os livros em catálogo no Brasil, e de fato foi lançado com incríveis 105 mil títulos. O atendimento era feito por pessoas que realmente gostavam de livros – estudantes de letras, amantes de romances, novelas, contos, ficção e até auto-ajuda. A loja virou um ponto de encontro e eventos rapidamente.
O melhor do novo projeto, porém, era a relação com a praça. A livraria, inundada de luz e de frente para as árvores, praticamente refundou a praça dos Omaguás e transformou-se num ponto turístico e num pequeno oásis na paisagem.
Mesmo assim, a dinâmica dos negócios editoriais revelou-se implacável. A Editora Ática nunca se recuperou do investimento e foi vendida para o grupo Abril e para a Vivendi. A loja foi comprada pela FNAC em 1998, que diminuiu gradativamente o espaço dos livros e Cd´s para vender equipamentos eletrônicos. Vinte anos depois, insatisfeito com os resultados, o grupo francês decidiu sair do Brasil e vendeu, aparentemente com enormes subsídios, as lojas para a Cultura. A livraria Cultura, assim como outras livrarias no Brasil – e no mundo – também dá sinais de estresse financeiro, atrasando pagamento de fornecedores e ontem confirmou o fechamento da loja.Mais  do que uma saga de um segmento empresarial, as dificuldades do mercado editorial e das livrarias apresentam uma faceta crucial para a vitalidade da cidade: as lojas são pólos de atração de pessoas, de encontro, de convivência e de criação de espaço público.
O fechamento de qualquer loja causa uma perda para a cidade. O fechamento de uma grande livraria causa uma tristeza ainda maior.
A livraria é um lugar onde pessoas ficam horas, olhando, lendo, conversando, tomando um café. Em algumas delas, ainda há apresentações e debates, como na Martins Fontes da Paulista ou na Livraria da Vila e  principalmente na loja da Cultura no Conjunto Nacional, uma das mais lindas do mundo. A antiga loja da FNAC em Pinheiros, além de bonita, ainda ajudava a manter uma praça viva, oferecendo um ponto de encontro, um cenário, movimento e proteção.
Evento na praça dos Omaguás, em 2014. Foto Mauro Calliari
A praça dos Omaguás é, há anos, um dos meus lugares preferidos na cidade.
A livraria gigante gerava movimento para pequenos negócios ao redor da praça, como o 62 graus, uma simpática lojinha de “coisas supérfluas” e comidinhas nada supérfluas e lojas com vista para o jardim da praça, disputada pelos freqüentadores da feirinha semanal, moradores de rua, fregueses e foliões no carnaval. Mesmo pequena, a praça é um alívio para o movimento da avenida Pedroso de Moraes, que passa em frente.
A lojinha simpática fechou, as comidinhas acabaram, a loja-conceito da Nike fechou, e, agora, a mega-loja linda da Fnac/Cultura vai fechar também, deixando na praça a ACM – Associação Cristã de Moços, que ainda atrai um monte de gente, um restaurante agradável num predinho simpaticíssimo e uma padaria alquebrada, que só espera por um comprador. Semanalmente, ainda acontece uma feirinha de quadros no jardim da praça, que foi reformado recentemente pela prefeitura.
Vizinhança da praça dos Omaguás. Foto: Mauro Calliari
É uma pena que essa loja esteja fechando e que o comércio de rua esteja ameaçado. As lojas de rua têm um papel fundamental na saúde do espaço público. Elas oferecem segurança, manutenção, atração e retenção de pessoas. Agora, além da concorrência com os shopping-centers, elas também estão sofrendo com o e-commerce, que faz com que as pessoas nem precisem mais sair de casa para comprar um celular – ou, para os que ainda lêem — um livro.
Na praça dos Omaguás,  há um vácuo que precisa ser preenchido.



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