segunda-feira, 18 de junho de 2018

Privilégios do cargo favorecem políticos e dificultam renovação, FSP

Novas regras de disputa reforçam peso dos mandatos e deve impulsionar reeleições

Desde o início de junho, os deputados estaduais do Pará só precisam aparecer na Assembleia Legislativa uma vez por semana. O autor da ideia, Sidney Rosa (PSB), foi sincero ao justificar a redução do expediente: “Estamos num período pré-eleitoral e vivemos num estado de proporções continentais”, disse.
Traduzindo, os parlamentares paraenses conseguiram seis dias livres para viajar pelo estado em busca de votos. A campanha nem começou oficialmente, mas os políticos já usam os benefícios de seus cargos para conquistar mais poder.
A redução do período eleitoral aprovada pelo Congresso e a proibição de doações empresariais determinada pelo STF foram boas ideias, mas reforçaram um defeito grave: a exploração despudorada de mandatos para se obter novos mandatos.
Plenário da Câmara dos Deputados; regra que determina distribuição do fundo partidário se baseia na proporção de votos para deputado federal que um partido atingiu na última eleição geral
Plenário da Câmara dos Deputados; regra que determina distribuição do fundo partidário se baseia na proporção de votos para deputado federal que um partido atingiu na última eleição geral - Ricardo Botelho - 19.fev.18/Brazil Photo Press/Folhapress
O sistema privilegia quem já tem acesso ao poder. Como a captação de dinheiro de empresas foi vetada, as emendas e as verbas de gabinete se tornaram proporcionalmente mais valiosas para os políticos.
Muitos deputados federais e senadores, que despacham em Brasília, aumentaram a frequência de viagens para seus redutos eleitorais. Nos estados, eles se reúnem com prefeitos, inauguram obras e fazem corpo a corpo com eleitores.
Desde que não haja pedido expresso de voto, não há nada ilegal nessa atividade, já que o papel do político é mesmo estar perto da população que representa. É óbvio, porém, que existe uma pré-campanha disfarçada —financiada com dinheiro público.
Cada deputado pode gastar de R$ 30 mil a R$ 45 mil por mês com voos, combustível e divulgação. Também tem direito a alocar funcionários em seu estado e ainda pode destinar R$ 15 milhões por ano em emendas para obras em sua região.
Quem tem mandato sempre largou na frente, mas a distância aumenta. A questão se acentua porque os partidos devem priorizar seus atuais caciques na distribuição do fundo eleitoral. Será uma surpresa se uma onda de renovação sair das urnas em outubro.
 
Bruno Boghossian
Aborda temas da política nacional. Jornalista já integrou a equipe do "Painel" e foi repórter de política e economia.

domingo, 17 de junho de 2018

Apesar do eleitor, FSP

Quem vota não apenas é ignorante como também tem dificuldades para reter informações corretas

Segundo experimento, eleitor tem dificuldades para reter informações corretas que eventualmente receba
Segundo experimento, eleitor tem dificuldades para reter informações corretas que eventualmente receba - Diego Herculano - 26.set.16/Folhapress
    Não existe déficit da Previdência no Brasil. Se a reforma original do Temer tivesse passado, o trabalhador precisaria contribuir por 49 anos para poder se aposentar. Metade dos gastos do governo brasileiro são para pagar juros a banqueiros.
    Algumas proposições, como as do parágrafo acima, embora capciosas ou demonstravelmente falsas, pegam. E elas podem ter efeitos políticos. Se uma pessoa crê que o sistema de aposentadorias é hígido do jeito que está, não tem mesmo por que apoiar uma reforma da Previdência. Como sair dessa encrenca?
    A resposta de 8 entre 10 analistas é que precisamos informar o eleitor para que ele possa dimensionar os problemas corretamente e tomar decisões de voto consistentes. Longe de mim sugerir que as pessoas não devam sempre receber as melhores informações disponíveis sobre tudo. Receio, porém, que as coisas não sejam tão simples.
    A cada vez mais extensa literatura que aponta as incoerências do eleitor mostra que ele não apenas é ignorante como também que tem dificuldades para reter informações corretas que eventualmente receba. Isso fica claro num experimento de Michael Ranney que foi depois replicado por outros laboratórios.
    O pesquisador pediu às suas cobaias que oferecessem suas estimativas para cifras dos EUA como taxa de imigração, de encarceramento, proporção do orçamento destinada à ajuda externa, que são indispensáveis para a definição de políticas para as respectivas áreas. Como costuma acontecer, as pessoas se saíram mal, desfilando números muito distantes dos reais.
    Ranney forneceu então os dados certos a seus voluntários. A esperança era que aprendessem. Mas, quando convidados a repetir o experimento 12 semanas depois, as estimativas que apresentaram eram indistinguíveis das que haviam sido feitas na primeira rodada. Ou seja, a “aula” não serviu para nada.
    Sabemos que a democracia funciona, mas não é por causa do eleitor.
     
    Hélio Schwartsman
    É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.

    Se pudessem, 62% dos jovens brasileiros iriam embora do país, FSP (preocupante)

    Datafolha mostra ainda que 56% dos adultos com nível superior gostariam de deixar o Brasil

    Ana Estela de Sousa Pinto
    SÃO PAULO
    Num piscar de olhos, a população dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná desapareceria do Brasil. Cerca de 70 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais deixariam o Brasil se pudessem, mostra o Datafolha.
     
    A produtora Cássia Andrade olha para a praça da Bandeira, no centro de SP
    A produtora Cássia Andrade, 45, que vendeu seu apartamento em São Paulo e está de mudança para o Canadá - Bruno Santos/Folhapress
    Na pesquisa, feita em todo o Brasil no mês passado, 43% da população adulta manifestou desejo de sair do país. Entre os que têm de 16 a 24 anos, a porcentagem vai a 62%. São 19 milhões de jovens que deixariam o Brasil, o equivalente a toda a população de Minas Gerais.
    O êxodo não fica apenas na intenção. O número de vistos para imigrantes brasileiros nos EUA, país preferido dos que querem se mudar, foi a 3.366 em 2017, o dobro de 2008, início da crise global.
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    Os pedidos de cidadania portuguesa aceleraram. Só no consulado de São Paulo, houve 50 mil concessões desde 2016. No mesmo período, dobrou o número de vistos para estudantes, empreendedores e aposentados que pretendem fixar residência em Portugal.
    “Há fatores de sucesso e de fracasso que explicam isso”, avalia Flavio Comin, professor de economia da Universidade Ramon Llull (Barcelona). 
    Um deles é que hoje é mais fácil se mudar: “Na internet dá para ver a rua onde se pretende morar, a sala do apartamento que se quer alugar”.
    Há também grande frustração. “O Brasil de 2010 promoveu as expectativas de que nosso país seria diferente. O tombo foi maior quando se descobriu que não estávamos tão bem quanto se dizia.”
    Segundo Comin, nos últimos anos seus alunos começaram a pedir cartas de referência para trabalho, “com o claro propósito de mudar permanentemente para o exterior”.
    Não só os jovens querem ir embora. Há maioria também entre os que têm ensino superior (56%) e na classe A/B (51%). É o caso da produtora Cássia Andrade, 45, que vendeu seu apartamento e embarca para o Canadá até agosto.
    “Não quero virar Uber nem vender brigadeiros. Trabalho com arte há 30 anos e estou em plena fase produtiva. Não faz sentido ficar só porque sou brasileira e não desisto nunca.” Cássia só não fechou sua empresa porque pretende continuar trabalhando com projetos brasileiros. 
    Essa possibilidade de continuar atuando no Brasil mesmo de fora é um dos fenômenos que atenuam a chamada “fuga de cérebros”, afirma Marcos Fernandes, pesquisador do Cepesp FGV.
    Na área acadêmica, os brasileiros passam a trabalhar na fronteira do conhecimento, e exportam esse conhecimento para o Brasil por meio de parcerias e projetos individuais.
    Já no caso de profissionais de nível técnico ou empreendedores o intercâmbio é mais difícil. Mas, segundo Fernandes, há evidência empírica de que a saída de talentos é um movimento de curto prazo. “A não ser em casos de guerra civil ou falência do Estado, boa parte deles acaba voltando.”
    No médio prazo, portanto, o Brasil pode ganhar profissionais mais bem formados e experientes num período futuro.
    João Amaro de Matos, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, na qual o número de alunos brasileiros é crescente, concorda com a análise.
    “Nossa experiência mostra que muitos voltam, e não faz sentido tentar estancar esse fluxo. Os brasileiros mais promissores só vão exercer seu potencial se puderem ser livres para se desenvolver.”
    Matos, português que viveu em São Paulo dos 14 anos até se doutorar na USP, cita seu próprio caso: morou na Alemanha e na França, mas hoje está em Portugal e trabalha no Brasil dois meses por ano.
    As perdas de curto prazo podem ainda ser minoradas com políticas públicas, diz Fernandes. “O governo precisa criar canais de conexão e participação com os acadêmicos brasileiros no exterior, e gerar estabilidade e crescimento para que os tecnólogos e empreendedores voltem mais rapidamente. Não é o mercado que vai resolver isso.”
    A saída de brasileiros traz desafios não só para o setor público, mas também para a sociedade civil, nota o diretor de Mobilização do Todos pela Educação, Rodolfo Araújo, que aponta uma cisão entre o indivíduo e as instituições.
    “As pessoas se sentem vítimas do sistema, à parte dele. Com isso, perdem a capacidade de se sentir cidadãs, seja nos direitos, seja nos deveres.”
    Para Araújo, é preocupante que os mais escolarizados não se sintam parte da solução, e as instituições precisam se aproximar das pessoas, conhecê-las e ganhar a confiança delas.
    “Afinal, o que é ser brasileiro hoje? Não pode ser ‘sou um desiludido, um desesperançado’. Cair nisso é muito perigoso para todos nós.”
    Há de fato um clima de desesperança. Levantamento feito no começo deste mês pelo Datafolha mostrou que, para 32% dos brasileiros, a economia vai piorar; 46% acreditam em alta do desemprego.
    “Gera uma angústia muito grande. Se nós já estamos em pânico, imagine os jovens”, diz Fernandes. Enrico Aiex Oliveira, 19, um dos 12 mil brasileiros que cursam faculdade em Portugal, pretende fazer carreira no exterior. Gostaria de voltar um dia ao Brasil “se houvesse estabilidade econômica, reforma política e melhora na saúde e na educação”.
    O problema, segundo Comin, é que, “se há um futuro, ele não deve chegar tão breve. E dez anos podem não ser nada na vida de um país, mas é muito na de uma pessoa”.
    Nessa perspectiva, a vontade de ir embora “é uma atitude racional, de busca de uma vida melhor em um mundo no qual ficou mais fácil transitar”.