quinta-feira, 31 de maio de 2018

Greve dos caminhoneiros liberou apelos à derrubada da democracia, Janio de Freitas , FSP

Greve dos caminhoneiros liberou apelos à derrubada da democracia

Conclamação por intervenção militar passou de testes tímidos para a explicitude urrada

Dois componentes da fermentação criada pelos empresários e autônomos do transporte de carga valem um destaque, o primeiro em razão do futuro, o outro, do passado. Seriam úteis, como objeto de reflexão, durante os previsíveis movimentos corporativos suscitados pela crise econômica e estimulados pela vitória absoluta dos transportadores em seu desafio ao governo. 
A situação é mesmo convidativa para as reivindicações pressionantes.
infiltração político-partidária nos caminhoneiros nada tem de anormal. É comum que esses movimentos expressem confrontos temáticos entre partidos, e militantes ajam nas ruas pela causa partidária. O que houve de grave, agora, foi a liberação dos apelos à derrubada da democracia, que ainda nem se livrou das fraldas. 
A sem-cerimônia com que a conclamação à "intervenção militar"passou dos testes tímidos, aqui e ali, à explicitude urrada, por voz e por escrito, estendeu-se no país.
É grande o risco de que o slogan não saia das ruas em ebulições no futuro próximo. A população mal informada, carente de percepção política e sugada pela crise não pode ser obstáculo à pregação do salvamento ilusório.
Mas a ideia não poderia ter nem sequer a exposição que lhe é dada agora: a Constituição pressentiu e teve o cuidado de proibir qualquer pretensão contra o regime por ela dado ao país —e apenas iniciado em 30 anos, contra os poderes tradicionais.
Os pregadores de ditadura são passíveis de investigação e processo. Não houve, porém, nenhuma "autoridade" que os incomodasse.
Nesse capítulo, resta constatar o enlace de uma notícia discreta, dias atrás, e da identificação de José da Fonseca Lopes, líder dos caminhoneiros, como filiado e ex-candidato a deputado do PSDB.
Dizia a notinha que Rodrigo Maia, ao chegar à Câmara depois de iniciado o bloqueio de estradas, foi logo cercado por um grupo de deputados do PSDB concitando-o a admitir sua posse na Presidência da República. Logo, com a derrubada de Temer. Só acaso?
De outra parte, ficou clara a inutilidade, decidida pelo comando do Exército, do decreto Garantia da Lei e da Ordem, assinado por Temer e induzido por Raul Jungmann, para o Exército confrontar os caminhoneiros e desobstruir as estradas. Adeptos da força, Temer e seus imediatos insistem na transformação do Exército em força policial. Quando muito, o comando admitiu a escolta para entregas mais urgentes.
Driblou-se a probabilidade, elevada pela exasperação dos caminhoneiros, de gravidades com consequências incontroláveis. Driblou-se, não se extinguiu.

O VERDADEIRO

primeira condenação do Supremo a um parlamentar na Lava Jato —deputado Nelson Meurer, PP do Paraná— foi incompleta. Os 13 anos e nove meses não incluíram pena pelos delatados R$ 4 milhões em dinheiro, por falta de prova. Nem a quantia por ele declarada à Justiça Eleitoral e sem prova de contrapartida sua. Problemas à vista para o pessoal de Curitiba, que sempre priorizou delação à investigação.
Nelson Meurer foi condenado por receber R$ 30 milhões, em mensalidades de R$ 300 mil, como pagamento por indicar e manter Paulo Roberto Costa como diretor da Petrobras. 
Na fase dos vazamentos feitos pela Lava Jato, esse larápio foi dado, inúmeras vezes, como amigo, escolhido e mantido por Lula. Ao chegarem a julgamento, muitos vazamentos vão se mostrar como esgotos.
Janio de Freitas
Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, analisa a política e a economia.

Ninguém segura este país, FSP

Ninguém segura este país

Difícil que o PIB cresça 2% em 2018, com este início de ano pífio e tumulto político

Motoristas de caminhão protestam no Ceagesp, em SP
Motoristas de caminhão protestam no Ceagesp, em SP - Rahel Patrasso - 29.mai.18/Xinhua
O crescimento da economia no resto deste ano está por um fio de esperança. Depende das intermitências do coração, dos ânimos de consumidores, praticamente. A julgar por conversas recentes, a confiança das empresas vai para o vinagre.
Durante os últimos dez dias, por aí, este jornalista ouviu empresários e executivos a falar em “risco” ou “surto de venezuelização” do Brasil. Não vem ao caso se a hipótese é surtada, talvez um exagero destes dias de pânico. O que importa é o espírito da coisa: assim tende a ser se assim lhes parecer.
Muita gente de empresa parece conformada com o falecimento da aceleração do crescimento em 2018. Pelo menos nestes dias, desapareceu de vez a conversa de que um “candidato responsável de centro” ainda está para crescer nas pesquisas.
Claro que o tumulto recente, dos caminhões ao dólar, nada teve a ver com a lerdeza da economia no primeiro trimestre. Ao contrário. A economia catatônica contribuiu para a revolta geral.
Andávamos devagar, quase parando. Agora, há vento contrário e areia no motor. Caso a economia continue no mesmo ritmo do primeiro trimestre, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2018 será de 1,5% (no ano passado, foi a quase estagnação de 1%).
A fim de crescer algo em torno dos 2,5%, que era mais ou menos a média da previsão da praça financeira desde dezembro, a economia teria de crescer 1,1% por trimestre no restante do ano (cresceu 0,4% no primeiro trimestre deste 2018, soubemos nesta quarta, 30, pelo IBGE). Ou seja, praticamente inviável.
Os motivos imediatos da lerdeza são sabidos. 
desemprego na prática não cai desde setembro do ano passado; o emprego precário e mal pago domina o mercado. O crescimento mais rápido do rendimento do trabalho em 2017 era em parte ilusório; noutra parte, perdeu impulso com o fim da surpresa inflacionária positiva (inflação caindo muito abaixo dos reajustes nominais acordados).
O impulso do saque do FGTS não foi o bastante para o PIB pegar no tranco. As taxas de juros nos bancos pararam de cair desde o fim do ano.
A construção civil voltou a cavar mais um pouco do buraco onde caiu quase morta, em parte porque o governo quebrado dizimou o investimento em obras, apesar de gastar em besteira (favores para setores empresariais, perdões de dívidas, aumentos para servidores federais e, agora, subsídio para o diesel).
Reformas não passaram, entre outros motivos porque o governo vive ocupado em fugir da polícia. Etc.
A dose nova de veneno vem da revolta geral. Ficou evidente a popularidade de ideias lunáticas, do autoritarismo político a soluções erradas para problemas econômicos (crise do diesel, crise fiscal).
Nas ruas, vê-se um monstro de duas cabeças: uma apoia a intervenção estatal paternalista na economia, outra rejeita impostos. O bicho ainda tem um rabo gordo de apreço por salvadores da pátria. Há um chocalho autoritário na ponta.
As maluquices tiveram apoio explícito de vários candidatos e tolerância conivente ou covarde de outros. Todas as flores do pântano florescem, tudo parece possível, em especial o pior.
O país esteve à beira da paralisia econômica, lideranças do Congresso e o governo zumbi de Michel Temer legitimaram e ratificaram chantagens e soluções erradas. Esquerda e direita tentaram faturar a crise. Mais do que mesquinharia política, viu-se oportunismo sórdido e suicida.
Quem vai investir nesse ambiente? A senhora leitora, que é perspicaz, investiria? 
 
Vinicius Torres Freire
Na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião' e correspondente em Paris.