quinta-feira, 31 de maio de 2018

Ninguém segura este país, FSP

Ninguém segura este país

Difícil que o PIB cresça 2% em 2018, com este início de ano pífio e tumulto político

Motoristas de caminhão protestam no Ceagesp, em SP
Motoristas de caminhão protestam no Ceagesp, em SP - Rahel Patrasso - 29.mai.18/Xinhua
O crescimento da economia no resto deste ano está por um fio de esperança. Depende das intermitências do coração, dos ânimos de consumidores, praticamente. A julgar por conversas recentes, a confiança das empresas vai para o vinagre.
Durante os últimos dez dias, por aí, este jornalista ouviu empresários e executivos a falar em “risco” ou “surto de venezuelização” do Brasil. Não vem ao caso se a hipótese é surtada, talvez um exagero destes dias de pânico. O que importa é o espírito da coisa: assim tende a ser se assim lhes parecer.
Muita gente de empresa parece conformada com o falecimento da aceleração do crescimento em 2018. Pelo menos nestes dias, desapareceu de vez a conversa de que um “candidato responsável de centro” ainda está para crescer nas pesquisas.
Claro que o tumulto recente, dos caminhões ao dólar, nada teve a ver com a lerdeza da economia no primeiro trimestre. Ao contrário. A economia catatônica contribuiu para a revolta geral.
Andávamos devagar, quase parando. Agora, há vento contrário e areia no motor. Caso a economia continue no mesmo ritmo do primeiro trimestre, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2018 será de 1,5% (no ano passado, foi a quase estagnação de 1%).
A fim de crescer algo em torno dos 2,5%, que era mais ou menos a média da previsão da praça financeira desde dezembro, a economia teria de crescer 1,1% por trimestre no restante do ano (cresceu 0,4% no primeiro trimestre deste 2018, soubemos nesta quarta, 30, pelo IBGE). Ou seja, praticamente inviável.
Os motivos imediatos da lerdeza são sabidos. 
desemprego na prática não cai desde setembro do ano passado; o emprego precário e mal pago domina o mercado. O crescimento mais rápido do rendimento do trabalho em 2017 era em parte ilusório; noutra parte, perdeu impulso com o fim da surpresa inflacionária positiva (inflação caindo muito abaixo dos reajustes nominais acordados).
O impulso do saque do FGTS não foi o bastante para o PIB pegar no tranco. As taxas de juros nos bancos pararam de cair desde o fim do ano.
A construção civil voltou a cavar mais um pouco do buraco onde caiu quase morta, em parte porque o governo quebrado dizimou o investimento em obras, apesar de gastar em besteira (favores para setores empresariais, perdões de dívidas, aumentos para servidores federais e, agora, subsídio para o diesel).
Reformas não passaram, entre outros motivos porque o governo vive ocupado em fugir da polícia. Etc.
A dose nova de veneno vem da revolta geral. Ficou evidente a popularidade de ideias lunáticas, do autoritarismo político a soluções erradas para problemas econômicos (crise do diesel, crise fiscal).
Nas ruas, vê-se um monstro de duas cabeças: uma apoia a intervenção estatal paternalista na economia, outra rejeita impostos. O bicho ainda tem um rabo gordo de apreço por salvadores da pátria. Há um chocalho autoritário na ponta.
As maluquices tiveram apoio explícito de vários candidatos e tolerância conivente ou covarde de outros. Todas as flores do pântano florescem, tudo parece possível, em especial o pior.
O país esteve à beira da paralisia econômica, lideranças do Congresso e o governo zumbi de Michel Temer legitimaram e ratificaram chantagens e soluções erradas. Esquerda e direita tentaram faturar a crise. Mais do que mesquinharia política, viu-se oportunismo sórdido e suicida.
Quem vai investir nesse ambiente? A senhora leitora, que é perspicaz, investiria? 
 
Vinicius Torres Freire
Na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião' e correspondente em Paris.

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