domingo, 25 de maio de 2014

Divisão das polícias e gestão prejudicam apuração de roubos


24 de maio de 2014 | 2h 04

O Estado de S.Paulo
ANÁLISE: José Vicente da Silva
A falta de uma polícia única que cuide do patrulhamento das ruas e da investigação dos crimes é um dos fatores que explicam por que os roubos cresceram enquanto os homicídios caíram no Estado nos últimos anos. Por isso, é preciso exaurir as possibilidades de integração das polícias. A gestão das ruas por elas está ruim. Desde 2012 a cooperação piorou. Melhorar a gestão é fundamental para reverter esse quadro.
Para cada distrito policial comandado por um delegado há uma companhia da PM. O delegado deve estar atento aos ladrões que agem no bairro, pois poucos deles podem ser responsáveis por muitos crimes. A PM deve verificar diariamente onde os delitos são registrados para direcionar o patrulhamento. É preciso saber hora, dia e o tipo de objeto mais roubado - 54% são celulares. E a cobrança de resultados deve vir de cima. Ela é mais importante do que a política de tolerância zero.
A cidade de São Paulo tem 93 distritos policiais, dos quais não mais de 20 são importantes para o fenômeno do aumento dos casos de roubos. Nesses distritos, o planejamento deve ser diário e o acompanhamento da situação pelos chefes, semanal. Deve-se selecionar os policiais mais competentes para atuar nas áreas mais críticas. É preciso melhorar a quantidade e a qualidade do registro dos crimes para exercer de forma eficiente o controle territorial. É importante que os governadores se empenhem pessoalmente nesse trabalho.
EX-SECRETÁRIO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

Sinal de alerta (sobre a situação das universidades paulistas)


24 de maio de 2014 | 2h 04

*Marco Aurélio Nogueira - O Estado de S.Paulo
Num ato que gerou descontentamento e frustração, mas estava escrito nas estrelas, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) decidiu congelar os salários de professores e servidores da USP, da Unesp e da Unicamp, adiando para setembro ou outubro a discussão do dissídio coletivo. Somado ao clima de insatisfação crônica que hoje devasta os ambientes universitários de São Paulo, o fato abre uma clareira de oportunidade para que se reflita sobre a situação. Pouco adianta chorar pelo leite derramado, mas é crucial que se busquem saídas para a crise, que ameaça crescer. A qualidade e a posição estratégica das universidades paulistas exigem isso.
A reflexão é delicada. Antes de tudo, porque faltam consensos a respeito de praticamente tudo, da sala de aula aos laboratórios, do modelo de universidade à proporção de professores em relação ao número de servidores e de estudantes, do tamanho do atendimento à quantidade dos serviços oferecidos. As universidades respondem mal às mudanças rápidas e profundas da época atual.
Para complicar, o País não dispõe de uma clara política de ensino superior, a não ser topicamente. Agora, por exemplo, a dinâmica nacional aponta mais para a quantidade que para a qualidade, mais para o assistencialismo que para os cuidados com o ensino e a infraestrutura. Há muita oferta de vagas e cursos em algumas regiões, pouquíssima em outras. Seguem-se critérios de produtividade que privilegiam a pesquisa avançada e a pós-graduação em detrimento da graduação. Em São Paulo, as universidades estaduais gastam energia em torno de uma meta de "internacionalização" mal compreendida, que desvia o foco das funções primordiais. Todas são muito influenciadas pelos rankings que definem as "melhores" universidades a partir de parâmetros genéricos.
Não se sabe direito como reestruturar um sistema que cresceu sem que fossem sendo estabelecidos critérios para que se equacionassem as relações entre instituições públicas e instituições particulares, entre ensino gratuito e ensino pago. As distorções que decorrem disso são conhecidas: os mais ricos vão para as melhores escolas, que são públicas e gratuitas, e os mais pobres precisam se inscrever nas universidades particulares, que nem sempre são de boa qualidade, em especial quando as mensalidades são mais baixas.
Com a decisão do Cruesp acende-se uma luz amarela de alerta. Sejam quais forem os próximos passos, as estaduais de São Paulo terão de aprender a trabalhar com outros parâmetros e critérios.
A justificativa dos reitores é grave e choca saber que se desconhecia o que estava a ocorrer. O comprometimento de orçamento com folha de pagamento atingiu proporções extremas: em torno de 105% na USP, 95% na Unesp e 97% na Unicamp. Com isso tudo ficou mais difícil.
Se a situação é essa, as universidades são autônomas e têm seus orçamentos vinculados constitucionalmente à arrecadação do ICMS, o que fazer? As reitorias estão a cortar o que podem, preservando somente os restaurantes universitários, os serviços de utilidade pública e o apoio estudantil. A busca de financiamento externo por meio da pesquisa já tem sido usada à exaustão e não parece poder ser incrementada. A venda de serviços específicos (cursos de extensão e de especialização, por exemplo) pesa pouco e não é aceita de modo generalizado.
Essa é a ponta do iceberg. Há problemas financeiros porque tem havido falhas de planejamento e gestão, a expansão não foi bem programada e porque é difícil modular um sistema que tem vida própria e foi desenhado para outra época. Os problemas também passam pela ausência de solidariedade interna nas universidades e pela resistência a que se abra mão de certas "folgas" obtidas em termos de estruturas de suporte, pessoal e espaços físicos. Os gastos são crescentes e as receitas, nem tanto.
Como, porém, a falência não está no horizonte, nem existe intransigência ou má vontade no Cruesp, chegou a hora de agir de forma mais coesa e com melhor mira. As universidades estaduais paulistas, assim como todas as outras instituições de ensino superior do País, são importantes demais para serem simplesmente abandonadas à própria sorte.
Por isso deveria ser retomada com urgência a discussão sobre reforma universitária, até para que se visualize e se hierarquize o que deve ser reformado. Um novo modelo precisa nascer.
Em São Paulo, por exemplo, jamais se deu qualquer passo concreto para melhorar de fato a integração entre USP, Unesp e Unicamp, algo que maximize suas vantagens comparativas, reveja sua distribuição pelo território, defina melhor suas áreas de concentração, suas vocações e potencialidades. Cada uma delas tem seu próprio projeto e tenta executá-lo de costas para as demais.
Deveria haver mais esforço para inventar novos formatos institucionais, abrir mão de certos tabus (como o que reza que nada pode ser cobrado). Não é necessário que todas as escolas, de todas as regiões e áreas de conhecimento, mergulhem em programas de pós-graduação. Dá para rever a distribuição dos cursos pelo território. Pode-se rever o número de departamentos e usar mais videoconferências para a realização de bancas e concursos.
A universidade brasileira não é somente ensino e pesquisa. Inclui também a extensão, que dá destaque à permanência estudantil. É uma função nobre, pois protege e impulsiona os estudantes mais carentes, com bolsas, subsídios e auxílios (moradia, alimentação). Algo a ser defendido e preservado. Mas sempre se pode fazer mais e melhor com menos, e a imaginação deve estar a serviço disso.
Há muito que discutir, fazer e mudar. Ficar sem reação e iniciativa é tão ruim quanto se movimentar só para não ficar parado. Os momentos de inflexão não costumam durar muito no tempo, não deveriam ser desperdiçados. Muitas vezes é nas piores situações que se tomam as melhores decisões.
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PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E DIRETOR DO INSTITUTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNESP

O Brasil do século 21 e os novos migrantes


25 de maio de 2014 | 2h 07

Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
Recentemente, os paulistanos acompanharam com mistura de dó, desconfiança e dúvida uma procissão inusitada. Centenas de haitianos desembarcaram nas rodoviárias após uma longa travessia, do Caribe às Américas, com escala no Acre. Acolhidos pelo Centro Pastoral do Migrante, começaram a penosa procura por abrigo, comida e, quem sabe, algum ganha-pão em nossas latitudes.
O Brasil ainda não decidiu o que fazer com os forasteiros. Por enquanto, sua presença na Pauliceia provocou celeuma e bate-boca entre caciques da federação. A prefeitura acusou o governo do Acre de desovar os refugiados em São Paulo. Já as autoridades acrianas afirmaram que os haitianos nada queria nos cafundós da Amazônia.
Mas há entre eles um potencial que dificilmente poderia ser ignorado. Enquanto as autoridades discutem, é tentador imaginar as possibilidades e o destino desses novos candidatos a brasileiros.
Haverá algum Einstein ou Burle Marx na fila do sopão? Exagero do colunista, sem dúvida. Como esses deserdados da castigada ilha caribenha, que mal conseguem passagem de ônibus, se converteriam em laureados?
Porque é assim que caminha o Novo Mundo. As Américas, como sabemos, são uma esponja. Absorveram, do norte ao sul, gente do todos os pontos cardeais e continentes. Gente que já não cabia em suas terras, seja por fome, seja por perseguição religiosa. Refizeram-se neste lado do Atlântico, onde semearam legados. Matarazzo, Civita e Ohtake.
Graças ao acolhimento e demanda de mão de obra, esses sobrenomes exóticos logo se abrasileiram. Assim como os irlandeses do Chile e os "chinos" (japoneses) do Peru.
Não eram todos doutores. Hans Stern destacou-se no seu primeiro emprego no comércio carioca porque sabia datilografar. O sucesso dependia, em doses variadas, da sorte, do oportunismo e da genialidade de cada um. Mas há outra variável crucial: como são recebidos e aproveitados pela pátria adotiva?
Foi esse o tema do novo estudo da Universidade de Stanford, Judeus alemães e a inventividade dos Estados Unidos. Nele, remonta-se a trajetória dos perseguidos pelo nazismo que fugiram para os EUA.
Parte da história, conhecemos bem. São os gênios "importados", que com sua garra e brilhantismo cobriram de glória sua nova pátria. Entre eles, os cinco judeus do Manhattan Project, que desenvolveram a bomba atômica, e os seis prêmios Nobel em química, que alçaram os americanos à liderança mundial na matéria.
Atrás desses famosos, havia um exército de talento estrangeiro e juntos elevaram em 31% a taxa de inovação nos seus respectivos campos após 1933, segundo o estudo.
Até hoje, essa cultura de inventividade impulsiona a economia americana, que apesar do debate febril sobre imigração, continua se alimentando de mão de obra importada. Ano passado, americanos pediram 57 mil patentes internacionais. Na América Latina toda, foram 1.200.
Se há algum inventor escondido no Centro Pastoral de Migrantes, ainda não se sabe. Mas, se não são doutores, tampouco são miseráveis. Migrantes raramente o são. Quem se dispõe a abandonar seu país e arriscar a vida para se refazer entre estranhos, a meio mundo de distância, não é um sujeito qualquer.
O haitiano que entrevistei há dois anos chegou no Acre falando fluentemente inglês, espanhol e um português razoável , além dos idiomas nativos, francês e crioulo. Era quinquelíngue e desempregado. Um desperdício.
Como ele, os demais haitianos contam com sua própria sorte e inventividade. O Brasil acolheu bem os imigrantes do século passado, que por sua vez ajudaram a redesenhar o país. Tudo indica que o novo Brasil, mais forte e globalizado, está novamente na rota migração mundial.
É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS 'VOCATIV'