25 de maio de 2014 | 2h 07
Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
Recentemente, os paulistanos acompanharam com mistura de dó, desconfiança e dúvida uma procissão inusitada. Centenas de haitianos desembarcaram nas rodoviárias após uma longa travessia, do Caribe às Américas, com escala no Acre. Acolhidos pelo Centro Pastoral do Migrante, começaram a penosa procura por abrigo, comida e, quem sabe, algum ganha-pão em nossas latitudes.
O Brasil ainda não decidiu o que fazer com os forasteiros. Por enquanto, sua presença na Pauliceia provocou celeuma e bate-boca entre caciques da federação. A prefeitura acusou o governo do Acre de desovar os refugiados em São Paulo. Já as autoridades acrianas afirmaram que os haitianos nada queria nos cafundós da Amazônia.
Mas há entre eles um potencial que dificilmente poderia ser ignorado. Enquanto as autoridades discutem, é tentador imaginar as possibilidades e o destino desses novos candidatos a brasileiros.
Haverá algum Einstein ou Burle Marx na fila do sopão? Exagero do colunista, sem dúvida. Como esses deserdados da castigada ilha caribenha, que mal conseguem passagem de ônibus, se converteriam em laureados?
Porque é assim que caminha o Novo Mundo. As Américas, como sabemos, são uma esponja. Absorveram, do norte ao sul, gente do todos os pontos cardeais e continentes. Gente que já não cabia em suas terras, seja por fome, seja por perseguição religiosa. Refizeram-se neste lado do Atlântico, onde semearam legados. Matarazzo, Civita e Ohtake.
Graças ao acolhimento e demanda de mão de obra, esses sobrenomes exóticos logo se abrasileiram. Assim como os irlandeses do Chile e os "chinos" (japoneses) do Peru.
Não eram todos doutores. Hans Stern destacou-se no seu primeiro emprego no comércio carioca porque sabia datilografar. O sucesso dependia, em doses variadas, da sorte, do oportunismo e da genialidade de cada um. Mas há outra variável crucial: como são recebidos e aproveitados pela pátria adotiva?
Foi esse o tema do novo estudo da Universidade de Stanford, Judeus alemães e a inventividade dos Estados Unidos. Nele, remonta-se a trajetória dos perseguidos pelo nazismo que fugiram para os EUA.
Parte da história, conhecemos bem. São os gênios "importados", que com sua garra e brilhantismo cobriram de glória sua nova pátria. Entre eles, os cinco judeus do Manhattan Project, que desenvolveram a bomba atômica, e os seis prêmios Nobel em química, que alçaram os americanos à liderança mundial na matéria.
Atrás desses famosos, havia um exército de talento estrangeiro e juntos elevaram em 31% a taxa de inovação nos seus respectivos campos após 1933, segundo o estudo.
Até hoje, essa cultura de inventividade impulsiona a economia americana, que apesar do debate febril sobre imigração, continua se alimentando de mão de obra importada. Ano passado, americanos pediram 57 mil patentes internacionais. Na América Latina toda, foram 1.200.
Se há algum inventor escondido no Centro Pastoral de Migrantes, ainda não se sabe. Mas, se não são doutores, tampouco são miseráveis. Migrantes raramente o são. Quem se dispõe a abandonar seu país e arriscar a vida para se refazer entre estranhos, a meio mundo de distância, não é um sujeito qualquer.
O haitiano que entrevistei há dois anos chegou no Acre falando fluentemente inglês, espanhol e um português razoável , além dos idiomas nativos, francês e crioulo. Era quinquelíngue e desempregado. Um desperdício.
Como ele, os demais haitianos contam com sua própria sorte e inventividade. O Brasil acolheu bem os imigrantes do século passado, que por sua vez ajudaram a redesenhar o país. Tudo indica que o novo Brasil, mais forte e globalizado, está novamente na rota migração mundial.
É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS 'VOCATIV'
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