quarta-feira, 30 de abril de 2014

São Paulo propõe ‘pacto nacional’ para imigrantes


Ideia, fruto da crise com refugiados haitianos, é criar acordo para a implementação de uma rede de acolhimento para pessoas em risco

25 de abril de 2014 | 22h 32

Bruno Ribeiro - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O Estado de São Paulo pretende propor um acordo com o governo federal e com outros municípios para a criação de um protocolo nacional para lidar com imigrantes que chegam ao País como refugiados. A medida é a resposta paulista ao crescente fluxo de refugiados do Haiti que chegaram à capital, com passagens pagas pelo governo do Acre.
87 haitianos fizeram ontem suas Carteiras de Trabalhos durante mutirão - André Lucas Almeida/Futura Press
André Lucas Almeida/Futura Press
87 haitianos fizeram ontem suas Carteiras de Trabalhos durante mutirão
A interlocução entre as diferentes esferas da federação será feita pelo Ministério Público do Trabalho e pela Defensoria Pública da União, que participaram de uma reunião na sede da Secretaria da Justiça durante a tarde desta sexta-feira, 25. Uma nova reunião, para o início do diálogo intergovernamental, foi marcada para a semana que vem.
Pela proposta apresentada pela secretária de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, Eloisa de Souza Arruda, ao governo federal, caberia priorizar a emissão de documentos necessários à permanência dos imigrantes no Brasil, especialmente a Carteira de Trabalho.
Na avaliação da secretária, a exposição ao trabalho ilegal é um dos maiores riscos aos haitianos. Nas duas últimas semanas, cerca de 500 chegaram a São Paulo. "Se temos 170 acolhidos na Missão Paz (entidade ligada à Pastoral do Migrante), onde estão os demais? O aliciamento é fácil, porque tudo o que essas pessoas precisam é de uma oferta de trabalho ou de um local para dormir. E essas propostas podem não ser condizentes com as leis de trabalho compactuadas no Brasil", afirmou.
"Nossa ideia é a propositura de um acordo de cooperação para que situações como essa, que envolvem a dignidade das pessoas e a segurança pública, não aconteçam mais. O livre trânsito de imigrantes devidamente documentados é algo absolutamente aceitável e possível. Mas deslocamentos em grande proporção de pessoas em situação de vulnerabilidade não podem mais acontecer", disse.
Também ficaria a cargo da União fazer a interlocução entre os Estados para evitar a situação verificada em São Paulo nos últimos dias: os haitianos chegaram sem que o governo do Acre tivesse informado o governo paulista sobre a viagem.
Aos Estados e municípios, segundo a ideia inicial proposta por Eloisa, caberia providenciar vagas em abrigos e intermediar o acesso a programas para recolocação profissional dos refugiados. "Não estamos falando de conter fronteiras nem estabelecer barreiras internas. É de organização dessas locomoções humanas", disse a secretária da Justiça.
O desconhecimento da transferência dos haitianos é o motivo apontado pela secretária para a grave situação que os imigrantes estiveram até ontem: abrigados na Pastoral do Migrante, local mantido pela Igreja Católica no Glicério, região central da cidade, não tinham colchões para dormir e havia alimento suficiente para fazer apenas uma refeição por dia. Eles também não tinham material de higiene pessoal nem local para banho.
Atendimento. A situação dos haitianos começou nesta sexta a dar sinais de melhoras. A Prefeitura de São Paulo passou a fornecer marmitas para garantir as três refeições diárias e enviou colchões para que eles deixassem de dormir direto no chão. Mas a falta de locais para banho persiste. Além disso, o Estado se comprometeu a oferecer 200 refeições do programa Bom Prato para os haitianos e a dar cursos de capacitação profissional.
Nesta sexta, 87 haitianos fizeram a Carteira de Trabalho, em uma ação de mutirão coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Entretanto, o padre Paolo Parise, um dos encarregados da Pastoral, afirmou que o trabalho deve persistir por mais dias, uma vez que ainda não há certeza se o fluxo de haitianos vindos do Acre vai continuar - e em que ritmo.
"Seria preciso que a carteira fosse emitida imediatamente, não só depois de um trabalho específico", afirmou o padre.

“A sociedade deve preparar os bolsos”, alerta presidente do TJ-SP ( pauta Nalini)


Para desembargador José Renato Nalini, manter o modelo atual de Justiça “custa dinheiro”.
Fausto Macedo
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, disse nesta terça feira, 8, que a sociedade deve “preparar os bolsos” se quiser manter o modelo atual do Judiciário. “Temos facilidade em criar cargos, mas isso custa dinheiro. O Judiciário está defasado. A Justiça precisa de uma reinvenção.”
Nalini sugere implantação urgente da “cultura da pacificação, investimento na conciliação e que o advogado não seja o profissional do litígio, da demanda”. Ao condenar os processos que se arrastam por mais de 20 anos, muitas vezes sem solução, o desembargador ponderou. “A Justiça deve ser um equipamento para solucionar os problemas, não para permitir que esses problemas se transformem em demandas indefinidas e infinitas.”
Ele recomendou aos advogados que, ao firmarem contrato com seus clientes, “se lembrem dos sucessores do (constituído) ou dele mesmo, porque alguém vai morrer (durante a longa espera)”.
Para presidente do TJ-SP, Judiciário precisa se atualizar. Foto: Reprodução
O desabafo do presidente do TJ/SP ocorreu na cerimônia de lançamento da 11.ª Edição do Prêmio Innovare – iniciativa do Instituto Innovare e de um conjunto de órgãos públicos e entidades ligados ao Judiciário para incentivar boas práticas de magistrados, promotores, advogados e defensores públicos .
“A Justiça também tem de ser eficiente, além de eficaz e efetiva. A Justiça tem de ser uma solucionadora, uma desatadora de nós, não uma criadora de conflitos de competência”, advertiu Nalini. Ele sugeriu que o Judiciário recorra a expedientes que as empresas privadas adotaram para sobreviver às crises econômicas sucessivas. “Nós somos o maior tribunal do mundo (360 desembargadores), mas nisso não há mérito nenhum. Temos que ser o melhor tribunal. As empresas se repensaram, reengenharia, organização e métodos novos, mas tudo isso não chegou ao Judiciário.”
Ao criticar o anacronismo forense e suas defasagens, Nalini mandou recado para os cidadãos. “Se a sociedade quer manter esse modelo deve preparar os bolsos. Temos facilidade em criar cargos e ampliar as estruturas , mas isso custa dinheiro. São quase 100 milhões de processos em curso no País. Não acredito que isso se deva apenas à ampliação do acesso à Justiça. Quase 100 milhões de ações para 200 milhões de habitantes, dá a impressão que todos estão litigando. É a Nação mais beligerante do mundo.”
Para 2014, o tema do Prêmio Innovare é livre. Na categoria prêmio especial, o tema é “Sistema Penitenciário Justo e Eficaz”.  O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto, declarou. “Longe de ser um freio para a criminalidade, o sistema penitenciário tem sido um acelerador.” Ele disse que os presos são tratados como “animais, objetos, como se a condenaç;ão impusesse também a perda da dignidade”.
“A pena é privativa da liberdade, mas é só da liberdade, não é uma pena da perda da dignidade, da integridade física e moral.”
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Marcos da Costa, destacou que o caos nas prisões “é um drama que não é recente, vem dos tempos do Império”. “A sociedade espera um sistema penitenciário duro, mas aberto para a ressocialização”, advertiu o presidente da OAB/SP.
Para o desembargador José Renato Nalini, a situação carcerária é “uma chaga, mácula, flagelo”. Ele lembrou que recentemente foi a um presídio em Guarulhos (Grande São Paulo), acompanhado do ministro presidente do STF, Joaquim Barbosa, e numa cela com capacidade para 12 presos encontrou “56 jovenzinhos”. “O crime está levando cada vez mais cedo as pessoas. A sociedade precisa acordar para esta realidade.”
Nalini é categórico. “Se há alguma coisa organizada no Brasil é a criminalidade.”

terça-feira, 29 de abril de 2014

O pânico sobre Piketty, por Paul Krugman


"Capital in the Twenty-First Century", o novo livro do economista francês Thomas Piketty, é um verdadeiro fenômeno. Outros livros sobre economia se tornaram best sellers, mas a contribuição de Piketty é um trabalho de séria erudição e capaz de mudar o discurso, algo que a maioria dos best sellers não é. E os conservadores estão aterrorizados. Assim, James Pethokoukis, do American Enterprise Institute, alerta na "National Review" que o trabalho de Piketty precisa ser refutado, ou "se espalhará entre a clerezia e dará nova forma ao cenário da economia política no qual todas as futuras batalhas quanto a políticas serão travadas".
Bem, boa sorte nessa tarefa. O que há mais notável no debate até agora é que a direita parece incapaz de montar qualquer contra-ataque substantivo à teoria de Piketty. Em lugar disso, a reação se limitou aos epítetos - especialmente a alegações de que Piketty é marxista, e que o mesmo pode ser dito sobre qualquer pessoa que considere a desigualdade de renda e riqueza como questão importante.
Voltarei aos epítetos mais adiante. Primeiro, vamos falar sobre o motivo para o livro esteja causando tamanho impacto.
Piketty está longe de ser o primeiro economista a apontar que estamos experimentando uma alta acentuada na desigualdade, ou mesmo a enfatizar o contraste entre o crescimento lento da renda da maioria da população e a disparada da renda para as pessoas no topo da escala. É verdade que Piketty e seus colegas adicionaram grande profundidade histórica ao nosso conhecimento, demonstrando que estamos de fato vivendo uma nova Gilded Age [a era de crescimento forte da riqueza que os Estados Unidos viveram entre 1870 e 1900]. Mas isso é algo que sabemos já há algum tempo.
Não, o que "Capital in the Twenty-First Century" traz de verdadeiramente novo é a maneira pela qual o livro demole o mais acalentado dos mitos conservadores, a insistência em que vivemos em uma meritocracia na qual a grande riqueza é conquistada pelo esforço, e merecida.
Pelas duas últimas décadas, a resposta conservadora às tentativas de fazer da disparada das rendas dos mais ricos uma questão política envolveu duas linhas de defesa: primeiro negar que os ricos estejam se saindo tão bem e as demais pessoas estejam se saindo tão mal quanto de fato estão; mas quando essa negação fracassa, é hora de alegar que a disparada das rendas no topo da escala é uma recompensa justificada pelos serviços prestados. Não devemos chamá-los de "o 1%" o "os ricos", mas sim de "os criadores de empregos".
Mas como fazer essa defesa se os ricos derivam boa parte de sua renda não do trabalho que fazem mas dos ativos que controlam? E o que fazer se a grande riqueza cada vez mais estiver relacionada a heranças e não ao espírito empreendedor?
O que Piketty demonstra é que essas não são questões ociosas. As sociedades ocidentais antes da Primeira Guerra Mundial eram de fato dominadas por uma oligarquia de riqueza hereditária - e seu livro oferece argumentos convincentes para demonstrar que estamos bem avançados em nosso caminho de volta a essa situação.
Assim, o que resta fazer a um conservador, temeroso de que esse diagnóstico seja usado para justificar impostos mais altos sobre os ricos? Ele poderia tentar refutar Piketty factualmente, mas até o momento não vimos qualquer sinal de que isso vá acontecer. Em lugar disso, como afirmei, só o que temos são epítetos.
Creio que isso não deveria causar surpresa. Estou envolvido em debates sobre a desigualdade há mais de duas décadas, e ainda não vi os "especialistas" conservadores conseguirem contestar os números sem tropeçar nos próprios cadarços, intelectualmente. Nossa, parece até que os fatos fundamentalmente não os favorecem. Ao mesmo tempo, acusar de comunismo qualquer pessoa que questione qualquer aspecto do dogma do livre mercado vem sendo procedimento operacional padrão da direita desde que figuras como William Buckely tentaram impedir o ensino da Economia keynesiana não ao demonstrar que ela está errada, mas denunciando-a como "coletivista".
Ainda assim, é espantoso ver a sucessão de conservadores que denunciaram Piketty como marxista. Mesmo Pethikoukis, mais sofisticado que os demais, classifica "Capital in the Twenty-First Century" como um trabalho de "marxismo brando", o que só faz sentido se a simples menção à desigualdade na riqueza transformar em marxista o responsável pela afirmação. (E talvez seja assim que eles veem a questão; recentemente o ex-senador Rick Santorum denunciou o termo "classe média" como "papo marxista", porque, como todos sabem, não existem classes sociais nos Estados Unidos.)
E a resenha do "Wall Street Journal" sobre o livro, previsivelmente, vai ao limite quanto a isso, de alguma forma avançando do apelo de Piketty por tributação progressiva - uma solução muito norte-americana, no passado advogada não só por importantes economistas como por políticos centristas dos Estados Unidos, entre os quais Teddy Roosevelt - aos males do stalinismo.
Isso é mesmo o melhor que o "Wall Street Journal" consegue fazer? A resposta é aparentemente sim.
No entanto, o fato de que os apologistas da oligarquia norte-americana estejam evidentemente desprovidos de argumentos não significa que estejam em retirada politicamente. O dinheiro continua a falar mais alto - na verdade, graças aos esforços da Suprema Corte presidida pelo juiz Roberts, ele está falando mais alto que nunca. Ainda assim, as ideias continuam a importar, e tanto dão forma ao que sabemos sobre a sociedade quanto, no futuro, orientarão o que faremos. E o pânico sobre Piketty demonstra claramente que as ideias da direita se esgotaram.
Tradução de PAULO MIGLIACCI 
paul krugman
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.