quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sabesp deixa de investir R$ 815 mi em obras e é punida com reajuste menor


Dados constam de levantamento feito pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo nos convênios da empresa feitos entre 2007 e 2011 com 223 cidades

24 de abril de 2014 | 3h 00

Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) deixou de investir R$ 815 milhões em melhorias nas redes de água e esgoto que estavam previstas em contratos de concessão assinados com prefeituras paulistas. Os dados constam de um levantamento feito pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) nos convênios celebrados pela empresa entre 2007 e 2011 com 223 cidades, que representam 61% dos municípios atendidos pela Sabesp.
"A Arsesp considera que a subexecução desses investimentos contratuais criou um benefício extraordinário, que foi apropriado pela Sabesp e, portanto, deverá ser devolvido aos usuários no ciclo tarifário seguinte (2013-2016)", afirma a agência no relatório técnico divulgado neste mês que serviu de base para a revisão da tarifa da Sabesp com reajuste de 5,4%. O aumento poderia ser dado a partir de maio, mas, por causa da crise, a companhia informou que vai aplicá-lo em "data oportuna" até dezembro.
Para a Arsesp, os investimentos contratuais que não foram realizados pela Sabesp estavam contemplados pelas tarifas acordadas com os municípios e pagas pelos moradores. Mas o valor não será devolvido em dinheiro nem às prefeituras nem aos clientes da companhia. Na prática, a devolução ocorrerá por meio da redução no índice de reajuste aprovado no início do mês pelo órgão regulador.
Segundo José Amauri, assessor técnico da Diretoria de Regulação Econômico-Financeira e de Mercado da Arsesp, o reajuste seria 0,3 ponto porcentual maior se a Sabesp tivesse cumprido o cronograma de obras nos municípios. "Nós descontamos esses investimentos(não executados) da base de cálculo da revisão tarifária. Assim, o reajuste foi inferior aos 5,7% que seria se a concessionária tivesse realizado os investimentos integralmente. É uma punição à empresa", disse.
Na lei. Os dados foram levantamentos pela Arsesp nos contratos fechados ou renovados a partir de 2007, quando entrou em vigor a Lei Nacional de Saneamento. A norma estabelece os contratos de programa que exigem contrapartidas das concessionárias com ações nos municípios que atendem. A Arsesp só passou a fiscalizar a Sabesp a partir de 2008.
De acordo com Amauri, o fato de a Sabesp ter sido punida com um reajuste menor não significa que os investimentos previstos não serão realizados. "A penalização foi em cima da empresa, que está devolvendo o que não foi investido para todos os seus usuários. Os investimentos que não foram feitos podem ser reprogramados pela empresa no futuro", afirmou.
Para o presidente da Comissão de Direito Administrativo da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Adib Kassouf Sad, a forma mais justa de indenizar quem foi afetado pela falta de investimento seria obrigar a empresa a executar as ações não realizadas. "Esse tipo de medida tarifária coletiva beneficia pessoas que não foram prejudicadas pela falta de investimento. E costuma levar a certa injustiça do ponto de vista social. O ideal seria uma sanção que obrigasse a concessionária a cumprir suas responsabilidades no bairro onde as obras não foram realizadas", disse Sad.
Dependência. Em nota enviada à Arsesp em março, a Sabesp questionou o fato de agência utilizar investimentos previstos no passado como critério para definir tarifas futuras da companhia e que parte das ações previstas em contratos com os municípios dependia de obras das próprias prefeituras ou do governo do Estado, como reurbanização de favelas.
"Cumpre dizer que em alguns municípios, como em São Paulo, está previsto em contrato que os planos de investimentos a serem executados pela Sabesp apenas poderão ser realizados se o Estado ou o município executarem seus planos de habitação. Logo, atrasos nos planos públicos municipais poderão postergar, ou até inviabilizar, os investimentos estabelecidos em contrato", afirma a Sabesp.
Estado questionou a Sabesp quais obras deixaram de ser feitas e em quais cidades. Em nota, a empresa informou que todas as solicitações "foram respondidas dentro das audiências e consultas públicas" e que "documentos são públicos". As informações solicitadas não constam dos relatórios.

Pesquisadores desvendam código de defesa da cana-de-açúcar

speciais


24/04/2014
Por Elton Alisson, de Beijing
Agência FAPESP – Um dos principais gargalos para a produção de etanol de segunda geração (obtido a partir da biomassa) é extrair energia das ligações químicas existentes nos polissacarídeos das paredes celulares de plantas, como a cana-de-açúcar.
Isso porque as paredes celulares das plantas têm uma organização altamente complexa, com diversas ramificações, explicam especialistas. Essa organização lhes confere resistência a enzimas que podem realizar o processo de quebra das ligações químicas dos polissacarídeos (hidrólise) e a extração de açúcares.
Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Biotecnologia para o Etanol – um dos INCTs apoiados pela FAPESP em conjunto com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo – desvendou alguns dos mecanismos que fazem com que as paredes celulares da cana-de-açúcar sejam resistentes à hidrólise enzimática.
Os resultados dos estudos serão publicados em um artigo aceito para publicação na revista Bioenergy Research. E foram apresentados no dia 17 de abril durante o Simpósio Brasil-China para Colaboração Científica – FAPESP Week Beijing-, na China.
Promovido pela FAPESP e pela Peking University, o evento reuniu, entre 16 e 18 de abril, pesquisadores dos dois países para discutir estudos nas áreas de Ciência dos Materiais, Meio Ambiente, Energias Renováveis, Agricultura, Ciências da Vida, Medicina e Saúde, com o intuito de fomentar a colaboração científica.
“Conseguimos entender agora uma parte do que chamamos de arquitetura da parede celular das plantas, isto é, como os polímeros se agregam, formando uma estrutura complexa que não é obra do acaso”, disse Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do INCT do Bioetanol, à Agência FAPESP.
“Isso possibilitou levantarmos a hipótese de que a parede celular das plantas possui um código glicômico que faz com que existam partes dela abertas para a hidrólise enzimática e outras não”, explicou.
A arquitetura da parede celular das plantas é composta por cadeias de microfibras de celulose que interagem e formam um conjunto de 36 moléculas, chamadas microfibrilas, que se agregam formando macrofibrilas.
Essas macrofibrilas formam uma barreira que impede a entrada de água na parede celular das plantas e tornam extremamente difícil quebrar as ligações químicas dos polissacarídeos presentes nelas.
No caso da cana-de-açúcar, os pesquisadores descobriram que a parede celular da planta é composta por um conjunto de sete microfibrilas ligadas entre si por hemiceluloses.
Essa formação torna ainda mais difícil a realização de hidrólise enzimática da parede celular da planta porque diminui a possível área de atuação das enzimas, explicou o pesquisador.
“Isso representa o grande desafio para a hidrólise da celulose, porque ela só pode ser quebrada pela superfície”, disse Buckeridge.
Morte programada
Os pesquisadores do INCT do Bioetanol descobriram, no entanto, que a raiz da cana-de-açúcar realiza um processo similar ao observado em plantas como o mamoeiro.
Durante o período de amadurecimento do mamão, a fruta muda a estrutura de sua parede celular, deixando-a mais amolecida e fácil de ser quebrada, com o intuito de facilitar a dispersão de sementes.
No caso da cana-de-açúcar, os pesquisadores constataram que durante o período de maturação a parede celular da raiz da planta é modificada e são formados espaços para circulação de ar com o intuito de melhorar seu desempenho.
“Esse tipo de mecanismo, chamado aerênquima, é muito utilizado em plantas que são alagadas. E a cana-de-açúcar, mesmo não sendo uma planta que sofra constantes alagamentos, também apresenta esse fenômeno”, disse Buckeridge.
Segundo o pesquisador, o aerênquima na raiz da cana-de-açúcar é iniciado por um sinal hormonal relacionado a um balanço entre os hormônios etileno e auxina.
Ao perceber esse sinal hormonal, parte da raiz da planta inicia uma morte celular programada em que as mitocôndrias das células começam a entrar em colapso e começam a ocorrer processos sequenciais de separação e expansão celular, hidrólise das hemiceluloses e, por fim, a hidrólise da celulose.
Em cada uma dessas etapas há um conjunto de enzimas utilizadas pela cana-de-açúcar para alterar a sua parede. Entre elas a expansina – proteína conhecida pela capacidade de quebrar ligações de pontes de hidrogênio e, com isso, separar a hemicelulose da celulose –, e a endopoligalactonase, que realiza a separação celular ao degradar os polímeros que mantêm as células unidas, explicou Buckeridge.
Por meio de sofisticadas técnicas de análise de parede celular, os pesquisadores caracterizaram o fenômeno de aerênquima na cana-de-açúcar e identificaram os genes e as enzimas que iniciam o processo.
A ideia agora é realizar a transformação da cana-de-açúcar com os genes identificados para avaliar quais os efeitos da modificação da planta com algumas dessas proteínas, contou Buckeridge. “Estamos avaliando se conseguimos fazer isso agora na planta inteira”, afirmou.
Um dos genes candidatos para ser utilizado na transformação da cana-de-açúcar a fim de aumentar a eficiência da hidrólise enzimática é o RAV –conhecido como um fator de transcrição iniciador de senescência em tecidos vegetais.
Os pesquisadores avaliam agora se esse gene está ligado no genoma da cana à enzima endopoligalactonase e se ele inicia o processo de separação celular.
“A meta é realizarmos o sequenciamento de um conjunto de genes da cana-de-açúcar que nos permita realizar um planejamento para ‘engenheirar’ a parede celular da planta de modo que tenham mais partes abertas, onde as enzimas podem agir e quebrar as ligações dos polissacarídeos, e menos regiões que interagem entre si e possuem ramificações que impedem a realização da hidrólise enzimática”, detalhou Buckeridge.
“Pretendemos deixar a cana-de-açúcar bem preparada, com as paredes celulares ‘amolecidas’, para diminuir o custo do coquetel de enzimas e microrganismos utilizados na hidrólise da planta ou até mesmo eliminar essa etapa de pré-tratamento”, afirmou.
Estratégia evolutiva
Segundo Buckeridge, o código glicômico foi uma estratégia desenvolvida pelas plantas durante a evolução para impedir a invasão por microrganismos patógenos (causadores de doenças) e manter o sistema vegetal estável.
“Se o código glicômico fosse facilmente quebrado, um microrganismo emergente, por exemplo, poderia invadir qualquer parede celular e hidrolisá-la. E, com isso, correríamos o perigo de extinção de todas as plantas”, estimou.
Além da bioenergia, o mecanismo pode ser útil para outras áreas de pesquisa agronômica, como o controle de pragas ou de melhoria dos frutos, indicou o pesquisador.
“Por meio do código glicômico, os pesquisadores da área agrícola, por exemplo, podem controlar a textura e a maturação dos frutos das plantas, por exemplo”, apontou.
 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Crise? Que crise? - ELIO GASPARI


O GLOBO - 23/04

Arma-se mais uma bolsa, resta saber se é a Bolsa Montadora, a Bolsa Metalúrgico, ou um mimo híbrido


A repórter Cleide Silva revelou que a Casa Civil da Presidência da República, as montadoras e os sindicatos estão discutindo um socorro para os trabalhadores ameaçados com a perda do emprego por causa da queda nas vendas de veículos. No ano passado elas caíram 0,9%, e, no último trimestre, mais 2,1% em relação ao mesmo período de 2013. Cerca de 1.500 operários já perderam seus empregos.

As empresas e os sindicatos discutem a importação de um mecanismo eficaz, usado na Alemanha. Nele, o trabalhador reduz sua carga horária, mantém seus benefícios e, durante um período de seis meses a dois anos, recebe até 67% do que lhe é devido. No limite, recebe mesmo sem trabalhar. Um pedaço dessa conta vai para a Viúva. Aí está o primeiro problema.

O segundo está no exemplo. O mecanismo alemão foi acionado pela primeira vez no século passado, quando a banda federal engoliu a comunista. Depois, em 2009, diante da crise financeira mundial, quando a venda de veículos caiu 30% e o PIB do país sofreu uma contração de 4%. Nada a ver com o que sucede no Brasil, onde a taxa desemprego é baixa, mas o ministro Guido Mantega repete a marchinha: “Este ano não vai ser igual àquele que passou.”

Ninguém quer ver trabalhadores desempregados e as montadoras, com razão, preferem preservar sua mão de obra qualificada. Contudo, do jeito que as empresas e os sindicatos formularam-na, a proposta assemelha-se mais a uma empulhação do que a um programa social. Mais um caso em que a sacrossanta “destruição criadora” do capitalismo é reciclada no Brasil destruindo a Bolsa da Viúva para criar puxadinhos de cartórios. A redução dos impostos cobrados às montadoras permitiu que vendessem 3,8 milhões de veículos em 2012. Seus operários mantiveram os empregos, mas não viram a cor desses lucros. Essa mesma desoneração resultou em menos arrecadação e, portanto, em menos dinheiro de volta para quem paga impostos. (Admitindo-se que o dinheiro pago volta, o que é uma licença poética.)

Se os empresários e sindicalistas estão diante de uma crise, devem botar a boca no mundo, expondo as razões pelas quais as vendas de veículos caíram. É verdade que isso não faria bem à campanha eleitoral da doutora Dilma e de seu comissariado. Coisas da vida. O que não se pode é viver num país sem problemas, importando-se um mecanismo de amparo social usado na Alemanha quando ela estava engolindo uma nação sucateada ou quando o mundo estava se acabando.

Resta também discutir o tamanho da conta. É uma Bolsa Metalúrgico ou uma Bolsa Montadora? Num aspecto, o problema deriva da rigidez das leis trabalhistas nacionais. Lula entrou na política dizendo que a Consolidação das Leis do Trabalho era “o Ato Institucional nº 5 dos trabalhadores”. O PT está no Planalto há 11 anos, refestelado no conforto que essa legislação dá a quem tem a chave do cofre do Ministério do Trabalho.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, diz que “esse é o momento para retomarmos a discussão sobre um plano de estabilização dos empregos, mas pensamos no longo prazo, e não apenas na situação atual”. Ótimo, para todos os setores da economia e para todos os trabalhadores.