quinta-feira, 24 de abril de 2014

Pesquisadores desvendam código de defesa da cana-de-açúcar

speciais


24/04/2014
Por Elton Alisson, de Beijing
Agência FAPESP – Um dos principais gargalos para a produção de etanol de segunda geração (obtido a partir da biomassa) é extrair energia das ligações químicas existentes nos polissacarídeos das paredes celulares de plantas, como a cana-de-açúcar.
Isso porque as paredes celulares das plantas têm uma organização altamente complexa, com diversas ramificações, explicam especialistas. Essa organização lhes confere resistência a enzimas que podem realizar o processo de quebra das ligações químicas dos polissacarídeos (hidrólise) e a extração de açúcares.
Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Biotecnologia para o Etanol – um dos INCTs apoiados pela FAPESP em conjunto com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo – desvendou alguns dos mecanismos que fazem com que as paredes celulares da cana-de-açúcar sejam resistentes à hidrólise enzimática.
Os resultados dos estudos serão publicados em um artigo aceito para publicação na revista Bioenergy Research. E foram apresentados no dia 17 de abril durante o Simpósio Brasil-China para Colaboração Científica – FAPESP Week Beijing-, na China.
Promovido pela FAPESP e pela Peking University, o evento reuniu, entre 16 e 18 de abril, pesquisadores dos dois países para discutir estudos nas áreas de Ciência dos Materiais, Meio Ambiente, Energias Renováveis, Agricultura, Ciências da Vida, Medicina e Saúde, com o intuito de fomentar a colaboração científica.
“Conseguimos entender agora uma parte do que chamamos de arquitetura da parede celular das plantas, isto é, como os polímeros se agregam, formando uma estrutura complexa que não é obra do acaso”, disse Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do INCT do Bioetanol, à Agência FAPESP.
“Isso possibilitou levantarmos a hipótese de que a parede celular das plantas possui um código glicômico que faz com que existam partes dela abertas para a hidrólise enzimática e outras não”, explicou.
A arquitetura da parede celular das plantas é composta por cadeias de microfibras de celulose que interagem e formam um conjunto de 36 moléculas, chamadas microfibrilas, que se agregam formando macrofibrilas.
Essas macrofibrilas formam uma barreira que impede a entrada de água na parede celular das plantas e tornam extremamente difícil quebrar as ligações químicas dos polissacarídeos presentes nelas.
No caso da cana-de-açúcar, os pesquisadores descobriram que a parede celular da planta é composta por um conjunto de sete microfibrilas ligadas entre si por hemiceluloses.
Essa formação torna ainda mais difícil a realização de hidrólise enzimática da parede celular da planta porque diminui a possível área de atuação das enzimas, explicou o pesquisador.
“Isso representa o grande desafio para a hidrólise da celulose, porque ela só pode ser quebrada pela superfície”, disse Buckeridge.
Morte programada
Os pesquisadores do INCT do Bioetanol descobriram, no entanto, que a raiz da cana-de-açúcar realiza um processo similar ao observado em plantas como o mamoeiro.
Durante o período de amadurecimento do mamão, a fruta muda a estrutura de sua parede celular, deixando-a mais amolecida e fácil de ser quebrada, com o intuito de facilitar a dispersão de sementes.
No caso da cana-de-açúcar, os pesquisadores constataram que durante o período de maturação a parede celular da raiz da planta é modificada e são formados espaços para circulação de ar com o intuito de melhorar seu desempenho.
“Esse tipo de mecanismo, chamado aerênquima, é muito utilizado em plantas que são alagadas. E a cana-de-açúcar, mesmo não sendo uma planta que sofra constantes alagamentos, também apresenta esse fenômeno”, disse Buckeridge.
Segundo o pesquisador, o aerênquima na raiz da cana-de-açúcar é iniciado por um sinal hormonal relacionado a um balanço entre os hormônios etileno e auxina.
Ao perceber esse sinal hormonal, parte da raiz da planta inicia uma morte celular programada em que as mitocôndrias das células começam a entrar em colapso e começam a ocorrer processos sequenciais de separação e expansão celular, hidrólise das hemiceluloses e, por fim, a hidrólise da celulose.
Em cada uma dessas etapas há um conjunto de enzimas utilizadas pela cana-de-açúcar para alterar a sua parede. Entre elas a expansina – proteína conhecida pela capacidade de quebrar ligações de pontes de hidrogênio e, com isso, separar a hemicelulose da celulose –, e a endopoligalactonase, que realiza a separação celular ao degradar os polímeros que mantêm as células unidas, explicou Buckeridge.
Por meio de sofisticadas técnicas de análise de parede celular, os pesquisadores caracterizaram o fenômeno de aerênquima na cana-de-açúcar e identificaram os genes e as enzimas que iniciam o processo.
A ideia agora é realizar a transformação da cana-de-açúcar com os genes identificados para avaliar quais os efeitos da modificação da planta com algumas dessas proteínas, contou Buckeridge. “Estamos avaliando se conseguimos fazer isso agora na planta inteira”, afirmou.
Um dos genes candidatos para ser utilizado na transformação da cana-de-açúcar a fim de aumentar a eficiência da hidrólise enzimática é o RAV –conhecido como um fator de transcrição iniciador de senescência em tecidos vegetais.
Os pesquisadores avaliam agora se esse gene está ligado no genoma da cana à enzima endopoligalactonase e se ele inicia o processo de separação celular.
“A meta é realizarmos o sequenciamento de um conjunto de genes da cana-de-açúcar que nos permita realizar um planejamento para ‘engenheirar’ a parede celular da planta de modo que tenham mais partes abertas, onde as enzimas podem agir e quebrar as ligações dos polissacarídeos, e menos regiões que interagem entre si e possuem ramificações que impedem a realização da hidrólise enzimática”, detalhou Buckeridge.
“Pretendemos deixar a cana-de-açúcar bem preparada, com as paredes celulares ‘amolecidas’, para diminuir o custo do coquetel de enzimas e microrganismos utilizados na hidrólise da planta ou até mesmo eliminar essa etapa de pré-tratamento”, afirmou.
Estratégia evolutiva
Segundo Buckeridge, o código glicômico foi uma estratégia desenvolvida pelas plantas durante a evolução para impedir a invasão por microrganismos patógenos (causadores de doenças) e manter o sistema vegetal estável.
“Se o código glicômico fosse facilmente quebrado, um microrganismo emergente, por exemplo, poderia invadir qualquer parede celular e hidrolisá-la. E, com isso, correríamos o perigo de extinção de todas as plantas”, estimou.
Além da bioenergia, o mecanismo pode ser útil para outras áreas de pesquisa agronômica, como o controle de pragas ou de melhoria dos frutos, indicou o pesquisador.
“Por meio do código glicômico, os pesquisadores da área agrícola, por exemplo, podem controlar a textura e a maturação dos frutos das plantas, por exemplo”, apontou.
 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Crise? Que crise? - ELIO GASPARI


O GLOBO - 23/04

Arma-se mais uma bolsa, resta saber se é a Bolsa Montadora, a Bolsa Metalúrgico, ou um mimo híbrido


A repórter Cleide Silva revelou que a Casa Civil da Presidência da República, as montadoras e os sindicatos estão discutindo um socorro para os trabalhadores ameaçados com a perda do emprego por causa da queda nas vendas de veículos. No ano passado elas caíram 0,9%, e, no último trimestre, mais 2,1% em relação ao mesmo período de 2013. Cerca de 1.500 operários já perderam seus empregos.

As empresas e os sindicatos discutem a importação de um mecanismo eficaz, usado na Alemanha. Nele, o trabalhador reduz sua carga horária, mantém seus benefícios e, durante um período de seis meses a dois anos, recebe até 67% do que lhe é devido. No limite, recebe mesmo sem trabalhar. Um pedaço dessa conta vai para a Viúva. Aí está o primeiro problema.

O segundo está no exemplo. O mecanismo alemão foi acionado pela primeira vez no século passado, quando a banda federal engoliu a comunista. Depois, em 2009, diante da crise financeira mundial, quando a venda de veículos caiu 30% e o PIB do país sofreu uma contração de 4%. Nada a ver com o que sucede no Brasil, onde a taxa desemprego é baixa, mas o ministro Guido Mantega repete a marchinha: “Este ano não vai ser igual àquele que passou.”

Ninguém quer ver trabalhadores desempregados e as montadoras, com razão, preferem preservar sua mão de obra qualificada. Contudo, do jeito que as empresas e os sindicatos formularam-na, a proposta assemelha-se mais a uma empulhação do que a um programa social. Mais um caso em que a sacrossanta “destruição criadora” do capitalismo é reciclada no Brasil destruindo a Bolsa da Viúva para criar puxadinhos de cartórios. A redução dos impostos cobrados às montadoras permitiu que vendessem 3,8 milhões de veículos em 2012. Seus operários mantiveram os empregos, mas não viram a cor desses lucros. Essa mesma desoneração resultou em menos arrecadação e, portanto, em menos dinheiro de volta para quem paga impostos. (Admitindo-se que o dinheiro pago volta, o que é uma licença poética.)

Se os empresários e sindicalistas estão diante de uma crise, devem botar a boca no mundo, expondo as razões pelas quais as vendas de veículos caíram. É verdade que isso não faria bem à campanha eleitoral da doutora Dilma e de seu comissariado. Coisas da vida. O que não se pode é viver num país sem problemas, importando-se um mecanismo de amparo social usado na Alemanha quando ela estava engolindo uma nação sucateada ou quando o mundo estava se acabando.

Resta também discutir o tamanho da conta. É uma Bolsa Metalúrgico ou uma Bolsa Montadora? Num aspecto, o problema deriva da rigidez das leis trabalhistas nacionais. Lula entrou na política dizendo que a Consolidação das Leis do Trabalho era “o Ato Institucional nº 5 dos trabalhadores”. O PT está no Planalto há 11 anos, refestelado no conforto que essa legislação dá a quem tem a chave do cofre do Ministério do Trabalho.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, diz que “esse é o momento para retomarmos a discussão sobre um plano de estabilização dos empregos, mas pensamos no longo prazo, e não apenas na situação atual”. Ótimo, para todos os setores da economia e para todos os trabalhadores.

Aos poucos, bagaço da cana toma o lugar do amianto

Muitos produtos que hoje fazem parte do cotidiano, um dia foram objeto de estudo de faculdades. Esse parece ser o caminho de um projeto desenvolvido para conclusão do curso de Engenharia Química do Centro Universitário da FEI, que utiliza o bagaço da cana-de-açúcar no lugar do amianto, substância tóxica e proibida em muitos países.
“Nossa ideia foi dar um destino sustentável para o bagaço da cana-de-açúcar que geralmente é descartado, gerando impactos negativos ao meio ambiente”, explica Carolina Espínola Negrão, uma das engenheiras que desenvolveu o estudo no ABC paulista.
O projeto mostrou-se uma alternativa ao uso do amianto na construção civil, especificamente na fabricação de telhas. Os resultados dos testes realizados acrescentando o resíduo agrícola à matriz do cimento foram positivos.
“O bagaço da cana-de-açúcar se mostrou um produto plausível para a fabricação de telhas, porque, nos testes que fizemos, o bagaço provou ter as propriedades necessárias como alta resistência e baixos níveis de absorção de água. As telhas de bagaço de cana são até mais resistentes que a de amianto”, argumenta a engenheira.
Do ponto de vista econômico, o uso do resíduo mostra-se vantajoso, pois, segundo a engenheira química, o bagaço da cana é um resíduo de custo zero, uma vez que é o resultado do processamento da cana-de-açúcar. “Já o amianto, que é um mineral, tem que ser extraído da natureza o que por si só gera um custo não apenas financeiro, mas também para o meio ambiente”, lembra.
Com o resultado dos testes, a iniciativa abre uma perspectiva para que o produto se torne uma opção sustentável, eficiente e econômica para a construção civil.
 (Fonte: Diário de S.Paulo)