sexta-feira, 31 de maio de 2013

E agora, ministro? - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 31/05

Diante do PIB decepcionante do primeiro trimestre e da perspectiva de desilusões mais ou menos equivalentes nos próximos, o governo Dilma não vai ficar como está.

São duas opções: ou faz mais do mesmo ou muda tudo. Ambas incluem riscos e poucos resultados imediatos, pelo menos até as vésperas das eleições presidenciais de 2014.

Na entrevista que deu logo após a divulgação do PIB, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, indicou que há mudanças em curso. Em vez de turbinar o consumo, como fez até recentemente, a ênfase da política econômica vai para o investimento.

É um reconhecimento, ainda que tardio, de que a política econômica partira do diagnóstico errado, de que o problema era o baixo consumo. A estratégia até então determinava que, uma vez estimulado o consumo, a produção (e o investimento) iria atrás, como cachorro de mendigo.

A conversão do governo ainda não convenceu. A ideia de que o investimento ficara em segundo plano até aqui não combina com a louvação oficial ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É bom lembrar que a então candidata Dilma Rousseff foi apresentada ao eleitorado como "mãe do PAC", num clima em que o investimento já fora escolhido como alavanca do desenvolvimento econômico. De todo modo, vai sendo reconhecido que o PAC é pouco.

Dos 18% da renda aplicados hoje em investimento, o governo detém fatia pouco superior a 1 ponto porcentual. O resto sai do setor privado. No entanto, o empresário não vem se deixando seduzir pelas convocações da presidente para liberar seu espírito animal. Ele não sente firmeza na condução da economia.

Uma opção do tipo mais do mesmo consistiria em aprofundar o regime de altas despesas públicas destinadas a transferências de renda para determinados segmentos da população, apresentada sempre como política anticíclica, embora na prática produza mais distorções do que soluções. Continuaria, também, a propiciar reajustes salariais acima da produtividade do trabalho e as tais desonerações que custam caro e não passam de paliativo. É a receita que, na atual conjuntura nacional e internacional, conduz à repetição de pibinhos, de inflação em alta e de aumento do rombo das contas externas. Em compensação, enquanto mantiver a ilusão populista, é a política que, em princípio, garante votos.

A opção por mudança de rumos consistiria em reduzir substancialmente as despesas públicas para que o governo pudesse garantir vigoroso superávit primário (sobra da arrecadação para pagamento da dívida). O fator abriria espaço para a redução dos juros, o que todos querem, e para o barateamento do crédito. De quebra, permitiria maior desvalorização do real (alta do dólar) para fortalecimento da indústria - sem produzir a inflação que alimenta a desconfiança e a retração do setor privado. É claro, esse conjunto de políticas exigiria adiamento da instalação do Estado do bem-estar social, com o qual a sociedade parece contar.

Embora em algumas ocasiões diga o contrário, o governo parece mais disposto a seguir a primeira opção, para só aplicar a terapia de choque em um possível segundo mandato de Dilma. O maior risco é de que as condições da economia se deteriorem muito rapidamente e a reputação política da presidente chegue às vésperas das eleições com sérias avarias.

Belo Monte para de novo

O Estado de S.Paulo
Não bastassem os inúmeros obstáculos que enfrentou antes de seu início e continua a enfrentar, o que vem elevando seu custo, a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, foi escolhida como refém preferencial de índios que se opõem a esta e a outras usinas ainda em estudo. As frequentes interrupções das obras, por ações dos indígenas ou por greves, impõem custos adicionais e deixam dúvidas sobre o cumprimento do cronograma, que prevê o início da geração em fevereiro de 2015.
Entre 140 e 170 indígenas conseguiram, pela segunda vez no mês de maio, paralisar o trabalho de cerca de 4 mil operários do Sítio Belo Monte, um dos três canteiros da usina. A ocupação retardará o andamento das obras e poderá adiar sua conclusão, o que imporá perdas para o grupo de empreiteiras contratado para sua execução, para o consórcio que está pagando as obras e será responsável pela operação de Belo Monte e para o País. É do interesse geral que, uma vez iniciada, uma obra desse porte seja concluída com a presteza possível, para gerar os benefícios que dela se esperam.
O governo afirma que Belo Monte será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo (atrás de Três Gargantas, na China, e de Itaipu). Sua potência instalada, que deverá ser de 11.233 MW, justifica essa classificação, mas somente uma parte desse total (4.500 MW) será utilizada com regularidade.
Problemas políticos, técnicos, financeiros, ambientais e trabalhistas têm dificultado a construção da usina. A ocupação de canteiros por índios tornou mais difícil o cumprimento do cronograma pelo Consórcio Construtor de Belo Monte, que considera a situação tensa e já alertou o governo para o risco de conflitos entre trabalhadores e indígenas.
As duas ocupações de Belo Monte em maio foram feitas por índios que vivem numa reserva localizada em Jacareacanga. Eles tiveram de viajar cerca de 800 quilômetros até o local onde a usina está sendo construída. Eles são contra a usina de Belo Monte e exigem que o governo suspenda os estudos para a construção de um complexo hidrelétrico no Rio Tapajós. Dizem que só deixarão o canteiro depois de negociar com um membro do governo federal.
Durante a ocupação realizada no início de maio, a Justiça Federal determinou à Polícia Federal que apurasse "a possível participação de não índios na manifestação". O consórcio construtor obteve, na ocasião, decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região determinando a reintegração de posse do canteiro, com o uso de força policial, se necessário. A desocupação foi pacífica. O consórcio afirma que a decisão da Justiça continua em vigor.
Somando-se as interrupções dos trabalhos por ocupações de canteiros e greves, já são mais de 90 dias de paralisação. As empreiteiras calculam que cada dia de paralisação implica perdas de R$ 10 milhões. Benefícios concedidos aos trabalhadores em negociações para encerrar greves igualmente impõem custos adicionais. Tanto o consórcio construtor como o Grupo Norte Energia, que o contratou e será responsável pela operação de Belo Monte, afirmam que o ritmo das obras se intensificará no segundo semestre, quando o número de trabalhadores deverá subir dos atuais 23 mil para 28 mil, o que poderá aumentar a tensão na área de relações trabalhistas.
Não é de estranhar, por isso, que, orçada pelo governo inicialmente em R$ 16 bilhões, a usina tenha sido leiloada por um valor acima de R$ 19 bilhões. Já no fim do ano passado, seu custo tinha sido revisto para R$ 28,9 bilhões. Há tempos, o consórcio construtor negocia com a Norte Energia um reajuste de R$ 1 bilhão.
Será basicamente o setor público que arcará com o encarecimento da obra, uma das principais peças do Programa de Aceleração do Crescimento. A iniciativa privada pouco se interessou pelo empreendimento, que só saiu do papel com a participação de estatais e de fundos de pensão de estatais nos dois consórcios que disputaram a obra em 2010. Além disso, sua execução conta com pesados financiamentos públicos.

A China retorna ao pódio - JOÃO MELLÃO NETO


O Estado de S.Paulo - 31/05

Na antiga China, uma mulher desolada praguejava contra seu infeliz destino. "Por que chora?", perguntou-lhe um viajante.

"Ah, senhor, é o malvado do tigre. Ele devorou meu pai, meus irmãos e em breve vai voltar para me devorar"

"E por que a senhora não se muda para a cidade?"

"E eu sou louca? Lá existe o governo!"

Através do século 20 a História provou que ela tinha razão. Durante esse período o tigre, embora assumindo numerosas caras, manteve sua natureza: foi sempre voraz e impiedoso.

Em 1949, quando Mao Tsé-tung assumiu o poder, houve quem acreditasse que uma nova e gloriosa era se iniciava na China. Havia ao menos uma promessa dúbia dos novos governantes: o comunismo, que eles estavam em via de implantar, seria, finalmente, o fim da "exploração do homem pelo homem". Logo ficou evidente que era isso mesmo. Apenas se cuidou de inverter os termos da equação. Ou seja, na nova fórmula, o homem continuou a explorar o homem e quanto ao tigre, ficou ainda mais voraz que antes.

Num relato histórico sucinto, primeiro se providenciou a execução em massa dos simpatizantes e colaboradores do antigo regime. Depois, uma a uma, sucessivamente, surgiram as palavras de ordem da nova China. Foi aí que o novo tigre arreganhou os dentes e mostrou a que veio. Segundo Mao, a China só se poderia tornar uma nação civilizada se promovesse uma industrialização acelerada e coletivizasse o campo. Para alcançar a primeira meta, chamada de "O Grande Salto Adiante", ele conclamou cada chinês a deixar a agricultura em segundo plano e passar a produzir aço em seu quintal. Ora, aço não se produz assim, de maneira artesanal. Entre 1958 e 1960 a China, além de não lograr produzir aço algum, passou por uma grande fome, já que os braços disponíveis para a lavoura estavam todos ocupados na "siderurgia". Foi necessário que de 20 milhões a 30 milhões de pessoas morressem de fome para que os dirigentes chineses admitissem que haviam errado.

Embora nada fosse divulgado, Mao viveu um período de ostracismo imposto pela cúpula do PC chinês. Mas não tardaria a voltar ao proscênio. Em 1966 insurgiu-se contra as elites do funcionalismo público e os intelectuais, que, segundo ele, conspiravam contra os ideais originais da revolução. Para obter êxito contou com a mobilização da Guarda Vermelha, composta fundamentalmente por adolescentes radicais, em especial estudantes, camponeses e militares. Estavam todos solidamente unidos para enfrentar os que, supostamente, ameaçavam os ideais revolucionários. Como reza uma antiga lição da História, todo mundo está disposto a verter sangue pela pátria desde que não saiba precisamente por quê.

Não há indicações exatas sobre o número de vítimas da Revolução Cultural. Mas entre elas estavam, com certeza, todos os membros das elites estudadas da China. A terra do mandarins, reconhecida em todo o mundo pela excelência de seu funcionalismo público, subitamente deixou a meritocracia de lado. E pagaria alto preço por isso.

De repente não havia mais quem tivesse cultura e capacidade para dirigir a nação. Os poucos que sobreviveram aos campos de reeducação estavam velhos e desgastados demais para fazê-lo. Foi nesse cenário desolador que Deng Xiaoping, uma das vítimas da Revolução Cultural, chegou ao poder, em 1976.

Deng logo tratou de promover uma abertura econômica em grande escala. Ciente dos potenciais da China em relação às demais nações, percebeu que nada poderia ser feito sem que o tigre fosse enjaulado em definitivo. Sua intuição estava certa. Já há mais de dez anos a economia chinesa é a que mais se desenvolve no mundo.

O que muitos ocidentais se perguntam é quando e como a China se tornará uma nação democrática. A resposta mais provável é que isso nunca acontecerá. Os chineses reverenciam sua burocracia sem nenhum tipo de questionamento. Eles sabem que seus altos funcionários públicos só estão onde se encontram porque demonstraram publicamente possuir méritos para tanto. Mostram até certo ceticismo quanto à democracia. Como pode haver um mínimo de previsibilidade em nações cujos governos se alternam, digamos, a cada quatro anos? Outra questão muito frequente se refere à capacitação dos governantes: quem pode garantir que aqueles que discursam melhor são os que melhor administram?

No mais, cabe lembrar que o país tem um passado glorioso e um futuro mais promissor ainda. A monumental Muralha da China teve grande parte de sua construção iniciada dois séculos antes da vinda de Cristo. Sua extensão é de 8.851 km e tem, em média, 7 metros de altura e 7,5 metros de largura.

Quando os chineses decidiram singrar os mares, eles o fizeram com a grandiosidade que sempre os caracterizou. Sob o comando do almirante Zheng He, na dinastia Ming, criaram uma gigantesca esquadra de 300 navios, cada um com 120 metros de comprimento. Suas tripulações, somadas, passavam de 28 mil homens. Para ter um termo de comparação basta recordar que a nau capitânia de Colombo tinha 27 metros e sua tripulação não excedia 40 homens. Considere-se, também, que as expedições chinesas ocorreram quase um século antes das portuguesas e espanholas.

Que ninguém se sinta surpreso com o recente crescimento econômico chinês. O fato é que a China está apenas retomando o papel que sempre lhe coube

Os chineses eram tão ciosos de sua força que o imperador Manchu assim respondeu a uma carta do rei Jorge III da Inglaterra propondo a abertura do comércio entre as duas nações: "Possuímos de tudo. E nenhum valor dou às coisas estranhas ou engenhosas. Nada tenho a fazer com os produtos manufaturados de vosso país. É por isso que recuso o seu pedido". Isso se deu em 1792.

A Inglaterra, então, passou a traficar ópio para os chineses. Algo que o imperador Manchu jamais cogitou de produzir.