quarta-feira, 29 de maio de 2013

Agora, a tempestividade, por CELSO MING - O Estado de S.Paulo


Os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúnem hoje para rever os juros, bem menos confiantes do que estavam no início deste ano.
Em meados de 2012, o Banco Central via a inflação como surto passageiro provocado pelo choque de oferta de grãos (quebra de safras), devido à seca no Meio-Oeste dos Estados Unidos, grande produtor mundial. Seus comunicados avisavam que a inflação deveria recuar espontaneamente para a meta (4,5% ao ano), "ainda que de forma não linear".
Aos poucos, o Banco Central passou a admitir que o choque de oferta não era tudo. A inflação apresentava-se forte e espalhada, turbinada por novos fatores, não apenas os externos, mas, também, uma demanda interna superior à capacidade de oferta da economia, sobretudo no setor de serviços. Esse quadro, por sua vez, era consequência tanto de despesas excessivas do setor público ("política fiscal expansionista") como do forte aquecimento do mercado de trabalho, que puxou a renda e os custos de produção. Nas entrevistas, o presidente do Banco Central assumia então que "não estava confortável" com a virulência da inflação. Mesmo depois de ter se prontificado a voltar a puxar para cima os juros básicos (Selic), os comunicados limitavam-se a afirmar que o Banco Central continuaria vigilante em relação ao comportamento da inflação e conduziria sua política "com cautela". Essa expressão foi entendida como senha de que a autoridade monetária seguia agindo com o breque de mão puxado.
Dia 21, no entanto, em depoimento no Congresso, Alexandre Tombini evitou repetir que agiria "com cautela" e sacou do repertório semântico do Banco Central outra expressão: a de que para combater a inflação fará o que for necessário, "de forma tempestiva".
As mudanças de posição têm a ver com o novo foco da política de despesas do governo Dilma, que rompeu o acordo com o Banco Central e já não se compromete a executar o Orçamento da União com austeridade suficiente para garantir sobras de arrecadação (superávit primário) de 3,1% ao ano. No final de 2012, já houve aquele passe de mágica contábil que escamoteou as metas fiscais previamente combinadas. E, na semana passada, o ministro Guido Mantega avisou que o governo fará descontos nos cálculos que, na prática, derrubarão o superávit primário para apenas 2,3% do PIB, novo número que também não passa firmeza, porque pode ser menor.
Como a política fiscal já não faz a sua parte, a necessidade de controlar a inflação passa a depender mais do aperto da política monetária (alta de juros), o que, de quebra, levou o Banco Central a permitir que o câmbio se valorizasse em termos reais - na medida em que a inflação concorre para baixar o preço do real em dólares.
Mesmo depois de prejudicado em sua capacidade de gerenciar as expectativas, não há opção para o Banco Central senão a de seguir aumentando os juros. Falta saber se a tal tempestividade se limitará a repetir, ainda que por mais tempo, aumentos dosados de juros de 0,25 ponto porcentual, como o de abril, ou se implicará um reforço para 0,50 ponto porcentual ao ano, que teria a vantagem de apressar o ajuste.

Falta lógica do governo na logística, por Arnaldo Jardim

Semana passada, como presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional, promovi em Brasília um encontro da frente, de empresários e executivos do setor de infraestrutura e de transportes com o diretor presidente da Empresa de Planejamento de Logística (EPL) Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira.
Figueiredo falou sobre o Programa de Investimentos em Logística, abordou o Plano Nacional de Logística Integrada e respondeu a questionamentos sobre os gargalos e desafios da logística nacional, além de apresentar ideias gerais de como o governo pretende tratar a questão logística, com destaque para a necessidade de formação de uma “carteira de projetos”, da agilização nos licenciamentos ambientais e dos investimentos que deverão ser feitos no setor de infraestrutura . Tudo sob a responsabilidade formal e executiva da EPL.
Não há razão para duvidar do empenho e das intenções de Figueiredo para por nos trilhos, com bom destino, o trem da logística nacional. A não ser pela forma errática e a falta de lógica com que o governo tem tratado a questão.  A Lei 12.404, de quatro de maio de 2011, autorizou a criação da Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A. (ETAV) e dispôs sobre a autorização para garantia do financiamento do Trem de Alta Velocidade (TAV) no trecho entre o Rio de Janeiro (RJ) e Campinas (SP).
Mais de um ano depois, com o decreto nº 7.755, de 14 de junho de 2012, o governo criou a ETAV, especificou seu capital social e indicou outras providências. Mas em seguida, por meio da Medida Provisória nº 576, de 15 de agosto de 2012, alterou as leis 10.233, de cinco de junho de 2001, e 12.404, modificando a denominação da ETAV para EPL e ampliando suas competências.
Nesse tempo todo, perdemos velocidade e precisaremos administrar junto com o nó da logística a encrenca do TAV, que nem saiu das boas intenções ou das concorrências.
Há tempos cobramos mais investimento do governo para destravar esse nó, sugerindo que as melhores opções para alcançar esse objetivo passam pelas PPPs (Parcerias Público-Privadas) e concessões. Mas essencialmente insistimos que o governo precisa estabelecer políticas públicas de longo prazo para que se possa planejar investimentos, incorporar as iniciativas mais consistentes do passado (como a construção efetiva de ferrovias e hidrovias) e promover a eficiência e eficácia da gestão pública.
A Associação Brasileira de logística (Abralog) aponta que no Brasil um produto leva 15 dias em média para ir da fábrica até a loja, no varejo ou até o porto do lado atlântico para ser exportado quando o ideal seria que entre aquela origem e esses destinos não se gastasse mais do que dez dias. O porte do prejuízo expresso entre o tamanho dos Pais apregoado pelo governo e o tumulto provocado pela precaríssima infraestrutura nacional mede-se pela incapacidade de planejamento do Estado e pela absoluta incapacidade do próprio governo de atuar sobre as instituições que comanda sem uma caixa de maquilagem debaixo do braço. Foi assim que quando analisamos a Medida Provisória que constituiu a EPL _ fui a favor! _ propus que ficasse vinculada ao Ministério do Planejamento ou à Casa Civil a ela também se vinculassem sem a Secretaria Especial dos Portos e o Departamento de Aviação Civil gerando assim sua efetiva capacidade de integração.
Com míseros 30 mil quilômetros de trilhos, o Brasil está na rabeira dos emergentes com os quais vive se comparando. A Índia tem 63 mil quilômetros de ferrovias enquanto a China põe seus trens a rodar em 77 mil quilômetros de trilhos e a Rússia em outros 87 mil quilômetros. No bloco dos países continentais, os ricos Estados Unidos riscam seu território com 220 mil quilômetros de caminhos de aço. E se você acha que o problema está apenas na extensão dos caminhos, verá que a rota da má burocracia – sob a qual viceja a corrupção – borra maquilagens e corrompe boas intenções.
No final de semana passado, a Folha de S. Paulo publicou matéria informando que “um comandante de um navio de bandeira estrangeira que chegue ao Brasil precisa entregar 190 informações para as autoridades do governo brasileiro, e que às vezes, a mesma informação segue em documentos diferentes para a Receita, a Marinha, a Anvisa e a Polícia Federal”.
Apesar do caos logístico para entrar e sair dos portos, a burocracia ainda é o principal problema dos portos brasileiros, segundo pesquisa feita pelo Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain). Nenhum desses problemas, porém, foi abordado na MP dos Portos, aprovada depois de uma acirrada batalha política no Congresso Nacional.
Em julho passado, o Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC), revelou que as empresas instaladas no Brasil perdem cerca de US$ 80 bilhões ao ano por causa da falta de investimentos públicos no setor de logística – portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. O valor equivale a uns 4% do Produto Interno Bruto (PIB) ou o mesmo que o País precisa investir anualmente, nos próximos dez anos, para eliminar os gargalos do setor.
O caos que envolveu portos e estradas nacionais com a recente retomada das grandes safras agrícolas brasileiras demonstra a crônica falta de planejamento logístico público ou privado. Mas esconde a ausência permanente de condições de armazenamento, de distribuição interna adequada, de comunicações, de estruturas intermodais e de legislação fiscal inteligente. Como o governo tem sido pontual, segmentado e restrito à troca imediata de apoios ou à imposição de práticas gerenciais para resolver emergências, a logística passou longe da MP dos portos cujo manejo requer abordagem integrada com rodovias, ferrovias, armazenagem e burocracia hoje espalhada por quase quatro dezenas de ministérios.
A rodovia Anchieta (SP), principal acesso ao porto de Santos (SP), o maior da América Latina, é quase a mesma desde que sua primeira pista foi inaugurada em 1947. A única estrada para os caminhões carregarem mercadorias à boca dos navios. Já a Imigrantes, sob a égide do regime de Concessões, já teve uma nova via inaugurado e tem “salvado a lavoura”! Faltam projetos, planejamento e sobra demora na execução das obras. A China construiu dois mil km de ferrovia em região montanhosa, em três anos e meio. Aqui, a ampliação do corredor ferroviário Norte e Sul – com 2,2 mil km que pretende integrar a Transnordestina e a Ferronorte – aguardada com esperança e torcida desde 2010. Perdeu o prazo de entrega  até entre os mais otimistas e graduados gestores governamentais.
Os gastos dos empresários com transporte encostam-se nos 12% do PIB. Na China e na África do Sul, são de 8% do PIB e 9% PIB, respectivamente. E espera-se que caiam para perto de 7% do PIB. E aqui, que possam explodir para 20% do PIB, nos próximos anos. Se o Brasil crescer com o tamanho dos repetitivos discursos governamentais, não haverá caminho confiável para o comércio interno e externo se desenvolver sem caminhos confiáveis para a economia fazer circular matérias primas, insumos e mercadorias a tempo, a hora e a custos competitivos.


Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional

terça-feira, 28 de maio de 2013

'Amor ao tijolo' na China e no Brasil - RODRIGO ZEIDAN


ESTADÃO - 28/05

Andando às margens do Rio Huangpu, em Xangai, China, o que se vê é uma cena futurista de arranha-céus e edificações. Porém, ninguém imagina que metade desses apartamentos esteja vazia. Eles são comprados por investidores e especuladores e mantidos desocupados. Na China, estima-se que haja de 16 milhões a 65 milhões de imóveis residenciais vazios. Cerca de 50% dos apartamentos em Xangai e 60% em Pequim estão nessa situação, enquanto há uma crônica falta de imóveis para dezenas de milhões de trabalhadores de baixa renda.

Não há tecnicamente uma bolha imobiliária na China ou no Brasil. Mas é inegável: o rápido desenvolvimento dos últimos anos alterou a dinâmica do mercado imobiliário desses países.

A relação das pessoas com o imóvel é semelhante nos dois países. Há um "amor ao tijolo", ou seja, o desejo de adquirir imóveis para compor o patrimônio familiar. Para explicar isso, basta um olhar pela História. As crises sucessivas nesses países revelaram que poucos ativos mantiveram seu valor, à exceção dos imóveis.

Na China, os imóveis vazios resultam de três fatores: a inexistência de impostos sobre propriedade, como o nosso IPTU; o baixo valor do aluguel; e a preferência por imóveis nunca habitados. Grande parte dos compradores chineses não gosta de imóveis já usados. Um apartamento "intacto" tem um prêmio de 50% ou mais. Além disso, não existem muitos custos de manutenção para manter o imóvel desocupado. Lá não há condomínio ou IPTU, por exemplo. E os custos de compra e venda dos imóveis são baixos, assim como as rendas provenientes do aluguel. Somando tudo, é melhor deixar o apartamento vazio. E lucrar na venda.

Segundo dados do Global Property Guide, os custos das transações imobiliárias no Brasil chegam a 11,5% do valor do imóvel e a renda de aluguel, a 5,71% do valor do imóvel ao ano. Na China esses valores são de meros 5,26% e 2,66%.

No Brasil, os mercados financeiros são mais sofisticados que os da China e as alternativas de investimento, mais variadas. Ainda assim, a poupança familiar continua voltada para a compra de imóveis para moradia e também como parte estratégica do patrimônio familiar. Aqui não existem imóveis vazios, em razão dos elevados custos de transação e manutenção. Por outro lado, o crescimento da demanda imobiliária - resultado da fascinação dos brasileiros com a casa própria, do crescimento econômico, do aumento de crédito e da diminuição das taxas de juros - levou à valorização estratosférica dos imóveis. O metro quadrado no Rio de Janeiro e em São Paulo se equipara, e até supera, em muitos casos, ao de Nova York e de Londres.

Tanto no Brasil quanto na China existe a preocupação com o impacto de uma crise imobiliária sobre o resto da economia. Segundo a consultoria GK Dragonomics, a construção civil residencial representa, sozinha, 6% do crescente Produto Interno Bruto (PIB) chinês - mesmo porcentual do Brasil, mas considerando-se aqui o setor da construção civil como um todo.

Nos dois mercados, vários agentes esperam por uma crise ou, pelo menos, uma forte correção de preços dos imóveis. Não há bolha imobiliária nesses países, como houve no Japão nos anos 90 ou nos Estados Unidos em 2007/2008, porém uma desvalorização imobiliária pode afetar consideravelmente as economias brasileira e chinesa. Em ambos os países os imóveis urbanos são escassos - na China estão vazios e no Brasil, caros demais. Não há perspectiva de mudança de tendência no curto prazo, mas o desenvolvimento de ambos os países depende do fortalecimento do mercado imobiliário para abrigar uma crescente e exigente população urbana.