quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Casamento desfeito após 68 anos: Por que a Nippon Steel saiu de vez do capital da Usiminas, OESP

 Foi uma parceria que durou 68 anos e ajudou a criar no Brasil uma indústria siderúrgica forte. Mas chegou ao fim nesta quarta-feira, 5, quando os japoneses informaram que estão deixando, de vez, a sociedade na Usiminas, siderúrgica que ajudaram a fundar, junto com o governo brasileiro, em 1958.

PUBLICIDADE

Além de capital, os investidores japoneses trouxeram para a nascente produtora de aço a mais moderna tecnologia siderúrgica da Nippon Steel. O empreendimento, que foi o primeiro investimento externo em grande escala do Japão após a Segunda Guerra Mundial, foi viabilizado pelo acordo conhecido como Lanari-Horikoshi, sobrenomes de Amaro Lanari Júnior e Teizo Horikoshi, que lideraram missões japonesas ao Brasil.

Lanari foi o presidente da Usiminas entre 1958 e 1976 — fase de consolidação da siderúrgica —, e Horikoshi presidiu a Nippon Usiminas, empresa criada para facilitar e intermediar os investimentos do Japão na siderúrgica mineira. O capital japonês ficou com 40% da nova fabricante de aço, que iniciou produção alguns anos depois em Ipatinga, na região do Vale do Aço, em Minas Gerais. Ipatinga, na época, era um vilarejo com cerca de 200 casebres, distrito de Coronel Fabriciano.

Para você

O projeto colocou Minas Gerais no mapa da siderurgia mundial. Até então, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que foi fundada em abril de 1941 em Volta Redonda (RJ), com a benção do presidente da República, Getúlio Vargas, era a única fabricante de aços planos do País. A CSN, dona de uma grande mina de ferro (Casa de Pedra), nasceu de um acordo dos governos brasileiro e americano para fornecer aço aos EUA em plena guerra contra a Alemanha, Japão e Itália.

Publicidade

Nesta quarta-feira, 5, dois anos e meio após o primeiro passo para assumir integralmente o controle acionário da Usiminas, o grupo ítalo-argentino Ternium anunciou ter adquirido, por US$ 315,2 milhões (R$ 1,7 bilhão), as ações restantes da gigante japonesa do aço e passou a ser, junto com outras empresas da organização Techint, a controladora integral da siderúrgica mineira, com 92,9% no bloco de controle.

A diferença das ações com direito a voto no bloco de controle (7,1%) ficou com a Caixa de Previdência dos Empregados da Usiminas, que está presente na empresa desde sua privatização, 34 anos atrás.

Com o negócio, o grupo Ternium, pertencente à família ítalo-argentina Rocca e comandado por Paolo Rocca, passa a deter 71,97% das ações ordinárias totais da Usiminas e se consolida como segundo maior produtor de aço no Brasil. A fundação dos empregados tem 4,84% e outros acionistas somam 23,19% do capital ordinário da companhia. Entre os demais acionistas está a própria CSN, que travou uma longa disputa com o grupo ítalo-argentino desde 2013 e reduziu sua participação na empresa mineira este ano.

Procuradas, tanto a Ternium quanto a Nippon Steel informaram que não iriam se pronunciar além do comunicado oficial.

Publicidade

Impulso da tecnologia japonesa

Com a Nippon como parceira e fornecedora de tecnologia de produção de aço, a Usiminas ganhou projeção, crescendo em capacidade de produção na usina de Ipatinga - que se emancipou em 1964 e é hoje a principal cidade da Região Metropolitana do Vale do Aço.

A siderúrgica tornou-se, ao longo de duas décadas, a mais eficiente, e única lucrativa, das usinas de aço que compunham a extinta Siderbrás, holding estatal que no fim dos anos de 1980 controlava também CSN, Cosipa (Cubatão-SP), Açominas (Ouro Branco-MG) e Cia. Siderúrgica de Tubarão (Serra-ES).

Por essa razão, a Usiminas foi a primeira a entrar no programa de privatização do governo federal, na gestão de Fernando Collor, em 1991. O leilão da empresa, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, contestado por sindicatos e outras entidades, foi disputado por vários grupos industriais e financeiros. De 1991 a 1994, todas as cinco empresas foram vendidas ao capital privado.

A Usiminas, no auge, tornou-se uma referência no fornecimento de aço para o setor automotivo, que exigia material de alta qualidade. A tecnologia japonesa estava na cultura da empresa, que uniu o jeito mineiro e a disciplina dos sócios. A empresa atingiu capacidade de produção superior a 5 milhões de toneladas de aço bruto por ano após vários planos de expansão. Sob gestão privada, fez o primeiro movimento de expansão por aquisição: liderou a compra do controle da Cosipa no leilão de privatização.

Publicidade

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Na formação da parceria, em 1958, após um ano de negociações, o governo brasileiro foi responsável por garantir o capital necessário à construção da siderúrgica mineira, com financiamento do então Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), atual BNDES, acrescido da palavra Social. Do lado japonês, um grupo privado, liderado pela Yawata Iron and Steel (que foi renomeada Nippon Steel), reuniu produtoras de aço e fabricantes de máquinas e equipamentos.

A empresa de capital misto, Nippon Usiminas, em quatro anos passou a fornecer, a partir da Usina Intendente Câmara, em Ipatinga, aços que atendiam à demanda nacional das indústrias naval, automobilística, de base e mecânica pesada. Os japoneses, que forneciam a tecnologia, e passaram a receber royalties por isso anos depois, contribuíram para desenvolver aço de alto valor agregado. Apostando na parceria brasileira, estiveram presentes desde a construção e entrada em operação do primeiro alto-forno, em outubro de 1962.

Trajetória difícil do entrante

A Ternium entrou no capital da Usiminas no início de 2012, após a compra, em novembro de 2011, das participações dos grupos Camargo Corrêa e Votorantim, que eram integrantes do bloco controlador da siderúrgica juntamente com a Nippon Steel e os empregados. O grupo pagou R$ 4,1 bilhões, valor considerado alto, para integrar o bloco de controle da Usiminas, com quem já tinha parcerias de venda de tecnologia para suas usinas na Argentina e México. Também foram sócias na privatização da venezuelana Sidor, em 2007 - que anos depois foi encampada pelo governo do presidente Hugo Chávez.

Ou seja, o grupo ítalo-argentino conhecia muito bem a empresa na qual estava investindo. A aquisição de 27,7% de capital ordinário dos acionistas que estavam saindo dava direito a 43,3% no bloco controlador, ao lado de Nippon (46,6%) e empregados (10,1%). O valor pago por ação, de R$ 36, representou prêmio de 80% sobre a cotação em bolsa. Agora, o valor pago aos japoneses foi de US$ 2,06 (R$ 11,12) por ação ordinária.

Em março de 2023, a Nippon decidiu, por R$ 10 por ação, vender parte de sua fatia de ações. O valor do negócio foi de R$ 687 milhões. Isso representou, naquele momento, que o grupo japonês deixava de ter poder nas decisões estratégicas da Usiminas. Pelo acordo, que dava lhe um direito de saída (“put option”) após dois anos, garantiu a presidência do conselho de administração e um vice-presidente (de tecnologia e inovação) na diretoria executiva.

No comunicado da Ternium desta quarta-feira, não está informado se a joint venture Unigal, entre Usiminas e Nippon, voltada à fabricação de aços revestidos (de alto valor agregado), será também desfeita agora ou futuramente. O grupo japonês tem 30% de participação na Unigal, que fica dentro da própria usina de Ipatinga.

Segundo pessoas ligadas ao grupo japonês, em 2023 a Nippon Steel havia perdido totalmente o encanto com a Usiminas, depois de cinco anos de divergências sobre o modelo de gestão da Ternium na empresa, mesmo com acordo de decisões compartilhadas. Só aguardava o momento adequado para iniciar a saída. Estava também frustrada com o mercado de aço do Brasil após a crise iniciada em 2015.

Em 2016, por exemplo, a Usiminas encerrou a produção de aço bruto na usina de Cubatão, mantendo somente as operações de laminação a partir da compra de aço semi-acabado de terceiros, no País ou por importação.

Publicidade

O acordo de pacificação de 2018 entre os dois grupos permitiu a convivência de ambos por cinco anos, tendo uma pandemia no meio do caminho. Mas os japoneses, segundo interlocutores, já haviam decidido buscar outros rumos para investir. Por exemplo, começou uma parceria nos EUA com a ArcelorMittal, que se estendeu para a Índia, na compra e construção de usinas. Há dois anos, fez um movimento mais ousado, com oferta de US$ 14,9 bilhões, pela gigante americana U.S. Steel.

Disputa atribulada com CSN

A Ternium não teve uma convivência tranquila na Usiminas nesses 13 anos de presença na siderúrgica. Ao contrário, viveu alguns conflitos. Mesmo antes das divergências com os sócios japoneses, enfrentou desde 2013 ações na Justiça por parte da CSN, que reivindicava que o grupo ítalo-argentino tinha a obrigação de fazer uma oferta pública de compra das ações dos minoritários. Alegava que houve mudança de controle na gestão da siderúrgica mineira desde 2012, se não no papel, de fato no dia a dia.

A CSN já estava na Usiminas desde 2011, em movimentos graduais de compra de ações. Chegou a 20% das ações ordinárias e 16% do capital total. Mesmo sob pressão do Cade, por se tratar de uma siderúrgica concorrente, Steinbruch não se desfez de sua participação. Foi empurrando o caso com o auxílio de seus advogados.

Após pareceres contrários da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e várias derrotas na Justiça, em 2024 a CSN obteve julgamento favorável à sua tese no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão aprovada por três ministros desembargadores da Corte e dois votos contrários obrigava a Ternium a reparar, com multas, R$ 5 bilhões à companhia de Steinbruch. Tempos depois, o valor foi reduzido a R$ 3 bilhões, mas o imbróglio continua parado na Justiça, aguardando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Publicidade

Uma vitória da Ternium nessa disputa foi obtida com pressão judicial do TRF-6 (Tribunal Regional Federal, da sexta região) sobre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que a CSN reduzisse sua posição abaixo de 5%. A siderúrgica teve de acatar e fez duas vendas de ações ao longo deste ano para atender a demanda judicial. De sobra, ainda recebeu uma multa do órgão antitruste, no mês passado, de R$ 128,7 milhões.

Mais barulho pode vir pela frente para a Ternium, dizem pessoas do setor e especialistas. Ao ficar com 93% do bloco de controle, é esperado que minoritários da empresa de ações ordinárias, entre eles a CSN, poderão questionar nos órgãos regulatórios do mercado de capitais se têm o direito de uma oferta pública de ações (OPA) por parte da Ternium. Mas, com base em decisões anteriores, o Cade poderá argumentar que houve nova movimentação de acionistas do atual bloco controlador.

Com Nippon fora, caminho para integração

Um fechamento de capital da Usiminas, dizem especialistas ouvidos pelo Estadão, na condição de anonimato, faria muito sentido para Ternium/Techint avançar na integração da siderúrgica mineira com a Ternium Brasil (produtora de placas do grupo em Santa Cruz, Rio de Janeiro), unindo as operações das três unidades de produção (Ipatinga, Cubatão e Rio de Janeiro), sob o mesmo guarda-chuva, com ganhos custos e sinergias.

Atualmente, nas usinas mineira e fluminense, o grupo Ternium está apto a fazer 9 milhões de toneladas de aço bruto por ano. A produção de placas da Ternium Brasil é quase 100% exportada para a América do Norte. A unidade de Cubatão, que tem um terminal portuário ao lado do Porto de Santos, passaria, com uma fusão da operações, a ser abastecida dentro do grupo.

Publicidade

Mesmo com uma fatia expressiva do mercado brasileiro de aços planos, competindo com CSN, a Usiminas viu ao longo dos anos o avanço da ArcelorMittal (maior produtora de aço do País) em seu segmento de atuação, o de aços planos de alto valor agregado. A Gerdau também ganhou posição em alguns mercados relevantes.

No comunicado do negócio com a Nippon, a Ternium ressalta que o movimento reforça a “estratégia de fortalecer sua presença industrial e tecnológica no Brasil, integrando operações e otimizando sinergias regionais”. A operação envolveu também a pequena fatia de ações da Mitsubishi Corporation no grupo de controle da Usiminas. Toda a operação, informou, será financiada com recursos próprios.

Sediada em Luxemburgo, a Ternium é uma companhia com receita líquida de quase US$ 18 bilhões (R$ 97 bilhões) em 2024, com operações em vários países das Américas — Argentina, Brasil, Colômbia, México e EUA. O grupo possui capacidade de produção anual de 15,4 milhões de toneladas de aço bruto, já considerando a consolidação de Usiminas em seus resultados.

A Usiminas, além de aço, produz minério de ferro e tem empresas de distribuição e centros de serviços para clientes. Registrou receita líquida de R$ 20 bilhões de janeiro a setembro deste ano. E agora vai precisar aprender a operar sem o traço nipônico que a marcou pelas quase últimas sete décadas.

Nenhum comentário: