Frente aos temores generalizados de fim do mundo, este ano de 2025 começa, entretanto, com a revelação de um novo homem. Nenhum milenarista, nenhum suposto redentor dos desamparados, mas um jovem de 24 anos chamado Vinicius José Paixão de Oliveira Junior. Ele mesmo, o ponta-esquerda do Real Madrid, eleito melhor do mundo pela Fifa.
A busca de figuras exemplares costuma focalizar o passado. O que é notável na obstinação americana em "tudo reconstituir de um passado e de uma história que não era a deles e que por eles foi destruída em grande parte. Os castelos da Renascença, os elefantes fósseis, os indígenas nas reservas, as sequoias em holograma" (Jean Baudrillard, em "América").
Já os europeus, saturados de história, idealizam o novo em algum momento das convulsões sociais ou em sistemas de pensamento. É o caso de Nietzsche em "Zaratustra", com a figura do Übermensch, ou seja, uma condição evoluída da humanidade, o "além-humano", com moralidade própria. Nele, três atributos: faculdade de esquecer/superar, afirmação do eterno retorno e amor ao destino.
Negro, nascido em São Gonçalo (RJ), de família pobre, Vini Jr. supera o absolutismo dos valores que tentam sufocá-lo desde a infância. Na prática, um niilista ativo. Primeiro se impôs como jogador excepcional. Depois compôs perfil original ao transformar o gramado dos campos de futebol em plataforma contra o racismo, mostrando que existe algo a ser abandonado na ideia ocidental de humanidade. Trata-se de superar o homem atual.
Eterno retorno é metáfora para a imanência renovada da existência. O que sempre retorna é a vida. Sem mascarar a cor da pele nem renegar a adversidade na transformação pessoal, Vini Jr. abraça sem restrições a sua própria vida, poderia vivê-la novamente caso houvesse um retorno. O que é concebível quando se ama o destino ("amor fati", diz Nietzsche), isto é, quando o sujeito não se arrepende de nenhuma decisão consciente, pois ela terá sido constituinte de si mesmo.
Nenhuma surpresa se o espírito dominado por valores regressivos achar absurdo descer das montanhas especulativas para a planície do comum. O nazifascismo quis traduzir Übermensch como um supermacho ariano a ser criado. Ridículo atroz. O além-humano sempre esteve e continua a estar aí, em todo espírito livre que mobilize por potência própria sua liberdade e a de outros. "Mensch" (e não "Mann") não delimita gênero: o além acontece no feminino presente ou numa ancestral, como agora com Eunice Paiva por Fernanda Torres. A transmissão não está entre artistas, e sim na ancestralidade despertada pela arte.
Nisso, nenhum identitarismo, mas potência, ao alcance do sujeito ativo na luta social. A cor da pele, velho gatilho para insultos racistas, não é o leitmotiv dos ataques ao jogador: os campos europeus convivem há muito tempo com diversidade. O que há é sobressalto psíquico ante alguém sempre mais vivo após as mortificações, a percepção inquietante de um novo ou um além no humano. Corpo luminoso frente à ressonância chula, o brilho de Vini Jr. recobre admiradores e desafetos. Algo como Zaratustra ao acordar: "Grande estrela! Qual seria a sua felicidade se não houvesse aqueles por quem você brilha?"
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