sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Projeto prevê cascata de dez usinas hidrelétricas em rio amazônico, FSP

 André Borges

Brasília

O rio Roosevelt passou a ser alvo de um projeto que prevê a construção de dez barragens de hidrelétricas ao longo de seu curso —desde sua nascente, na região de Vilhena (RO), até a foz, quando desemboca no rio Aripuanã, no município de Novo Aripuanã (AM), num trajeto de 760 km de extensão.

Folha teve acesso a informações de um novo estudo de inventário hidrelétrico que pretende explorar o rio, famoso por ter tido suas águas desbravadas no início do século passado pela expedição científica Rondon-Roosevelt.

Rio Roosevelt, Rondônia
Rio Roosevelt, Rondônia - Divulgação

Entre 1913 e 1914, o ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt (1858-1919) participou de uma expedição pela Amazônia, passando por regiões de floresta intocada, ao lado do marechal Cândido Rondon (1865-1958), militar e sertanista brasileiro.

O plano, apresentado em dezembro pelas empresas Iguaçu Energia, de São Paulo, e Lindner Engenharia, de Santa Catarina, prevê a construção de dez barragens de usinas de menor porte, conhecidas como PCHs (Pequena Central Hidrelétrica). São estruturas onde o reservatório construído não ultrapassa 13 km², e a geração de energia chega a, no máximo, 30 megawatts de potência.

O argumento usado pelas empresas para transformar o Roosevelt numa cascata de lagos hidrelétricos se baseia no suposto impacto de menor escala, se esses projetos forem comparados aos danos causados por grandes usinas.

Especialistas em meio ambiente afirmam que, apesar de as pequenas centrais hidrelétricas terem um impacto menor sobre a área alagada, quando comparadas às grandes usinas, é preciso dar atenção ao efeito cumulativo que uma sucessão de lagos represados passa a ter numa região.

O rio Roosevelt já foi alvo de três projetos de grandes hidrelétricas, entre 2012 e 2020, mas nenhuma obra avançou, efetivamente, devido ao grande impacto ambiental envolvido nesses projetos. No local há áreas de preservação e terras indígenas, como a terra dos Cinta-larga.

As três usinas previam uma geração conjunta de 891 megawatts de energia, mas para isso inundariam mais de 560 km² de mata nativa. Para se ter uma referência do que isso significa, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, tem potência total de 11.233 megawatts, com um reservatório de 503 km².

Sem interessados em levar esses projetos adiante, esses planos foram arquivados há quatro anos. Agora, a possibilidade de propor um novo tipo de exploração do rio é aventada. Os dez barramentos somariam, no máximo, 130 km², com capacidade de chegar ao potencial total de 300 megawatts.

Folha procurou as empresas responsáveis pelos estudos entregues à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) na primeira semana de dezembro, mas não obteve retorno. No relatório em que pedem autorização para avançar com os projetos, as empresas afirmam que o novo plano "resulta na condição de obtenção de uma viabilidade socioambiental e tornará possível a implantação de empreendimento". O pedido será avaliado pela agência reguladora.

No mês passado, funcionários contratados pelas empresas já percorrem boa parte da extensão do rio Roosevelt. Ao todo, eles identificaram 19 locais de interesse para avaliar a possibilidade de construir as usinas.

"O intuito desta solicitação de revisão é localizar mais pontos barráveis ao longo do rio e reduzir drasticamente as áreas totais dos reservatórios, através da proposição de barramentos com menor altura, aproveitando diferenças de níveis mais próximos dos valores disponibilizados pela queda natural do perfil hidráulico do curso d’água", afirmam as empresas.

Caso a Aneel aceite o pedido de revisão de inventário, isso não significa autorização para construir as usinas. Os projetos teriam de ser alvo de estudos de impacto ambiental federal, por envolverem rio que cruza mais de um estado, passando pelo crivo de órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade).

Antes de se chamar rio Roosevelt, o curso d’água amazônico era conhecido como "rio da Dúvida", justamente por não haver muita clareza sobre o seu trajeto. A mudança de nome ocorreria após a expedição. O objetivo da viagem era mapear o curso exato do rio da Dúvida.

Theodore Roosevelt, que tinha perdido a eleição presidencial nos Estados Unidos, viu na expedição uma oportunidade de aventura e busca científica. Na viagem, enfrentaram situações extremas e doenças como malária e febre amarela. Relatos históricos dão conta de que Roosevelt quase morreu devido a uma infecção e à exaustão física. A expedição conseguiu mapear o curso do rio, que foi renomeado em sua homenagem.

O ex-presidente chegou a escrever um livro sobre a saga na floresta ("Through the Brazilian Wilderness", ou "Através da Selva Brasileira", em tradução livre), descrevendo os desafios enfrentados pela expedição e suas observações sobre a flora, a fauna e a população da amazônia brasileira.

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