segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Marcelo Leite - Limitarianismo, ou por que hiper-ricos são do mal, FSP

 Atire o primeiro Porsche contra o motoboy quem achar moralmente correto Elon Musk receber US$ 46 bilhões (R$ 280 bilhões) de honorários como CEO da Tesla. E se prepare para ver os argumentos neoliberais convertidos em picadinho por Ingrid Robeyns.


A filósofa da Universidade de Utrecht (Holanda) defende que ninguém deveria acumular patrimônio maior do que o suficiente para viver com largueza. Ela advoga o limite de US$ 10 milhões (R$ 61 milhões).

Autora de "Limitarianism: The Case Against Extreme Wealth" (limitarianismo, o argumento contra riqueza extrema), ela não se fixa na cifra, contudo. Poderiam ser 25 milhões, ou 100 milhões. Importa o princípio a ser reconhecido pela sociedade, não tanto a quantia.

O bilionário Elon Musk durante evento com Donald Trump em hotel em Washington, em novembro de 2024 - Allison Robbert/via Reuters

O livro saiu no Reino Unido e nos Estados Unidos, além da Holanda e da Alemanha. Em breve será publicado em coreano, croata, dinamarquês, espanhol, italiano, japonês e russo.

O PDF de uma obra editada por ela, "Having too much: Philosophical Essays on Limitarianism" (ter demais, ensaios filosóficos sobre limitarianismo) pode ser baixado de graça em inglês e em espanhol.

Robeyns alinhava razões de cunho ético, político e ecológico em favor da proposta. A primeira se volta contra a noção de que ganhos estratosféricos de bilionários como Musk e Mark Zuckerberg provêm de seus méritos como empresários inovadores e, assim, se justificam.

Nada disso, contesta a filósofa. O sucesso depende em grande medida de fatores que lhes escapam de controle, como nascer na família certa (em geral, afluente), no país certo (boas saúde e educação) e na hora certa (internet e smartphones).

Quantos Musks e Zuckers não nascem e morrem semi-analfabetos nas favelas, abatidos por balaços da polícia e de traficantes, em acidentes de moto ou picados pelo mosquito da dengue?

Nem mesmo o talento pessoal vem por merecimento, mas em boa parte dos genes. Sem tirar a sorte grande na loteria do nascimento, do berço ao DNA, não há esforço e persistência capazes de tornar alguém bilionário –ao contrário do que pregam (ex)coaches, pastores e outros escroques.

Do ângulo político, os ricos representam grave ameaça à democracia. Têm dinheiro bastante para financiar políticos, garantir a lealdade de partidos, fazer lobby de seus interesses e influenciar eleições. E, agora, envenenar a opinião pública.

A concentração atual de riqueza permite comprar o Twitter e pôr a rede a serviço de Trump. Impedir que o jornal The Washington Post endosse Kamala Harris, como fez Jeff BezosCancelar a moderação das plataformas Meta, à Zuckerberg, para faturar com racismo, homofobia e misoginia.

Por fim, o estilo de vida dessa gente realimenta o aquecimento global. Enquanto um africano emite uma tonelada de carbono por ano na atmosfera, bilionários respondem por até 30 mil toneladas, e isso só com mansões, barcos e aviões, sem contar emissões das empresas que controlam.

Robeyns também pica miudinho a tese de que o veto a bilionários destruirá o incentivo para visionários construírem empresas como a Amazon, mas sua argumentação não cabe aqui. Basta lê-la no blog Crooked Timber para entender que ninguém será impedido de projetar um Tesla ou dirigir um Porsche.

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