Sob o sol escaldante do fim da manhã, o produtor rural Edilson R. Silveira, 61, mostra à reportagem as instalações de sua fazenda em Janaúba (MG), a 550 quilômetros de Belo Horizonte, de onde envia quatro mil litros de leite por dia para produção de leite condensado em uma multinacional.
A propriedade de Silveira, como todas no entorno, foi herdada do avô, que criava gado de corte como muitos fazendeiros em uma região orgulhosa da qualidade de sua carne. Hoje, nessa área, os rebanhos dividem espaço com uma enormidade de painéis fotovoltaicos.
"Antes a gente reclamava do sol. Hoje a gente adora ele", brinca Edilson. Ele assinou contrato de cessão por 35 anos de dois terços dos cerca de 600 hectares de sua propriedade para a instalação dos painéis. "É uma aposentadoria, né?"
Edilson é um dos 23 proprietários contratados pela Elera Renováveis para a instalação do Complexo Solar Janaúba, um conjunto de 27 usinas com capacidade somada de 1,6 GWp (gigawatts-pico), instalados em uma área do tamanho de Diadema, na Grande São Paulo.
Fruto de um investimento de R$ 5 bilhões, é o maior parque solar do Hemisfério Sul, com 2,9 milhões de painéis fotovoltaicos. Tem capacidade para atender o consumo residencial e 1,2 milhão de pessoas.
Os proprietários evitam falar sobre o valor do aluguel, alegando sigilo contratual, mas a Folha apurou que o valor anual gira em torno de R$ 3 mil por hectare na região —a Elera diz que, com o projeto completo, vai gastar entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões por ano com a cessão de uso do solo.
A chegada do parque solar, que iniciou suas operações em 2023, mudou a vida não só dos produtores rurais. "A maioria das pessoas que residem aqui trabalha lá", diz a estudante Maíra Pereira da Silva, 24, moradora da comunidade rural Quem Quem, próxima ao parque.
"Contrataram pessoas da minha idade, também mais novas, estão fazendo cursos para treinar o pessoal. Uma coisa que não tinha na minha época", continua ela, que se mudou para a área urbana do município para estudar biomedicina.
Há três anos, quando as obras do parque ainda estavam iniciando, moradores da comunidade temiam que os projetos substituíssem os pastos e roças que lhes garantiam empregos precários. A baixa qualificação era um desafio ao aproveitamento de mão de obra local.
As vagas eram ocupadas principalmente por forasteiros, que lotavam hotéis, bares e restaurantes da cidade. Desde então, programas de treinamento qualificaram pessoal local para obras e operação de usinas solares.
Charline Maria dos Santos, 34, por exemplo, trabalhava em um dos diversos bananais da região quando soube que o complexo abriria oportunidades para os locais. Divorciada e com uma filha para criar, ganhava em torno de R$ 800 por mês na roça.
Conseguiu uma vaga para marcar ponto de funcionários de uma empresa terceirizada nas obras. Dois anos e um curso depois, foi contratada pela Elera como eletricista com um salário cinco vezes superior ao que tirava por mês fazendo bicos na colheita de bananas.
"Hoje vivo uma outra realidade. Hoje, graças a Deus, minha filha pode ter tudo o que quiser", comemora, acrescentando que realizou o sonho de infância de viajar e conhecer Búzios, balneário no litoral do Rio de Janeiro.
A produção de banana e o gado de corte eram as principais atividades econômicas de Janaúba, cidade com 70.699 mil habitantes segundo o Censo 2022, antes da explosão de investimentos em energia solar no país. Hoje, a cidade tem a maior capacidade em operação e construção dessa fonte no país.
A irradiação favorável e as grandes áreas de pasto atraíram tanto grandes projetos quanto pequenas centrais para geração distribuída de energia. São tantas placas que a população brinca que um dia o gado vai sumir —segundo o IBGE, porém, o rebanho só cresce nos últimos anos.
O número de empregos formais no setor privado, que girava em torno de 9 mil durante os anos 2010, saltou para acima de 12 mil em 2021. O PIB municipal cresceu 20% desde 2018, quando o complexo da Elera começou a ser projetado.
A bonança impulsiona a economia local e ajudou a reeleger o prefeito, Zé Aparecido (PSD), com 96% dos votos válidos, o maior percentual do país, ajudado pela explosão da arrecadação municipal —que mais que dobrou entre 2018 e 2023, quando somou R$ 336,2 milhões.
No período, a prefeitura quadruplicou investimentos e dobrou os gastos com pessoal. O prefeito diz que sua reeleição se deve também à "gestão profissional". "Busquei só profissionais de alta qualidade e competência para poder montar uma equipe", afirma. .
"O planejamento, com recursos que eu busquei junto com governos, principalmente o federal, é que fez a diferença. E aplicação de cada centavo com muita lisura", afirma, citando como principal obra o Hospital do Câncer inaugurado em junho.
Segundo dados compilados pela Aequus Consultoria, o número de estabelecimentos comerciais saltou de 1,5 mil no último ano antes da pandemia para 1,9 mil em 2022. São novas lojas, restaurantes e hotéis ainda em construção.
"Antigamente a gente vivia oscilando, tinha dia que vendia bastante e tinha dia que não vendia", diz Jarbas Rodrigues da Silva, 30, proprietário de um restaurante. "Esse pessoal que chegou já tinha costume de sair e agora, mesmo numa terça ou quarta-feira, a gente consegue ter uma clientela boa".
Atualmente, a cidade sedia outra grande obra do setor, o Projeto Fotovoltaico Vista Alegre, da Atlas Renováveis, com capacidade de 902 MWp (megawatts-pico), que lhe garantem o posto de segunda maior usina da fonte no país.
As obras dos dois grandes parques, porém, estão sendo concluídas, o que gera apreensão entre moradores diante da desmobilização dos trabalhadores.
"É uma cidade que vive principalmente do primário, que é agropecuária", diz o prefeito. "Então isso aí é algo que é importantíssimo, mas é temporário. Os empregos vêm, as empresas terminam a obra e vão embora", completa ele, que reclama a demora em repasses do ICMS por parte do governo estadual.
Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram, por exemplo, que o estoque de trabalhadores em obras de geração de energia elétrica no município caiu de mais de 1,9 mil em 2021 para cerca de 300 nos dois últimos anos.
Formadora de grande parte dos trabalhadores locais para as obras dos parques, a Elera reconhece que o número de empregos durante a operação é bem menor do que o gerado na fase de construção. Mas diz que tem feito cursos de qualificação para ajudar na busca por emprego em outras áreas, como logística.
Programas de qualificação em criação de animais e plantio nos quintais também são vistos pela empresa como alternativa para gerar renda para as comunidades mais carentes, que não têm renda fixa com os painéis, como os fazendeiros.
Primo do produtor de leite Edilson, Jorge Rodrigues da Silveira, 67, arrendou 160 do seus 252 hectares para a geração de energia. Usava a área como pasto para gado de corte e estima que lucrava 10% do que ganha hoje com as placas. "O gado dá trabalho, te bota para trabalhar e você não pode parar", diz.
Ele passa metade da semana em Montes Claros e metade em Janaúba, onde mantém um pequeno rebanho para "manter a cabeça ocupada". "A gente fica [na fazenda] porque faz parte né? Se ficar em Montes Claros ali de segunda a segunda, não dá".
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