quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Desarranjo político, Hélio Schwartsman, FSP

Como já escrevi aqui algumas vezes, por mim não existiriam as famosas emendas parlamentares ao Orçamento. Elas são uma forma pouco democrática de perpetuar incumbentes em seus cargos, atomizam e tiram a eficácia dos gastos públicos e ainda relegam vastas áreas do país (aquelas que não são reduto eleitoral de nenhum congressista) à penúria. Vários países vivem bem sem elas.

Mas as emendas são também o modo de repartição do poder entre Executivo e Legislativo que acabou se impondo ao longo da última década. É um arranjo subótimo, mas não dá simplesmente para eliminá-lo sem colocar outra coisa no lugar.

Reunião entre os presidentes da Câmara e do Senado, deputado Arthur Lira (de costas, terno claro) e senador Rodrigo Pacheco (E), para tratar da questão das emendas parlamentares com o ministro Flávio Dino (C) e o AGU (Advogado Geral da União), ministro Jorge Messias - Pedro Ladeira - 23.out.24/Folhapress

Idealmente, coalizões de governo seriam formadas em cima de parentesco ideológico entre as legendas e de propostas concretas para a administração. Subidealmente, viria a distribuição de ministérios e cargos de segundo e terceiro escalão a partidos aliados ao presidente.

A picotagem das verbas disponíveis para investimento desponta como um distante terceiro lugar. Só não é pior do que os esquemas manifestamente ilegais de compra de parlamentares, que são, em bom português, corrupção. Nós os vimos em ação de forma escancarada no mensalão e no petrolão. Mas roubar e deixar roubar em nome da governabilidade não é uma invenção do PT.

O fato de as emendas serem uma forma degradada de manter coalizões estáveis de modo nenhum autoriza os parlamentares a faltarem com a transparência na alocação desses recursos. A opacidade só favorece a fraude e contribui para piorar o que já é ruim.

Nesse contexto, me parecem corretas as decisões do ministro Flávio Dino, do STF, que cobram do Congresso uma contabilidade mais aberta. Quando se trata de verbas públicas, transparência não é um opcional. Parlamentos surgiram justamente para controlar para onde ia o dinheiro dos impostos recolhido pelos soberanos.

Receio, porém, que não será por meio de decisões judiciais que resolveremos a contento a questão. A falta de transparência é só um dos problemas das emendas. Uma solução mais estável passa por repactuar a divisão dos poderes. 

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