Tenho três orgulhos em viagem: ser bom em direções, me conectar com pessoas e cultura local e não cair em golpes turísticos. O último orgulho foi ferido durante viagem que fiz em Manaus em setembro. Queria muito ver o encontro das águas, onde Rio Negro e Amazonas (aqui chamado de Solimões) se encontram, mas não se misturam num primeiro momento.
Manaus já vivia a seca extrema e uma fumaça provinda das queimadas que pairava sobre seu ar, além de um calor que nunca tinha sentido. Mas nada disso me tiravam o brilho no olho de estar ali pela primeira vez querendo conhecer mais da sua história e cultura local.
No Porto e no Mercado Público de Manaus várias agências vendem o passeio para o atrativo que eu queria conhecer, mas ele também incluía nadar com os botos e visita a uma aldeia indígena.
Em 2016, fiz um mochilão em que rodei 25 países dos cinco continentes, a maior parte deles novos para mim e não cai em nenhuma armadilha turística. Fugi, por exemplo, de ir a um passeio com elefantes na Tailândia, pois sabia que os animais estavam ali em cativeiro e que a atividade turística causava neles estresse e sofrimento.
Foi o caso do passeio que realizei e que incluía nadar com os botos. Eu não desci na água, mas meus colegas turistas se divertiram em ver o boto tão perto, sendo alimentado com peixes para ali estar. A cena era bizarra e a minha vergonha de compactuar com aquilo era enorme.
Mas como a vida é complexa: uma das pessoas que trabalhava no empreendimento relatou o quanto aquela atividade era importante e que a vida antes era extremamente difícil pois atuava no seringal. O turismo era, portanto, uma fonte de renda digna.
O pior estava por vir: a visita a aldeia indígena. Quando chegamos ao local, não era uma aldeia, mas um lugar na floresta atrás do restaurante em que almoçamos, no qual pessoas indígenas vinham se apresentar para os turistas. Não conversamos, não soubemos que língua indígena falavam, não entendemos da sua cultura, não estivemos em sua casa, mas eles dançavam em roda e pintavam os turistas.
As mulheres de peitos destampados, tinham penas que cobriam eles parcialmente. Elas tinham uma vergonha ancestral e olhavam o tempo todo para baixo. Nenhum deles estava feliz de estar ali. Minha vergonha agora era tristeza: tinha vontade de chorar copiosamente por aquela situação.
Uma das turistas ao meu lado disse que eles pareciam inocentes e que tinha vontade de levá-los para casa. Um pensamento colonizador que vem da falta de conhecimento das diferentes etnias que habitam a Amazônia perpetuado pela experiência turística que não nos permite de fato trocar com aquelas pessoas, restringindo-se apenas a observar algo que parece exótico para o povo da cidade.
Enquanto o grupo seguia para ver uma vitória régia, conversei com uma das mulheres indígenas que disse o quanto a atividade estava salvando a comunidade da fome. Na sequência, chegaram mais dois grupos de turistas e a apresentação dos indígenas foi repetida de novo e de novo.
O turismo de massa faz isso. Aqueles visitantes vão sair dizendo que conheceram uma aldeia indígena e do quantos os povos originários "são bonitos", sem saber da sua luta, cultura e visão de mundo, sem experimentar sua comida ou vivenciar seus rituais.
A dificuldade de sobrevivência de alguns dos povos originários sem precisar de ajuda dos governos é gigante, mas também me questionei qual o valor daquele passeio que paguei chega a eles.
Se o afroturismo ainda é novo e desafiador, percebi que o turismo indígena tem complexidades ainda maiores. Não tenho uma conclusão, mas é uma experiência bastante controversa e pela qual não queria ter passado.
Só me questiono se os órgãos governamentais de turismo compactuam com esse tipo de turismo e sei que há alternativas mais responsáveis para conhecer animais e povos da floresta. Nós, como turistas, somos responsáveis por buscá-las e impedir que práticas como essa se perpetuem.
O turismo pode e deve ser sustentável e aliado das comunidades, produzindo experiências transformadoras e diversas. São essas as práticas que quero buscar em uma próxima viagem na Amazônia, esse lugar que todos os brasileiros precisam conhecer e contribuir para preservar.
OUTRO LADO
A Empresa Estadual de Turismo (Amazonastur), informa que atua na sensibilização de guias e turistas em prol da execução do turismo consciente por meio da proteção aos animais silvestres e do respeito ao espaço de povos originários na Amazônia.
O processo, segunda a empresa, ocorre por meio de grupos de trabalho e campanhas. Entre elas está a "Não toque. Observe". "Ferramenta para promover o respeito aos animais silvestres que não podem e nem devem ser tocados durante visitações. A ação tem como objetivo manter os animais dentro de seus comportamentos naturais, evitando assim a possibilidade de que os animais vivam uma rotina que fuja da sua natureza", reforça.
Além disso, a Amazonastur afirma que realiza o Plano de Ordenamento Turístico (POT) com as comunidades indígenas, onde busca promover o fortalecimento do Etnoturismo no Estado. A ação foi executada inicialmente em quatro comunidades indígenas – Cipiá, Tatuyo, Diakuru e Tuyuka - e com trabalho conjunto, as comunidades e Amazonastur estabelecem objetivos para ordenar a atividade turística, de forma a respeitar a cultura e tradição das comunidades.
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