Foi bem antes da polarização distópica cravar uma linha divisória nos nossos hábitos gastronômicos. Havia um tempo em que o Bis não era chocolate de esquerda e o hambúrguer Madero não era um símbolo da direita. Uma lata de Leite Moça era apenas uma tentação.
Foi bem antes. Ainda na década de 1980, há registros de Leonel Brizola usar o termo "cachaceiro" para se referir a Lula. Os tempos mudaram, as décadas passaram e muitas palavras foram ressignificadas. Mas o termo "cachaceiro" continua com a pecha pejorativa. E faz tempo que a direita se apropriou da palavra para ofender o atual presidente.
Notem que aqui não há uma defesa do presidente Lula. Mas, sim, do cachaceiro.
Criada por escravos em meados do século 16, a cachaça nasceu marginalizada. Assim como o samba, o funk e outras manifestações populares, a
cachaça era rechaçada por quem mantinha a cabeça em pé, levando os olhos a mirarem apenas o hemisfério norte.
Atenção! Alerta para o "momento Sebrae" do texto: "Estigmatizada durante muito tempo como ‘birita’ dos setores menos favorecidos da sociedade, a cachaça foi se sofisticando e, depois de ter sido valorizada no exterior, conquistou o paladar de grande parte dos brasileiros. Hoje, ela é considerada uma bebida nobre, e sua produção desenvolveu uma indústria sofisticada".
Por isso, a cachaça está umbilicalmente ligada à cultura brasileira. A caipirinha é uma brilhante contribuição do país para o mundo —tanto gastronômica quanto etimológica.
Hoje o Brasil produz cachaças para todos os gostos. Sofisticadas ou populares. Com mel ou com notas de carvalho tímido cultivado ao som de Pixinguinha. Caipirinhas e drinques gourmetizados. É possível beber com gosto, sem exageros.
Enólogos têm prestígio na sociedade. Cervejeiros e cervejeiras ganharam o epíteto de "mestre". O "cachaceiro" não. Continua soando como um xingamento classista, preconceituoso e ultrapassado.
No Brasil atual, não sei se a cachaça é de esquerda ou de direita. Mas convido o presidente Lula a assumir, com orgulho, a expressão que usam para desprezá-lo.
É como diz o "Mestre Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc: "Glória à farofa/ à cachaça, às baleias/ glória a todas as lutas inglórias/ que através da nossa história não esquecemos jamais/ salve o navegante negro".
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