sexta-feira, 3 de novembro de 2023

O fim da era Starbucks, Marcos Nogueira, \fsp

 Marcos Nogueira

SÃO PAULO

A Starbucks não vende café: vende cultura americana.

Assim, surpreende pouco a quebra dos operadores brasileiros da rede. Eles culparam a pandemia e o abstrato "custo Brasil". Não lhes ocorreu a hipótese da própria incompetência, tampouco a perda de relevância da marca.

Temos uma cultura robusta de café (trocadilho intencional) há 200 anos. A Starbucks nos oferece café-com-leite, literal e figurado –algo fraco, sem competitividade.

Fachada do café Starbucks da alameda Santos, em São Paulo, que fechou em outubro
Fachada do café Starbucks da alameda Santos, em São Paulo, que fechou em outubro - Danilo Verpa/Folhapress

A rede fundada em Seattle teve importância fundamental na pregação do evangelho cafeeiro. Mudou hábitos e ensinou rudimentos do café para milhões de pessoas em vários países, Brasil incluso.

Quando a Starbucks começou a se expandir, em 1987, o café que se tomava nos Estados Unidos passava o dia todo num bule de vidro aquecido. Coisa rala, clarinha, feita com grãos inferiores e torrados até virar carvão.

Esse ainda é o café padrão dos americanos, tão ruim que o servem de graça nas lanchonetes de beira de estrada. A Starbucks conquistou o consumidor urbano com grãos melhores e uma abordagem pretensamente cosmopolita.

Passei alguns meses na Califórnia em 1992. Naquela época, tanto lá quanto cá, a Itália invadia de forma inédita os supermercados: macarrão de trigo duro, tomate enlatado, vinagre balsâmico, azeites e conservas fascinavam consumidores acostumados com a porcaria local.

Era bacana se comportar como um italiano, do ponto de vista estritamente alimentar. Beber café é fundamental nessa rotina.

Em Berkeley, perto de São Francisco, havia (e ainda há) um lugar chamado Caffè Strada. O estafe de estudantes italianos servia aos gringos o trivial de seu país: expresso, cappuccino, caffè macchiato etc.

Já se notava um grau de miscigenação. O Strada vendia, por exemplo, um certo espresso doppio: expresso duplo, uma xícara de chá repleta de café forte, algo impensável na Itália.

Representante máximo da mesma tendência, a Starbucks mestiçou a cultura italiana do café com a obsessão dos americanos por bebidas doces em copos gigantescos de papel encerado.

Compre meio litro de frappuccino com avelã, baunilha, caramelo qualquer coisa que disfarce o gosto do café. Pegue esse balde de leite aromatizado e beba no carro, enquanto resolve pepinos do escritório no congestionamento. It’s the American way.

Quando a Starbucks chegou ao Brasil, em 2006, ninguém sabia de arábica, torra média, bourbon amarelo, microlote, hario ou prensa francesa. Predominava o expresso torrado e mal tirado.

Também aqui, a Starbucks subiu o sarrafo médio do café. E fez sucesso graças à jequice incurável do brasileiro, apaixonado por franquias americanas. Sucede que paixões são volúveis por natureza.

O café melhorou demais no Brasil, mas a Starbucks não acompanhou.

O que selou o declínio da operação brasileira, porém, foi a internet fácil em qualquer lugar. As lojas da Starbucks servem cultura americana e wi-fi, combo que perdeu o brilho e o borogodó.

Temos 4G e 5G. Temos pão de queijo mineiro e bolo de fubá. Temos cafezinho gostoso passado na hora. Não precisamos mais do café-com-leite da Starbucks.


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