Em seu Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País), lançado em 1966, o jornalista Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, criou um sofisticado mecanismo de humor que se baseava na reprodução de notícias com falas e atos de autoridades que, de tão absurdos, sequer precisavam de comentário para fazerem rir.
De lá para cá, o festival tornou-se uma tradição nacional celebrada tanto na direita como na esquerda. Jair Bolsonaro (PL) disse que o peixe, por ser inteligente, foge da mancha de petróleo; já Dilma Rousseff (PT) elogiou as "mulheres sapiens" enquanto saudava a mandioca.
Na última semana, a ministra da Igualdade Racial deu sua contribuição para o Febeapá, ao dizer que o termo "buraco negro" é racista. E foi além. Anielle Franco disse que usa "escurecer" no lugar de "esclarecer" para causar incômodo e, assim, fazer com que pessoas brancas percebam que há palavras racistas.
Ora, ministra, "buraco negro" e "esclarecer" não têm nada a ver com raça, mas sim com luminosidade. Um é objeto astronômico que suga tudo a sua volta, inclusive a luz; o outro é termo que significa iluminar para ver ou entender melhor.
É preciso deixar claro: não existe palavra racista a priori. Os significados das palavras se constituem a partir de interações em atos de fala, em contextos e com interlocutores específicos. O termo "macaco", que designa um tipo de primata, pode ser racista quando proferido num estádio de futebol para um jogador negro. Já em relação a "esclarecer" e "buraco negro", sequer há evidência empírica de uso racista.
A ministra fala da importância de um suposto "letramento racial" num país no qual mais da metade das crianças no 2º ano letivo não estão alfabetizadas, segundo o MEC.
Em vez de respaldar um festival de besteiras sobre linguística, o ministério deveria propor e cobrar ações pragmáticas, baseadas em evidências, que de fato contribuam para a diminuição da desigualdade social, que afeta sobretudo a população negra.
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