quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Hélio Schwartsman - Presidentes devem sempre dizer a verdade?, FSP

 SÃO PAULO

Lula afirmou que o déficit fiscal de 2024 não precisa ser zero e, ao dizer isso casualmente, acabou passando uma bela rasteira em Fernando Haddad, seu ministro da Fazenda. Pouca gente acredita em déficit zero, de modo que é possível dizer que Lula foi apenas honesto. Presidentes devem sempre dizer a verdade?

Acho que existem profissões que estão comprometidas com a honestidade. Penso que um médico, por exemplo, jamais pode mentir para o paciente competente que o questiona diretamente sobre seu estado de saúde. Fazê-lo, aliás, seria inútil, já que o paciente pode sempre requisitar seu prontuário e descobrir o que o médico desejava esconder. Mas o caso de presidentes é diferente.

Fernando Haddad e Lula, em foto na revista The Economist
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Reuters

Existem até situações em que o chefe de Estado é obrigado a mentir. Imagine que o governo prepara um plano econômico que inclui o congelamento de preços. Imagine também que um repórter pergunta ao presidente se haverá congelamento. Se o mandatário disser a verdade ou tentar sair pela tangente, ele estraga o plano, daí que negar o congelamento é um imperativo.

Acredito, porém, que esses sejam casos raros. Situações mais frequentes são aquelas em que o presidente tem o dever da omissão, isto é, de esconder o que ele realmente pensa, a fim de preservar espaços para a negociação política ou para não criar embaraços futuros. Diplomatas e policiais são outras categorias profissionais que precisam saber manter a boca fechada, mesmo que isso implique algum grau de ilusionismo e manipulação.

Lula não é um presidente inexperiente, que ainda está descobrindo o peso de suas palavras. Daí que há duas maneiras de interpretar sua declaração sobre o déficit. Ou ele pisou feio na bola, o que significa que está em pior forma do que se imaginava, ou quis mesmo passar um recado para Haddad. A pergunta é: por quê? A revisão às pressas da meta que ora se cogita parece mais uma operação de redução de danos.

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