Todas as faixas horárias da emissora vêm desapontando na audiência
Dois anos atrás, Ricardo Waddington, então diretor dos Estúdios Globo, me contou numa entrevista sobre um plano ambicioso. Ele pensava em pedir à cúpula da empresa uma espécie de moratória de dois anos, sem cobranças pela audiência, para testar novos formatos e novos autores da teledramaturgia.
Waddington saiu da Globo em meados de 2022, e seu projeto não foi adiante. Na verdade, a emissora ficou ainda mais conservadora do que já era. Com números decrescentes no Ibope em todos os seus horários de novela, a Globo tem apelado para remakes de títulos antigos e tramas rurais, que costumavam ser garantia de sucesso.
Pelo jeito, não mais. "Terra e Paixão", atual ocupante da faixa das 21 horas, até que não vai mal de audiência. Novos personagens e novos colaboradores deram uma boa sacudida no folhetim de Walcyr Carrasco. Mas a novela repercute pouco. A única subtrama que parece engajar o público é o quase romance entre Ramiro (Amaury Lorenzo) e Kelvin (Diego Martins), que anda em banho-maria ultimamente.
Às 18 horas, a nova versão de "Elas por Elas", escrita por Cassiano Gabus Mendes em 1982, modernizou o original, mas nem tanto. A inovação mais flagrante foi transformar a personagem Carmem, que havia sido interpretada por Maria Helena Dias, em Renée, uma mulher trans, vivida por Maria Clara Spinelli.
Mas muito do que foi mantido tem um leve cheiro de mofo. Por que Taís (Késia) não conta logo para Lara (Deborah Secco) que era ela a "patinha", a amante do finado Átila (Sergio Guizé)? Afinal, ela não sabia que o sujeito era casado. Mas claro que, se ela confessar, estragará o arco dramático de seu irmão, o incompetente detetive Mário Fofoca (Lázaro Ramos).
A aliança entre Cris (Valentina Herszage) e Tony (Richard Abelha), que se fingem de namorados para separar o casal Ísis (Rayssa Bratillieri) e Giovanni (Filipe Bragança) podia fazer sentido na década de 1980, mas soa forçada para os dias de hoje. O resultado é que "Elas por Elas" vem alcançando apenas 16 pontos na Grande São Paulo, um recorde negativo no horário.
A crise também se instaurou em "Fuzuê", das 19 horas, que vem perdendo audiência desde que estreou e já é o título de menor audiência do horário desde "Geração Brasil", que foi muito prejudicada pela Copa do Mundo de 2014.
A Globo convocou o experiente Ricardo Linhares para supervisionar o texto de Gustavo Reiz, mas as mudanças ainda não foram ao ar.
Todos esses esforços equivalem a trocar um pneu com o carro em movimento. No meu entender, as novelas precisam passar por uma profunda reformulação e arriscar bem mais se quiserem sobreviver.
Por que quase toda protagonista é uma mocinha batalhadora, de classe baixa, geralmente mãe solo? Por que esse é o perfil básico da espectadora de novelas? Mas suas histórias costumam ser mais do que previsíveis: são repetitivas.
E por que até hoje a descoberta de que os pais de um personagem não são quem ele imaginava continua sendo um dos pilares da nossa teledramaturgia? Esse recurso vem sendo usado desde os tempos do rádio, e já deu o que tinha que dar.
Desde que começou a pandemia, a Globo emplacou apenas duas novelas de sucesso indiscutível: "Pantanal" e "Vai na Fé". A primeira resgatou o novelão de tons épicos. A segunda conseguiu atingir um público jovem que andava afastado do gênero. Mas, e agora, o que vem pela frente? O remake de "Renascer", que estreia em janeiro, dará conta de sua pesada missão?
E de onde virá a renovação? Dos títulos mais ousados que são lançados primeiro no Globoplay? Da HBO Max, que grava simultaneamente as novelas "Beleza Fatal" e "Dona Beja", com menos capítulos do que as tramas da TV aberta? Ou a saída é embarcar no melodrama descabelado das novelas turcas, atual sensação do mercado internacional?
Enquanto isto, a TV Azteca, segunda maior rede aberta do México, anunciou que interromperá a produção de novelas. Sinal dos tempos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário