Paulo Vinicius Coelho (PVC)
A Rede Globo exibia a novela "Vale Tudo" em 22 de dezembro de 1988, data em que Chico Mendes foi brutalmente assassinado em Xapuri, no Acre, pelo filho do fazendeiro Darly Alves da Silva. Cazuza cantava a música de abertura da trama, cujo refrão era: "Brasil! Mostra a tua cara, quero ver quem paga, pra gente ficar assim. Brasil! Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Confia em mim".
O governo José Sarney (1985-1990) promulgou a nova Constituição e, mesmo assim, havia quem xingasse a democracia por exclusiva culpa de um governo incapaz de combater problemas sociais graves. A inflação anual era de 980% no mês do homicídio de Chico Mendes.
O ecologista acreano havia ajudado a aglutinar os seringueiros da Amazônia e foi condecorado pela ONU, no ano anterior, por seu ativismo a favor do meio ambiente. O assassinato teve enorme repercussão internacional, enquanto Cazuza cantava outro de seus versos, também da canção "Brasil": "O meu cartão de crédito é uma navalha".
Faz 34 anos e o país voltou a ser o mesmo? Tem inflação e remarcação de preços em níveis inferiores aos do final dos anos 1980, mas com brasileiros percebendo preços diferentes a cada visita ao supermercado.
A violência cresce, e a polícia invade comunidades no Rio de Janeiro, como a PM do ex-governador Orestes Quércia fazia a desocupação da Vila Socialista, em Diadema (1990), de forma impositiva e arbitrária.
Acima de todas as trágicas semelhanças, o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira são possivelmente mortos no coração da Amazônia. O Vale do Javari está para 2022 como Xapuri estava para 1988.
O Brasil não poderia ser diferente 34 anos depois?
Há poucos dias, parte do país se lembrou de que se completaram 30 anos da Eco 92, no Rio de Janeiro. A conferência foi importante, um marco para os debates sobre Justiça e meio ambiente. Estávamos três anos e meio depois da morte de Chico Mendes.
Os anos 1990 e a primeira década do século 21 deram a ideia de que o Brasil poderia melhorar. Faltaram as reformas, o investimento em educação e saúde, mas a esperança voltou aos rostos de pessoas —exceto para aquelas que lamentaram o sucesso da empregada doméstica que podia ir à Disney.
Então, nossa carruagem virou abóbora.
Dom Phillips nasceu no Merseyside e poderia sentar-se em Anfield para ver o Liverpool, de Jürgen Klopp. Sempre preferiu o trabalho árduo pelo meio ambiente. Como Bruno Pereira, funcionário de carreira da Funai exonerado em 2019 por pressão de ruralistas —um ano depois de ter chefiado a maior expedição em 20 anos para contato com indígenas isolados.
Os dois embrenharam-se pela Amazônia em busca de justiça e foram ameaçados por madeireiros, garimpeiros e pescadores, antes dos possíveis brutais assassinatos.
O cardápio completo para demonstrar que o Brasil não saiu —ou pior, voltou— ao século passado. Mais precisamente a 1988. O nosso atual vale-tudo tem inflação, misoginia, racismo e homicídio de quem defende respeito, igualdade, inclusão e meio ambiente.
Cazuza já cantava há 34 anos: "Será que é o meu fim ver TV a cores, na taba de um índio, programada para só dizer sim?".
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