Pelas teorias mais tradicionais, o magistrado deveria julgar apenas de acordo com a lei, abstendo-se de quaisquer considerações políticas, pessoais e até de reflexões sobre danos colaterais que possam advir de seu juízo. "Fiat iustitia, et pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), na fórmula de Immanuel Kant.
O problema é que não é legal quando o mundo perece, daí que é mais ou menos inevitável que juízes levem em conta não só a lei mas também o contexto sociopolítico e econômico antes de proferir suas sentenças. Isso é especialmente verdade nas cortes superiores nas quais se concentram causas de grande repercussão.
É sob essa chave que se deve interpretar a decisão do TSE do ano passado que cassara o mandato do deputado federal bolsonarista Fernando Francischini, o qual ganhou breve sobrevida graças a manobras de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, a dupla de ministros do STF indicada por Bolsonaro. Francischini basicamente disse um monte de mentiras sobre a urna eletrônica. Ora, ver políticos mentindo sobre todos os assuntos não é exatamente inédito e raramente leva a cassações.
O que há de diferente no caso de Francischini é que ele ocorre em meio à campanha de Bolsonaro para erodir a confiança nas urnas e no Judiciário e, em última instância, a própria democracia. Diante disso, os ministros do TSE, num claro recado ao presidente, não hesitaram em enquadrar as falas do deputado nos delitos de uso indevido de meios de comunicação e abuso de poder político. É para isso que existem esses tipos abertos, em que cabe mais ou menos tudo.
Nessa queda de braço, o Judiciário está certo, e Bolsonaro, errado. Marques e Mendonça agiram contra a própria casa. Alguém deveria avisá-los que ministros do STF só precisam bajular superiores até ter a indicação confirmada pelo Senado. Depois, ficam livres para julgar segundo suas consciências, caso as tenham.
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