Em 2013 e 2014, as bancas de jornal —bons termômetros daquela realidade— colocavam em lugar de destaque revistas sobre lanchas, carros e estilo de vida. Estava claro que as injeções de crédito haviam levado o consumo a patamares altos demais e que aquilo se tornaria insustentável.
Prever o passado é fácil, mas o resultado do último ciclo de commodities foi embora, a recessão de 2015 e 2016 impôs-se, e o brasileiro teve de reaprender a usar seu dinheiro. Já no fim da década, os juros declinaram, atingindo patamares historicamente baixos, o retorno recebido pelo risco de empreender tornou-se mais interessante.
Agora, os destaques das bancas de jornal são gôndolas com brinquedos e doces e geladeiras com refrigerante e cerveja. O empreendedorismo, por necessidade ou oportunidade, ganhou corpo e hipertrofiou-se.
Com tanta gente empreendendo, com o risco pagando altos retornos, o número de investidores explodiu. O Brasil, "paraíso dos rentistas" —que ganham com o dinheiro parado—, passou a trazer oportunidades para quem estava disposto a correr para a Bolsa de Valores. Da casa dos 500 mil investidores na Bolsa, em 2016, passamos para 5 milhões, neste ano.
A publicidade na internet (novo termômetro da realidade) encheu-se de anúncios relacionados a esse novo mercado. No YouTube, chamadas da Empiricus (que vende relatórios de investimentos); vídeos do Primo Rico (que dá lições sobre como investir); e anúncios do TC (plataforma de informações para investidores) tomaram conta das telinhas.
Claro que, por ser do meio, minha navegação é afetada pelo onipresente algoritmo, mas é inegável o volume investido na expansão desse novo mercado financeiro. A abertura de capital do Nubank (NUBR33) levantou US$ 2,6 bilhões (quase R$ 13 bilhões), em dezembro de 2021. O TC (TRAD3) levantou outros R$ 607 milhões, em julho.
No início de 2022, ouvi do dono de uma empresa de serviços financeiros, com centenas de funcionários: "A gente sabe que tudo neste setor está superavaliado e estamos torrando dinheiro agora a tempo de entrar nessa bolha, antes que voltem aos preços da realidade".
Agora, ficou claro que o choque da nova realidade bateu à porta de quem surfou a onda. Três grandes demissões foram anunciadas só neste mês.
Um ano depois de ser comprada pelo banco BTG Pactual, por R$ 690 milhões, a Empiricus demitiu 12% dos funcionários das quatro empresas do grupo. O Grupo Primo, de Thiago Nigro, do canal O Primo Rico, anunciou corte de 20% do pessoal. A 2TM, dona do Mercado Bitcoin (corretora de criptomoedas), anunciou cortes que, segundo notícias, atingem a 90 pessoas.
Já a empresa de serviços financeiros cujo dono queria "surfar na bolha" parece ter queimado mais dinheiro do que podia e hoje é acusada de travar dinheiro de centenas de clientes.
O passo atrás na linha temporal é essencial para entender o movimento cíclico. E que as oportunidades no mercado financeiro sempre existem, mas os excessos costumam ser punidos pelo tempo. Para aproveitar as ondas, é preciso ter uma carteira que resista às mudanças de maré.
Estamos em um novo ciclo de alta de commodities, da inflação e de taxa básica de juros. Ignorar isso é um pecado com o seu dinheiro, tal qual ignorar que isso daqui a pouco vai mudar e que as ações que hoje estão "amassadas" vão tomar espaço no mercado, quando o crédito voltar a circular. Com equilíbrio e racionalidade, bastam pequenos ajustes para evitar ser pego no contrapé.
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