Chamemos as coisas pelo que elas são. Bolsonaro afirmar que a viagem de Bruno Pereira e Dom Phillips era uma "aventura não recomendável" e que o jornalista inglês não era "bem-visto na região" do Javari significa dizer, diante de suas mortes: "Bem feito!".
Os dois heróis arriscavam a vida para salvar a Amazônia, por isso foram assassinados, esquartejados e carbonizados por criminosos. E o que o sociopata tem a dizer? Que os errados eram eles. É essa a situação em que nos encontramos —e, infelizmente, não é surpresa alguma.
Jair Bolsonaro já cometeu inúmeros crimes e pagará por eles na cadeia, senão por meio da Justiça brasileira, por tribunais internacionais, como aconteceu com Slobodan Milosevic após o genocídio na Guerra da Bósnia. (No "Massacre de Srebrenica" morreram cerca de 8.500 pessoas: estima-se que mais de cem mil brasileiros faleceram por conta da sabotagem federal no combate à pandemia, sem contar outros milhares que, como Genivaldo, asfixiado com gás lacrimogêneo numa viatura, foram e são vítimas da polícia, estimulada diuturnamente por Bolsonaro a matar pobres e pretos).
Mas como eu ia dizendo: entre os inúmeros crimes cometidos por este animal não está o de estelionato eleitoral. O lobo nunca vestiu pele de cordeiro.
No discurso a uma semana da eleição, via celular, na Paulista, ele verbalizou claramente que quem não concordasse com suas ideias deveria sair do país ou iria "para a ponta da praia", ou seja, seria assassinado. ("Ponta da praia" era o local onde a Marinha torturava e matava durante a ditadura).
Também disse no Clube Hebraica, durante a campanha, que iria "acabar com todos os ativismos" e não iria demarcar um metro quadrado de terra indígena ou quilombola. Pois bem, o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira não foi encomendado por Bolsonaro, mas foi estimulado por ele: é isso o que ele prega e para isso ele trabalha desde que entrou na política.
Afirmar que o jornalista Dom Phillips não era "bem-visto" numa área habitada por criminosos, Bolsonaro não sabe, é elogio. É como afirmar que Marcelo Freixo não é bem-visto em Rio das Pedras, território da milícia carioca (reduto eleitoral da família Bolsonaro), que Martin Luther King não era bem-visto pelos fazendeiros brancos do Texas ou que Jesus não era bem-visto pelos romanos. De fato, era "uma aventura não recomendável" pregar o amor e a justiça na Galileia.
Nesta semana eu escutei um episódio lindo do podcast "This American Life". (Obrigado pela sugestão, Raquel). São histórias de crianças e suas formas de pensar. ("Kids logic", Ep. 605). Numa delas, um pai conta que a filha de quatro anos quis saber o que era o Natal. Ele explicou que era a comemoração do nascimento de Jesus. A menina interessou-se. O pai explicou o que sabia, comprou uma Bíblia infantil e por semanas Jesus foi o tema preferido da garota. (A única parte omitida da história foi, bem, o fim).
Um dia, porém, passaram por uma igreja e a menina viu Jesus na cruz. "Quem é ele?". O pai, amuado, contou que era Jesus e explicou que a mensagem dele era tão radical que os romanos decidiram matá-lo.
Um mês depois, outro feriado, o "Martin Luther King Day". A garotinha quis saber quem era. O pai explicou: era um pregador que trazia a mensagem de que todos deveriam ser tratados da mesma maneira. A menina se iluminou: "É o que Jesus dizia!". O pai pensou por um tempo. "Verdade, era mesmo". A menina, então, nublou: "Mataram ele também?".
Em outubro teremos, de um lado, 11 candidatos a presidente, do outro, Pôncio Pilatos. De um lado, Bruno e Dom, do outro, seus assassinos. Não me parece uma escolha muito difícil.
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