quarta-feira, 15 de junho de 2022

Machado, cultura e política, Marco Maciel, Zero Hora (RS) 12/12/2008

 O transcurso do centenário da morte de Machado de Assis parece unir o sentimento de toda a nação ao fazer memória da vida e obra do escritor, fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL). Pela densa contribuição ao enriquecimento cultural do país, à vertebração da identidade de nosso povo nas diversas áreas da literatura e das artes, o criador e a criatura, o homem e a instituição, constituem efemérides que não podem deixar de ser festejadas.


Joaquim Maria Machado de Assis, no seu primeiro discurso na ABL, afirma que o desejo da Casa é “conservar, no meio da federação política, a unidade literária” e que “o batismo de suas cadeiras [...] é indício de que a tradição é o seu primeiro voto”. Em fins de 1897, Machado anuncia que a “Academia [...] buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á, então, defendê-la daquilo que não provinha das fontes legítimas – o povo e os escritores, – não confundindo a moda que perece, com o moderno, que vivifica”. “Guardar” – salienta – “não é impor; nenhum [...] tem para si que a Academia decrete fórmulas. E, depois, para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas”.


Joaquim Nabuco, então secretário-geral da ABL, observa: “A pátria e a religião são, em certo sentido, cativeiros irresgatáveis para a imaginação, condições do fiat intelectual”. E acrescenta: “A política, isto é, o sentimento do perigo e da glória, da grandeza ou queda do país, é uma fonte de inspiração de que se ressente em cada povo a literatura toda de uma época, mas para a política pertencer à literatura e entrar na Academia é preciso que ela não seja o seu próprio objeto; que desapareça na criação que produziu, como o mercúrio nos amálgamas de ouro e prata”.


A “cultura une e a política divide”, disse com o seu habitual ceticismo o filósofo italiano Norberto Bobbio. Sem desejar infirmar tal sentença, cabe recordar que o culto que prestamos a Machado de Assis propicia uma reflexão sobre pontos de interseção entre o mundo da cultura e o da política.


Conquanto tivesse Machado de Assis “tédio à controvérsia”, como certa feita revelara, sempre demonstrou, ao contrário do que alguns asseveram, seu interesse pelas grandes questões nacionais e expendia, com freqüência, suas opiniões. Era abolicionista e apreciava o sistema semiparlamentarista que se adotara no Segundo Reinado. Embora não fosse contra a República, temia que sua implantação afetasse a estabilidade política que o país desfrutava.


A vastíssima obra de Machado e a concisão do seu estilo o consagraram como escritor que perpassou novas fronteiras, tornando-o admirado universalmente como um clássico. Não por outra razão, Augusto Meyer afirma: “Machado de Assis continua a ser o ‘único’ na história da literatura brasileira [...] Cresceu em variedade relativa, dentro da mesma profundidade”.

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