Na coluna de 11 de junho, mostrei que a nossa grande crise, do segundo trimestre de 2014 até o quarto trimestre de 2016, acarretou perda permanente de 10% no nível da economia.
Essa perda é distinta daquela ocorrida na taxa de crescimento do produto potencial. Isto é, mesmo considerando que fatores exógenos —como o fim do boom das commodities ou a mudança do regime de chuvas— tenham reduzido o potencial de crescimento de nossa economia, houve perda adicional de 10%. Mais detalhes no Blog do Ibre.
No Blog do Ibre, o leitor Raul Santos, em comentário, fez indagação muito pertinente: "Qual seria o fundamento microeconômico para um efeito tão persistente decorrente da má alocação"?. Optei por lhe responder com esta coluna.
Minha interpretação é que a perda permanente foi fruto do elevado nível de artificialidade que vigorava na economia em razão de política econômica errada desde o segundo mandato de Lula.
Em 2014, a taxa de desemprego estava três pontos percentuais abaixo da natural. Todo esse emprego foi alocado em atividades que não apresentavam rentabilidade privada suficientemente elevada para custear o trabalho nos termos contratados.
Também o investimento no período tinha um elevado grau de artificialidade. Explicando melhor, o setor público e o setor privado geraram por anos crédito para investimentos em atividade que maturaram mal. O investimento entra no PIB. Como eles maturaram mal, não geraram caixa. No final do ciclo, as empresas tinham dívida, mas não tinham produção. Evidentemente, o investimento teve que despencar, pois um novo ciclo de investimento teria que se sustentar no retorno gerado pelo ciclo anterior.
Para impedir a queda do investimento, dado que o ciclo de investimento tinha dado errado, algumas condições seriam imprescindíveis: que houvesse projetos rentáveis (isto é, de boa qualidade) prontos para sustentar novo ciclo de crescimento; que houvesse instituições financeiras, públicas e privadas, internacionais e domésticas, com apetite e disponibilidade de caixa para financiá-los; e que o custo de capital de um novo ciclo de endividamento, numa sociedade que já estava muito endividada, que poupa pouco e na qual o custo de capital é historicamente um dos mais elevados do mundo, não subisse para níveis estratosféricos. Desnecessário dizer que essas condições não estavam dadas e que não estava ao alcance da política econômica construí-las.
Para termos uma ideia quantitativa da situação à época, a média das taxas de investimento no quadriênio de Dilma 1 foi de 22% do PIB. Somente a Petrobras respondia por pouco mais de dois pontos percentuais desse total. Tivemos os investimentos com recursos do Tesouro, como o programa MCMV, entre outros, além de todo o investimento na indústria naval e no Grupo X, de Eike Batista, dentre tantos outros que maturaram mal. Quando o custo de capital para o Tesouro subiu muito, esses programas tiveram que ser descontinuados.
Outros setores afetados por erros de política econômica foram o sucroalcooleiro e todo o automobilístico.
O primeiro porque ficou sem caixa para pagar suas dívidas em razão da perda de rentabilidade induzida pela política de preços da gasolina conduzida pela Petrobras à época; o setor automobilístico, por causa do esgotamento de uma política agressiva de compras subsidiadas de caminhões e investimento em novas fábricas, com a expectativa de que o mercado brasileiro rapidamente caminhasse para um consumo de 5 milhões de unidades/ano de automóveis.
Faz todo o sentido que 1/3 de tudo que se investia ao longo do primeiro mandato de Dilma tenha maturado mal e que, portanto, o investimento tivesse que cair muito.
Diria que esses dois fatores —taxa de desemprego artificialmente baixa e maus investimentos— explicam o problema microeconômico, isto é, de má alocação de recursos, que descrevem a queda permanente da atividade brasileira em 10% no triênio 2014 até 2016.
É em tese possível que parte da perda permanente tenha sido causada pelo fato de a política econômica posterior a 2016 ter sido muito contracionista e ter gerado carência de demanda agregada. Argumenta-se que o longo desemprego teria causado histerese —perda permanente de capacidade produtiva pela perda de capital humano específico. Esse argumento não me parece relevante do ponto de vista quantitativo, pois a perda de capital humano específico ocorre nos trabalhadores de maiores níveis de escolaridade. Não é o caso da força de trabalho no Brasil.
Crescimento econômico não é um ato de vontade. Os incentivos e toda a institucionalidade precisam ser bem construídos para que um ciclo de investimento não se transforme somente em dívida e desperdício.
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