15.jun.2022 às 20h27
Golpes de Estado costumam ser tramados nos subterrâneos, em horas mortas e por mensagens em código. Como jornalista, fui testemunha de dois: o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968 (o golpe dentro do golpe), e a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 25 de abril de 1974. Mesmo os bem informados só ficaram sabendo deles quando, respectivamente, no Rio, o AI-5 foi comunicado pela televisão, e, em Lisboa, os tanques saíram às ruas. Em ambos, por mais que o clima estivesse pesado, ninguém falava em golpe na véspera.
No Brasil de hoje não se fala em outra coisa. Jair Bolsonaro, cada vez mais certo de que perderá a eleição, já não esconde que sua única salvação é o golpe. Para isso, precisa subverter as instituições, jogando a nação contra o Judiciário, prostituindo o Legislativo com o dinheiro que extorque do Tesouro, corrompendo oficiais menores e policiais para marchar com ele na aventura, infiltrando bufões na Justiça e armando civis de todas as extrações, dentro ou fora da lei, com óbvio objetivo.
É um caso único de golpe com data marcada, como um espetáculo de teatro: ensaio geral a 7 de setembro, com tumulto e violência para coagir, e a estreia —o golpe propriamente dito—, a 3 de outubro, antes que as urnas lhe tirem as imunidades. Não tem outra saída.
Para alguns, o golpe, que até há pouco era uma ameaça real, não tem mais como acontecer; e justamente por não se falar em outra coisa --por estar sendo tão exposto e denunciado. Mas isso pode ser uma ilusão. Um dos atores centrais dessa comédia continua mudo: o Exército. Não pia aos arrotos de seu Líder Supremo.
Talvez os generais ainda não tenham se decidido sobre o que fazer se os baderneiros de Bolsonaro tomarem as ruas —se os reprimem, como seria de seu dever constitucional, ou se aderem e não se envergonham de, no mesmo dia, bater continência para Daniel Silveira.
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