Uma notícia desta semana que ficará na história do capitalismo passou despercebida na imprensa brasileira. O Parlamento Europeu aprovou o fim da venda de veículos com motor a combustão a partir de 2035. A decisão parte de diversas motivações. Os automóveis, principais emissores de gases poluentes, viraram o novo cigarro para os especialistas de saúde pública.
Com um aumento de 55% no número de mortes globais relacionadas à poluição do ar desde 2000, o carro passou a matar mais pela poluição no ar do que pelos acidentes na estrada. Em seguida, contra as análises mais pessimistas que previam uma estagnação da luta contra o aquecimento global depois da Guerra da Ucrânia, os tecnocratas europeus viram na regulação climática uma arma para acelerar
a grande divergência energética entre Europa e Ásia.
Para a indústria automobilística, a decisão europeia marca o fim da hegemonia iniciada pelo motor do Ford T, que transformou a economia global no começo do século 20. Não é por acaso que o coronavírus se disseminou por Wuhan, a "cidade dos motores", e pela Lombardia, polo de peças e componentes.
Era sobre os carros que assentava o modelo de exportação da Europa para a Ásia, colocado em xeque pelas próprias crises sanitárias e geopolíticas. Nos Estados Unidos, novos capitães da indústria como Elon Musk, que combina o discurso libertário com o subsídio de Estado, estão transformando o mercado de consumo doméstico, com a venda de veículos elétricos dobrando de 2020 a 2022.
Seria ingênuo pensar que a emergência de modelos alternativos mais sustentáveis não replicaria os padrões extrativistas do passado. Se a Tesla de Musk conseguiu o feito inédito de abalar grupos de interesses seculares, ela também se desenvolve à custa do que os geógrafos chamam de "regiões sacrificadas" pela exploração de minerais na África e na Oceania.
No pior dos mundos, a revolução elétrica vai apenas agravar a desigualdade climática: os cidadãos de primeiro mundo viverão em cidades mais limpas e silenciosas, enquanto nós vamos continuar servindo de receptáculo para um modelo de transporte obsoleto e nocivo por décadas.
Para impedir essa fatalidade, os impactos dessa transição global devem ser discutidos nas eleições para governador em São Paulo, cuja formação econômica está intimamente ligada à produção de automóveis. Se existe um ponto consensual na literatura, é que regiões com maior experiência histórica têm mais chances de liderar novos movimentos de inovação e tecnologia. Mas até em regiões de vanguarda como São Paulo a modernização é uma escolha, e não um destino.
O debate programático no Estado conheceu um novo avanço em evento deste sábado (11), com a entrega do programa da Rede à campanha de Fernando Haddad (PT). Impressiona a atualidade da visão dos quadros da Rede em relação aos discursos primitivos dos setores estabelecidos. Muito longe dos clichês do século passado, é impossível pensar a transição energética e industrial nos dias de hoje sem os ambientalistas.
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