Frederico Vasconcelos
Sob o título “Punir todo o Ministério Público é prejudicar a sociedade”, o artigo a seguir é de autoria de Maria Tereza Sadek, cientista política, e Roberto Livianu, procurador de Justiça. (*)
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Hoje quem defende o governo é a advocacia pública. O Ministério Público cumpre o nobre papel de defender a sociedade, inclusive processando o Estado, se for preciso. A Constituição entregou-lhe a responsabilidade de defender a ordem jurídica e o regime democrático.
A Carta de 88 desenhou um MP robusto, garantindo-lhe independência funcional, como afirmou de forma categórica o ministro Fachin do STF, ao negar recentemente acesso à universalidade da base de dados da Força-Tarefa da Lava Jato em pedido considerado indevido feito pelo PGR.
E esta garantia foi concebida para proteger a democracia e a própria sociedade, destinatária do trabalho do MP, de ingerências de poderosos que pudessem pretender colocar em xeque o trabalho feito pelo MP. A independência foi concebida para blindar a instituição desses ataques, contrários ao interesse público.
A inamovibilidade, que igualmente existe na magistratura, tem a mesma razão de ser. Por que é socialmente importante termos membros do MP inamovíveis? Para que o compromisso, a eficiência e a continuidade do trabalho falem mais alto e a supremacia do bem comum prevaleça. Para que nenhum murro na mesa dado por “coronel” seja mais forte que as regras em vigor.
Mas tudo isto corre sério risco nesta terça em Brasília, quando Deltan Dallagnol estiver sendo submetido a julgamento pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Não por ter cometido qualquer desvio de conduta, descumprindo deveres funcionais. Não se trata de questões inerentes aos valores recuperados dos desvios no Caso Petrobrás, porque já houve exame do assunto e o CNMP arquivou.
Isentou-o de qualquer responsabilidade. E arquivou também porque o objeto do acordo era a reparação de danos morais difusos sofridos pela sociedade, e não, ressarcimento ao erário puro e simples como alegam alguns. Porque nem Deltan nem membro algum do MPF seria gestor dos recursos.
Também não se trata de tema relativo a palestras remuneradas dadas pelo procurador Deltan, em relação às quais grande parte dos valores foi objeto de doações, vez que o CNMP já as considerou legítimas.
Trata-se da única acusação que sobrou: que ele teria cometido infração de opinião, por criticar (o que sequer caracterizaria calúnia, injúria ou difamação). Isto que leva a senadora Kátia Abreu, investigada pela Lava Jato, a exigir, com faca entre os dentes, seja ele removido compulsoriamente da Coordenação da Força-Tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba.
Trata-se também da pressão que diversos senadores vêm fazendo, há tempos, para que o CNMP puna Deltan Dallagnol, a qualquer preço. Lembrando que cabe ao Senado aprovar as escolhas dos nomes dos indicados para o CNMP e, sem qualquer motivo explicitado, rejeitou em 2019 a recondução dos nomes dos promotores de Justiça Lauro Nogueira do MPGO e Dermeval Farias do MPDFT, de trajetórias exemplares no Ministério Público, indicados pelo CNPG, vagas há quase um ano não preenchidas.
Na verdade, amanhã quem estará sentado no banco dos réus no CNMP será todo o Ministério Público brasileiro. Punir o MP todo significa punir e prejudicar indevidamente a toda a sociedade. E atingir a todo o sistema investigatório anticorrupção, em virtude de uma crítica pública – algo que deveria ser normal em uma democracia consolidada.
Nunca em nossa história o CNMP removeu um membro do Ministério Público compulsoriamente de seu cargo, em virtude do exercício de seu direito constitucional de manifestação, que no caso concreto muito razoavelmente pode ser compreendida no exercício de liberdade pública garantida pela Constituição.
No caso em foco, quem pede a providência é integrante do Senado, investigado por corrupção pelo MP, na maior jornada anticorrupção da história do Brasil, reconhecida internacionalmente por diversos experts independentes. Que atingiu patamares de recuperação de ativos da ordem 1/3, inédito no mundo.
Direito é, antes de tudo, razoabilidade, proporcionalidade e bom senso. E proteção diuturna aos cânones democráticos. Deve-se observar a toda a floresta. Não basta olhar para uma única árvore. Será que a hipótese de afastar cautelarmente não seria punir por seus méritos, sob pretexto de faltas nunca comprovadas? Por que tanto açodamento, estando vagos três dos assentos do Conselho?
Que Deltan ou qualquer outro membro do Ministério Público sejam punidos sim, após o devido processo legal, permitindo-lhes o exercício pleno da ampla defesa, se houver falta funcional que demande punição. E que a punição, se for o caso, seja proporcional à falta eventualmente cometida.
É fundamental que o CNMP, ao julgar, leve em conta tudo o que está em jogo. Que não se permita jamais que o Conselho seja transformado palco de vinganças contra o MP e contra os (corajosos) membros do MP que ousam enfrentar a corrupção. Que falem mais alto os ditames constitucionais e o interesse público.
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Maria Tereza Sadek é cientista Política, doutora pela USP, professora e pesquisadora
Roberto Livianu é procurador de Justiça, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção
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