domingo, 23 de agosto de 2020

Reinaldo José Lopes Curimba de plástico, FSP

 

Não conheço pescador do interior paulista que não mencione com pelo menos alguma empolgação na voz o curimbatá (Prochilodus lineatus), ou “curimba”, para os íntimos. Avós, tios e amigos da família quase sempre acabavam pegando muito mais lambari do que qualquer outra coisa, mas a chance de fisgar um curimbatá, peixe manhoso e “brigador”, sempre era premissa para boas histórias de beira de rio. Não gosto de pensar no que meus avós diriam se soubessem que os “curimbas” de hoje quase sempre são retirados d’água com plástico no bucho.

Os números, de fato, são de entristecer: mais de 70% dos indivíduos com fragmentos plásticos no sistema digestivo; entre 3 e 9 pedaços da matéria estranha por peixe; partículas estranhas com tamanho que vai de 0,18 mm a 12,35 mm.

Os dados foram obtidos na bacia do Tietê, nos municípios de Laranjal Paulista e Anhembi (SP), por pesquisadores da Unesp de Botucatu. Por enquanto, há relativamente poucos estudos sobre a ingestão de plásticos por peixes nos rios e no litoral brasileiro (essa é a primeira vez que se registra o problema no caso dos curimbatás no país, por exemplo), mas tudo indica que o caso deles está longe de ser uma exceção. As quantidades obscenas desses materiais produzidas pela nossa civilização estão se tornando cada vez mais presentes nos ecossistemas aquáticos, e na barriga dos peixes que colocamos no prato.

O dado é um bocado relevante no caso dos curimbatás porque, além da importância da espécie para a pesca esportiva, ela também é um recurso pesqueiro importante, embora sua população já estivesse em declínio nas áreas muito afetadas por barragens de hidrelétricas. Em artigo na revista científica Biota Neotropica, a equipe de pesquisa da Unesp, integrada por Bruna Urbanski, Ana Denadai, Valter Azevedo-Santos e Marcos Nogueira, argumenta que o tamanho dos fragmentos de plástico na barriga dos peixes sugere que eles já tinham passado bastante tempo no rio antes de serem comidos. A hipótese faz sentido quando se considera o estilo de vida dos curimbatás, que costumam comer invertebrados e detritos no leito dos cursos d’água.

Quão generalizado é o problema? Os primeiros registros de plástico no bucho de peixes no Brasil foram feitos apenas no começo desta década, em ambientes estuarinos (a interface entre rios e o mar). Os primeiros registros em peixes de água doce são de 2017, e descobriu-se em 2019 que até peixes no rio Xingu (25% das amostras, para ser exato) andam comendo pedaços de plástico. Um levantamento feito por Azevedo-Santos com dados do mundo todo, no periódico Environmental Pollution, revelou que mais de 400 espécies de peixes, 54,6% delas marinhas, têm registro de ingestão de plástico.

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“Ainda não há muita evidência da transferência de plástico dos peixes para humanos. Mas isso não significa que essas transferências não estejam ocorrendo”, diz Azevedo-Santos. “Por outro lado, muitos estudos, especialmente os testes em laboratório, têm mostrado que alguns tipos de plástico podem causar injúrias a peixes, o que pode ter consequências diretas nos recursos pesqueiros.”

Como se não bastassem esses efeitos, esses materiais também podem absorver uma série de contaminantes que têm efeitos sobre o sistema hormonal dos animais e, portanto, sobre a saúde do ecossistema e a dos humanos que os consumirem. Está mais do que na hora de levar o problema a sério.

Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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