quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Antonio Delfim Netto Perspectiva melhor, FSP

 Não há como se conformar com a impotência da humanidade diante de mais uma zoonose cuja ocorrência é certa, mas aleatória. Todos os países têm alguma forma de seguro-saúde, e o Estado tem a obrigação moral de dotá-lo, no seu orçamento, com recursos (uma espécie de seguro) que têm taxa de retorno aparente nula enquanto se “espera” a pandemia, mas se torna infinita quando ela se apresenta.

Desde a Constituição de 1988, o Brasil tem um dos melhores e mais sofisticados sistemas de seguro-saúde do mundo —o SUS—, de acesso universal e financiado por uma tributação geral, ainda que equitativamente problemática. Infelizmente, não introjetamos a necessidade de dotá-lo, a cada ano, de um pequeno “surplus” (o seguro) para mantê-lo no nível mínimo necessário para acomodar o aumento da demanda de “saúde” quando ela se apresenta. Isso é possível porque a dinâmica epidemiológica das zoonoses é sempre parecida.

Tomada de surpresa, a sociedade espera a resposta do Estado, a quem ela entregou o monopólio da força e parte de sua liberdade para coordenar o seu comportamento diante de eventuais emergências que a atingem.

No caso da pandemia, isso não é trivial, porque para minimizar o número de óbitos é preciso isolar os cidadãos, e, ao mesmo tempo, estimular a atividade econômica, o que exige a sua cooperação física, ou seja, a proximidade entre eles, o que requer uma grande habilidade política.

Até agora creio que temos nos saído pior na primeira tarefa, por conta do “bate-cabeça” entre o presidente e os governadores e entre estes e os prefeitos, além da falta de um programa coerente de medição adequada do fenômeno mesmo hoje, sete meses após a chegada da Covid-19 ao Brasil. A evidência disso são os registros precários de mais de 114 mil óbitos.

Na segunda, ao contrário, os resultados são animadores. Com apoio na PEC da Guerra, a queda estimada do PIB melhorou desde abril, em resposta à autorização de despesas sem limites para atender à pandemia e a continuação de uma política monetária inteligente e cuidadosa, que demorou, mas já começou a chegar às “pontas”, como é o caso do Pronampe.

A queda do PIB, que se esperava maior do que 7%, gira em torno de 5,5%, com um déficit nominal pouco superior a 16% do PIB, que elevará a relação dívida bruta/PIB para em torno de 95% (contra 76% em 2019).

A taxa de inflação é da ordem de 1,5%, e a de juro real menor que 1%. Isso sugere que um pequeno crescimento do PIB em 2021 pode dar um forte sinal de que aquela relação vai começar a reduzir-se e abrir uma perspectiva futura benigna para o nosso equilíbrio fiscal.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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