quarta-feira, 26 de agosto de 2020

O AGRONEGÓCIO QUE FUNCIONA SEM DESMATAR, Retomada Verde, Mônica Scaramuzzo , OESP

 

Responsável por um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o agronegócio é um dos poucos setores que vão crescer este ano em meio à pandemia do coronavírus. Com a expectativa de colher uma safra recorde de grãos – o faturamento do setor “da porteira para dentro” deve atingir R$ 730 bilhões em 2020 –, a agricultura nacional ganhou os holofotes este ano não pelo seu bom desempenho financeiro no campo, mas pela imagem negativa no exterior: a de um País que desmata.

Um dos maiores produtores de grãos, cana-de-açúcar e carne do mundo, o Brasil está em meio a um tiroteio entre o governo, ambientalistas e investidores estrangeiros desde o ano passado, com o crescimento das queimadas da Amazônia e aumento do desmatamento da floresta.

Sob ameaça de boicote aos produtos brasileiros por parte dos países importadores e pressão de fundos internacionais, empresários e banqueiros brasileiros decidiram cobrar do governo federal ações concretas para a agenda ambiental e provar para o mercado internacional que a agroindústria brasileira é sustentável e tem condições de avançar sem derrubar uma árvore.

A interlocução do setor privado tem sido com o vice-presidente, Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal e tem promovido encontros com empresários  para debater o tema .

Resultado no campo deverá ser recorde este ano com a previsão de colheita recorde e dólar alto.ARQUIVO PESSOAL

“O setor privado está liderando esse processo (de discutir a sustentabilidade). Não é mais só papel das ONGs ficarem cobrando por isso. Empresários brasileiros estão participando desse debate. A novidade é que as cadeias estão mais organizadas. Os grandes varejistas e consumidores globais  estão cobrando mais sobre a origem dos alimentos”, diz Marcos Jank, professor e pesquisador sênior do agronegócio global do Insper.

Para o especialista, os problemas que o País está enfrentando hoje no agronegócio são antigos. “Passam pela regularização fundiária, comando e controle das áreas nas bordas do bioma amazônico e falta de regularização do Código Florestal”, diz.

Segundo Jank, o problema do desmatamento ilegal não é de natureza agrícola, e sim uma questão fundiária. “Diz respeito à posse da terra. Há 50 milhões de hectares de terras devolutas no Norte do País.”

agronegócio brasileiro não precisa da Amazônia para crescer, ressalta Pedro de Camargo Neto, uma das principais lideranças do setor e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Estima-se que menos de 2% dos produtores sejam responsáveis por 62% do desmatamento ilegal na Amazônia e no cerrado brasileiro, de acordo com a publicação da revista científica Science.

“Tem de seguir a lei. No fundo, o Código Florestal virou irrelevante porque o governo não fiscaliza”, reforça Camargo Neto. Mas, para o líder do setor, o agronegócio brasileiro é um dos mais eficientes do mundo e não deve ser penalizado pelos que praticam a agricultura predatória.

“No fundo, o Código Florestal virou irrelevante porque o governo não fiscaliza”

Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira

Também especialista em comércio exterior, Jank diz que o principal cliente do agronegócio brasileiro não é a Europa e os Estados Unidos, mas sim o mercado asiático. Na Europa, segundo ele, a preocupação hoje é claramente com as práticas socioambientais: crescimento sustentável, relações entre agricultura e desmatamento, mudança do clima, uso da água e da terra, mas esses temas ainda não chegaram ao centro da agenda asiática. “Já a preocupação da Ásia é a necessidade de aumentar a produtividade da agricultura e a qualidade e sanidade dos alimentos.”

“A grande maioria do agronegócio é séria - tem boa origem, rastreabilidade e não faz desmatamento. Mas o fato é que existe um desmatamento crescente e uma pressão internacional por conta disso. Temos de fazer entre nós um esforço para combatê-lo”, diz o empresário Guilherme Leal, um dos fundadores da empresa de cosméticos Natura – empresa referência em sustentabilidade no País e no mundo. Leal também é dono da empresa de chocolates finos Dengo. O empresário comanda no sul da Bahia um projeto para estimular  a produção de cacau sustentável na Mata Atlântica, mostrando que é possível integrar a cadeia produtiva à indústria.

SAFRA RECORDE

Com uma produção de grãos estimadas em cerca de 250 milhões de toneladas, o plantio ocupa uma área de 65 milhões de hectares – a tecnologia tem avançado na agricultura brasileira. Parte dos produtores também está priorizando a redução de agroquímicos em suas áreas de cultivos para buscar um manejo mais sustentável no campo.

Para Jank, o Brasil tem total condição de liderar processo da agricultura mais sustentável do mundo e já adota práticas como o plantio direto, integração entre lavoura, pecuária e floresta, a produção de biocombustíveis e agricultura de baixo carbono.

Para Marcos Jank, professor de agronegócio internacional do Insper, é preciso resolver a regularização fundiáriaARQUIVO PESSOAL

Mas o conceito de sustentabilidade é muito amplo, lembra Camargo Neto. “Não dá para dizer que o plantio com grãos transgênicos e uso de agroquímicos não sejam sustentáveis”, diz um dos principais líderes do agronegócio. “A atividade agrícola também tem de ter sustentabilidade econômica ao produtor para ser viável.”

Para especialistas e empresários ouvidos pelo Estadão, é preciso também combater a desinformação lá fora a respeito do Brasil. “A imagem do Brasil está arranhada lá fora sim. Mas há uma fração majoritária de injustiça. O garimpo não é agro e a extração de madeira ilegal também não tem o apoio da agricultura”, diz o professor Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).


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