Amigos me ligam para dizer que temem estar bebendo além da conta na pandemia. Quando um bebedor admite isso é porque já está bebendo além da conta. Uma constante nessa admissão é que, ao descrever uma jornada alcoólica mais animada, não o fazem mais com a antiga memória eufórica, mas com culpa —principalmente porque, no confinamento, os cadáveres, digo, as garrafas vazias, se acumulam à vista da família, que pode enfim contá-las.
É verdade que, na situação atual, não faltam explicações para esse súbito além da conta: solidão, ansiedade, perda financeira, estresse, medo da morte. Mas os estudos sobre as alterações no consumo de álcool em crises de massa no passado —atentados terroristas, guerras, desastres naturais, depressão econômica— provaram que o abuso do álcool era predominante em pessoas que já tinham problema com bebida.
Essa conclusão também confirma várias pesquisas nos últimos 50 anos, segundo as quais pessoas sem graves problemas emocionais tendem a beber tanto quanto as que têm os mesmos problemas. Daí a tese de que as pessoas nem sempre bebem porque têm problemas, embora sempre tenham problemas porque bebem, e aquelas cujo organismo não é predisposto à bebida não beberão. Donde não são assim tão críveis os motivos que alegam para justificar por que estão bebendo tanto. Não são motivos, são pretextos.
Pode acontecer também que, por se ter mais tempo para beber pela permanência em casa, o abuso esteja levando à dependência pessoas que, até então, tinham só uma tolerância ao álcool acima do normal. Na dependência, como se sabe, já não se bebe pelo prazer, mas para não se sentir mal —porque o organismo não passa mais sem o produto.
Qualquer família pode certificar-se se um de seus membros está correndo esse risco. É só observar se, a cada dia, a primeira garrafa é aberta mais cedo.
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