domingo, 23 de agosto de 2020

A corrida pelas au pairs nos Estados Unidos, OESP

 Quando a au pair decidiu mudar de família, ela temia estar assumindo um grande risco.

Desde o ano passado, a colombiana de 20 anos trabalhava como au pair em Nova York, uma das 20 mil jovens - na maior parte mulheres - que chegam aos Estados Unidos todo ano para viver com famílias e cuidar de seus filhos. O contrato da colombiana só deveria expirar no final de 2020, mas numa manhã, em meados de junho, uma disputa com o pai da criança a levou ao limite num ambiente doméstico tenso por causa da quarentena.

“Não suporto mais essas pessoas”, ela me escreveu em espanhol. “Quero sair daqui hoje”. Ela conversou sobre a situação com seu coordenador local, a deixando com duas semanas para encontrar uma nova família, ou então retornar à Colômbia. A jovem não tinha a mínima ideia do que fazer em seguida.

NYT - Life/Style (não usar em outras publicações)
Ilustração de Eva Redamonti/The New York Times

Mas sua inquietação se transformou em surpresa alguns dias depois, quando checou seu e-mail - dezenas de famílias em todo o país desejavam marcar uma entrevista com ela. Normalmente, a demanda por au pairs nos Estados Unidos não é tão alta, mas algo mudou: em 22 de junho, o governo Trump emitiu uma ordem executiva suspendendo muitos vistos de trabalho para estrangeiros, pelo menos até o final deste ano. A ordem incluiu o programa de vistos J-1, no qual o programa de au pairs, gerido pelo Departamento de Estado, está classificado.

Se de um lado a pandemia do coronavírus tornou difíceis as viagens internacionais para muitas pessoas, as restrições de visto confirmaram que as novas au pairs que se preparavam para vir aos Estados Unidos não mais poderiam entrar no país. As famílias americanas que as esperavam, especialmente pais que trabalham e dependem do programa como fonte primária de cuidado dos filhos, passaram a ter dificuldade para encontrar um substituto.

Conversei com dezenas de au pairs que estão no país e tive depoimentos de muitas pela mídia social. Elas pediram para seus nomes verdadeiros não serem usados nesta reportagem, temendo alguma retaliação.

Muitas famílias têm recorrido a fóruns não oficiais no Facebook e em outros sites para tentar encontrar possíveis babás, gerando uma corrida frenética na mídia social para atrair o pequeno número de au pairs no país ainda disponíveis.

“Quase todo mundo vem dizendo ser improvável conseguir uma au pair”, disse Erin Burkhart, professora de uma escola secundária, com dois filhos, que vive na área de Seatlle e cuja au pai mais recente retornou à sua família na Alemanha. “O processo de busca em si já é um trabalho em tempo integral. No momento, Erin vem enviando e-mails para todo mundo. Pergunto para todas as pessoas. Fiz 15 vídeo chats na última semana”, disse ela.

Na outra extremidade, embora as au pairs que ingressam no programa possam tratar com apenas duas ou três famílias no processo inicial de entrevistas, as candidatas que estão no país agora vêm sendo procuradas por 10, 20, às vezes 50 famílias potenciais. Mesmo para os au pairs do sexo masculino, que com frequência têm mais dificuldade para se acertar com uma família, as coisas estão mais fáceis. “Como sabem que não têm muitas opções, as famílias estão aceitando rapazes para o trabalho também”, disse uma au pair do Brasil.

“Agora nos sentimos poderosas", disse a au pair colombiana. "Pelo menos agora, temos a chance de escolher”.

Casas na praia, viagens para praticar mergulho

Embora administrado pelo Departamento de Estado, o programa é operado por uma rede de agências particulares (Cultural Care, Au Pair Care and Au Pair in America são algumas) encarregadas de verificar e adequar as au pairs às famílias antes mesmo da chegada delas aos Estados Unidos. Localmente, as au pairs e as famílias que as hospedam tratam mais diretamente com os consultores de uma Local Child Care Consultant (LCC) ou conselheiros regionais das agências que tratam dos problemas do dia a dia que podem surgir no âmbito das famílias.

Se uma au pair que já está no país deseja mudar a forma de entrosamento pactuada ou mudar de família, seu pedido precisa ser aprovado primeiro pelo LCC e o acordo tem de ser aprovado pela agência.

Mas muitas conversas introdutórias com frequência se realizam por canais não oficiais, como Facebook, WhatsApp e recomendações pessoais - de maneira a agilizar o processo. Nas últimas semanas essas redes não oficiais ficaram inundadas.

Muitas au pairs que já estão no país agora vêm informando as famílias interessadas que só aceitam o trabalho em troca de algumas garantias, como um carro particular ou pagamento de no mínimo US$ 400 por semana. O menor estipêndio de uma au pair é US$ 195,95 por semana para um máximo de 45 horas de trabalho na semana, estabelecido pelo Departamento de Estado.

As famílias que recebem uma au pair também estão atentas a essa dinâmica. Examinando alguns grupos no Facebook em meados de junho, vi postagens anunciando benefícios como bilhetes de transporte público ilimitados, um novo carro, acesso à casa de praia e viagens para fazer mergulho, além de dobrarem o pagamento. “Estamos oferecendo US$ 2 mil de bônus na assinatura do contrato”, escreveu um pai.

Tendo se submetido a condições de trabalho complicadas na primeira família que a hospedou - incluindo ataques verbais, serviços adicionais como limpeza da casa e cuidar do cachorro e longas horas de trabalho extra sem receber, a jovem colombiana tinha como principal prioridade encontrar uma família que melhor se adequasse a ela.

Lutando pelos cuidados infantis

Quando o entrosamento é bom, famílias e au pairs acabam mantendo um relacionamento duradouro. “O cuidado infantil é um aspecto, mas gostamos do intercâmbio cultural envolvido”, disse Dawn Gile, advogada e mãe que mora em Maryland. “Vamos viajar para a Europa e visitar nossas antigas au pairs. Mantemos contato com elas, nossas filhas conheceram línguas estrangeiras, cultura e alimentos de outros países - elas enriqueceram com o programa de au pair”.

Mas o principal motivo para as famílias contratarem uma au pair, de longe, é o cuidado, flexível e acessível, dos filhos. E com o coronavírus ameaçando as escolas e creches de ficarem fechadas, e com as complicações em encontrar babás avulsas por conta das regras de distanciamento, o cuidado com as crianças por alguém que more na casa tem um apelo ainda maior. Especialmente no caso das pessoas cujo trabalho é considerado essencial - médicos e outros profissionais da saúde em particular - que dependem do apoio de uma au pair para poderem arcar com longas horas de trabalho durante a pandemia.

Quase um mês depois de as regras iniciais serem emitidas, o Departamento de Estado anunciou que algumas au pairs, ou seja, aquelas que cuidam de filhos de profissionais médicos envolvidos no combate à covid-19, ou crianças com necessidades especiais ou médicas - ficam isentas das restrições de visto e podem entrar no país.

Famílias de militares, que mudam com frequência, também são as mais afetadas pela regra. “É frustrante em vários aspectos porque as esposas de militares tentam manter com dificuldade uma carreira apesar do impacto de seu trabalho no lar”, disse Gile, cujo marido está no Exército e que é presidente do Military Spouse JD Network. Agora que sua próxima au pair foi impedida de entrar no país, ela diz que isto irá impossibilitá-la de continuar trabalhando.

“Há muitos pais que, por causa da decisão, terão de deixar seu emprego”, disse Erin Burkhart.

Rachel Block, ex-economista do Banco Mundial e já habituada a ter uma au pair, foi mais direta: “O principal substituto é a mulher trabalhar menos e sair do mercado de trabalho”.

O ajuste certo

À medida que o frenesi continuava, a au pair colombiana reduziu as suas dezenas de opções a um punhado de famílias. Depois do seu quarto dia de entrevistas sem parar ela enfim disse triunfante, “Tenho uma família”, com um largo sorriso.

Erin Buckart foi uma das poucas mães que também puderam comemorar: “Acabamos de contratar nossa au pair esta noite”, escreveu em um e-mail.

“A au pair estava contente, no final, pelo fato de não se deixar atrair por promessas de carros ou casas na praia, ou mais dinheiro, o que poderia ser no final uma desilusão.

“Tenho a impressão de que é uma família que realmente vai se preocupar comigo”, disse ela. E como já estava aqui no país, ela conseguiu resolver a sua situação. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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