sexta-feira, 28 de agosto de 2020

PEDRO DORIA De repente, nossos dados são nossos, OESP

 A expectativa não era de que o Congresso fosse botar para funcionar logo a Lei Geral de Proteção de Dados. Mas aí, na quarta-feira à tarde, enquanto os senadores votavam a Medida Provisória que estendia o auxílio emergencial, decidiram por excluir um artigo que adiava o início da vigência da lei. O presidente Jair Bolsonaro ainda tem de sancionar — mas ele não terá muita escolha. A lei já é lei, devidamente sancionada. A única dúvida é sobre quando começa a vigência. Mas esta opção não será apresentada ao presidente: o que ele pode vetar ou não é a MP, e isso ele não fará. O auxílio emergencial — e sua popularidade — dependem disto. Portanto, a LGPD está prestes a valer. E é uma boa lei.

A lei é boa em muitos sentidos. É boa pelas garantias do que oferece a cada cidadão. É boa pelas oportunidades que abre para cada empresa. E é boa pelo tipo de diálogo que levou a ela.

A cada um de nós oferece um arcabouço legal que diz, em essência, que nossos dados nos pertencem. Não importa a plataforma digital que usemos – aquilo sobre nós coletado por Google ou Facebook, Twitter ou Netflix, Amazon ou Apple, Microsoft ou ainda qualquer serviço grande ou pequeno, nacional ou estrangeiro, tudo que for coletado é nosso, não deles. O que têm é a custódia e, com essa custódia, vem responsabilidades diversas. Se quisermos que apaguem, têm de apagar. Se um hacker captura, eles têm de informar rápido e, em caso de dano sério, indenizar.

Mas é um erro pensar na lei pelo ângulo da punição. Porque boa parte das empresas não são gigantes do Vale do Silício — ao contrário. São farmacêuticas, são cervejarias, são tecelagens. O restaurante da esquina. Muitas vezes, empresas pequenas ou de médio porte comuns que, nos últimos anos, por meio de seus sites e apps vêm coletando dados sem muito compreendê-los.

Agora, precisarão parar para entender que dados são esses. Para decidir aquilo que não precisam e é melhor apagar. Para escolher o que lhes é útil. Por serem legalmente obrigadas a se debruçar no emaranhado de informações que foram coletando, terão uma oportunidade de refletir sobre o que cada um daqueles pedaços ensina sobre seus clientes. É inevitável que aprendam muito, que percebam padrões de comportamento e, assim, que se tornem mais eficientes.

Não tem como dar errado: quem fizer o dever de casa direito sairá compreendendo onde há novas oportunidades de negócio.

Não bastasse isso, tem o fato de que a lei nasceu de um bom entrosamento entre Congresso Nacional e sociedade civil. Engenheiros, juristas, gente de todas as especialidades ligadas ao digital trabalharam ao lado dos parlamentares para dar estrutura a um texto que funciona para todo mundo. Não é sempre que uma lei é construída assim. Essa, como antes o Marco Civil, foi. O tema é complexo. E, ainda assim, o texto saiu bom. Bom do tipo elogiado por todos os tocados. É raro.

E esta é uma lição importante para o outro debate que ocorre agora — aquele sobre a apelidada Lei das Fake News. Foi tocada num ritmo alucinado pelo Senado Federal, e na Câmara o presidente Rodrigo Maia deu um freio de arrumação. É bom. A conversa com a sociedade civil está travada. Em parte é pela pressa e inépcia do diálogo por parte dos parlamentares. Mas em parte é também porque muitos na sociedade civil, com preocupações legítimas a respeito dos direitos civis, tratam como menor a imensa ameaça à democracia representada pela manipulação das plataformas sociais.

Uma solução boa é dificílima de encontrar. Mas disposição ao debate, cabeça fria, e alguma gentileza farão bem ao projeto. Nos tempos de redes sociais, gentileza entre pessoas que discordam é difícil, mesmo. E isto é justamente parte do problema maior

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