sexta-feira, 21 de agosto de 2020

O QUE A FOLHA PENSA - Invasão da intimidade, FSP

 Num mundo em que se esfumaçam as fronteiras entre esfera pública e vida privada, a violação da intimidade converte-se em prática corrente tanto no âmbito das redes sociais quanto na vida cotidiana.

A invasão persecutória da privacidade alheia e a organização informal de tribunais moralistas para vigiar costumes e condenar indivíduos são males que sobrevivem, em novos moldes, nos tempos atuais. Dois episódios deploráveis, embora em graus diferentes, exemplificaram esse estado de coisas nos últimos dias.

O primeiro deles foi a divulgação hedionda, por parte de uma ativista de extrema direita, do nome de uma menina de 10 anos de idade vítima de estupro e submetida a um aborto legal. Trata-se de exemplo acabado da barbárie a que pode chegar a chamada guerra cultural, insuflada no Brasil e em outros países por grupelhos radicais.

O segundo caso é o da professora que foi ameaçada, em São Paulo, por circular despida no interior de sua residência. Em distanciamento social, circunscrita ao apartamento em que vive, viu-se vítima de bisbilhotice insidiosa de moradores de prédio próximo, ávidos por imiscuir-se em sua vida íntima e expô-la a constrangimento.

Sem que a mulher suspeitasse, imagens dela em trajes íntimos ou desnuda estavam sendo registradas por pessoas que se dedicavam à tarefa patológica e ilegal de policiar o comportamento privado de outrem com intuitos pérfidos.

A professora tomou conhecimento das imagens quando o zelador do condomínio vizinho procurou funcionários de seu edifício e afirmou estar ali em nome de moradores que cobravam a aplicação de medidas disciplinares.

Ao consultar uma advogada criminalista, a vítima conheceu com mais detalhes o tipo de amparo oferecido, nessas circunstâncias, pelo Código Penal —que veda a produção de imagens de nudez sem autorização do indivíduo e também a divulgação para terceiros.

Além das providências legais, a professora encontrou um modo criativo e eficaz de responder ao patrulhamento. Com a ajuda de uma amiga artista, confeccionou um cartaz com os diversos artigos do Código em que se enquadram os atos dos vizinhos e o afixou na parte externa de sua janela.

A imagem, desta vez legal, dessa imaginosa reação civilizatória circulou nos veículos de comunicação como um oportuno testemunho do exercício da cidadania.

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