O atual governo do estado de São Paulo, em consonância com a administração federal de Jair Bolsonaro, propõe em regime de urgência uma legislação que lesa profundamente as universidades paulistas e a Fundação de Amparo para a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Essas instituições economizaram e constituíram paulatinamente uma reserva financeira para contingências, como qualquer empresário consciente ou dona de casa. Com as usuais flutuações de rendimentos e eventuais imprevistos, como a atual tragédia da pandemia de Covid-19, seria uma irresponsabilidade não terem essas reservas. Se elas não existissem hoje, com a atual crise sanitária, tais instituições estariam, provavelmente, falidas.
Ninguém pode questionar a intenção do governo paulista de procurar equilibrar o Orçamento. E é elogiável que o faça o mais cedo possível. E é de ser elogiada a iniciativa do governo de oferecer uma explicação à população do estado.
Todavia, o porta-voz do governo, deputado estadual Carlos Pignatari (PSDB-SP), não foi muito justo em sua argumentação em artigo publicado nesta Folha no dia 19 de agosto ("A necessária modernização paulista"). Esqueceu de dizer, por exemplo, que as reservas para contingências das universidades paulistas ficam em torno de 10% de seus orçamentos, e que esses orçamentos, ao contrário do que acontece com órgãos da administração direta, incluem os salários de seus funcionários.
Quanto ao fato de a Fapesp ter usado apenas cerca de 40% de seu orçamento até julho, esquece o porta-voz que houve em abril uma mudança de direção da instituição e que, elegantemente, o dirigente anterior se absteve de novos gastos —e que o novo dirigente talvez esteja, por cautela natural, não se precipitando.
Além do mais, o porta-voz parece não conhecer aritmética. Diz que a Fapesp recebeu em 2019 R$ 1,4 bilhão e só gastou R$ 400 milhões. Ué, como é possível que a Fapesp só tenha como reserva R$ 500 milhões? O porta-voz também não parece ser um erudito. Confundir geologia com botânica mostra porque não gosta das universidades —ou, talvez, tenha ouvido falar em floresta petrificada?
Note-se também que uma vez estabelecidas essas reservas, não há ônus adicional para o estado; e que, uma vez subtraída a reserva atual, não haverá no futuro ganho financeiro nenhum para São Paulo.
Ora, se não há ganho para o governo paulista, senão neste momento inicial, então por que instituir um prejuízo permanente às universidades e à Fapesp? Isso nos permite concluir que a motivação fundamental para a proposta não é meramente econômica.
É um traço deplorável da sociedade dos homens a reação contra todo processo civilizador. Parece que inteligência e conhecimento ofendem os medíocres. A atual onda mundial obscurantista, que defende o criacionismo, o terraplanismo e outros, é muito provavelmente apenas a reação ao imenso sucesso que têm tido as ciências naturais e humanas nestes últimos tempos. Conhecimento é poder, e aqueles apoucados intelectualmente investem contra as instituições que produzem conhecimento --talvez apenas por medo do desconhecido.
O governador João Doria (PSDB), que para se diferenciar do governo federal defendia todos os dias, exacerbadamente, a ciência, está hoje ameaçando-a de obliteração. Será que foi sincero em seus discursos cotidianos? Ou o seria em suas atuações atuais?
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