O documento lançado por um grupo de economistas, no início da semana, defendendo o teto de gastos e propondo “rebaixar o piso”, ou seja, reformas capazes de preservar e aprimorar o edifício de estabilização fiscal construído pelo país nos últimos anos, deveria ser lido e relido, em Brasília.
O argumento diz que, dada a atual trajetória fiscal, a preservação do teto de gastos é insustentável. O gasto obrigatório sobe a uma taxa superior à inflação, e tornará inviável o custeio da máquina pública logo ali adiante.
O mercado já precifica o problema. O sistema político é mais lento e aprecia um exercício de autoengano. Governo à frente. É pura ilusão pensar em um programa robusto de transferência de renda e uma agenda crível de investimento público sem encarar os temas difíceis do ajuste fiscal.
O problema é o governo se decidir a enviar ao Congresso a reforma administrativa. O tema está maduro. A pandemia escancarou a desigualdade entre o mundo protegido do alto funcionalismo público e o universo precário do emprego privado, que pagou sozinho a conta da debacle econômica.
As razões da reforma são autoevidentes. O Brasil gasta 13,5% do PIB com servidores e entrega serviços públicos de baixa qualidade. Sendo seus usuários fundamentalmente os mais pobres, a ineficiência do Estado funciona como um motor das desigualdades no país.
Resolver isso supõe um longo caminho de reformas e ninguém imagina que elas serão feitas na atual gestão federal. O que se espera é que o governo tenha a coragem de dar o primeiro passo. Em duas direções.
A primeira trata do RH do governo. Revisão das carreiras públicas, redução dos salários iniciais, flexibilização dos modelos de contratação, avaliação de desempenho e possibilidade de redução de jornada e vencimentos em situações de risco fiscal.
O segundo caminho distingue funções de Estado e serviços públicos concorrenciais (que vão da saúde até a gestão de parques). Diz que o governo deve se concentrar nas tarefas de regulação e deixar à sociedade e ao mercado a execução de serviços. Enquanto isto não andar, a ideia de melhorar a qualidade da entrega pública não passará muito de retórica.
Há sinais positivos no horizonte. Sou da época em que ainda se imaginava que o governo devia administrar aeroportos por se tratar de um setor estratégico. Hoje, precisamente por se reconhecer que eles são estratégicos chegou-se à conclusão de que o governo e sua burocracia não devem administrá-los.
A reforma é politicamente viável. Previsível seria vermos o chefe do Executivo pressionando o Parlamento a fazer a reforma, mas o que temos é o contrário. Rodrigo Maia “tentando convencer” o presidente a enviar o projeto.
O governo amplia sua base no Congresso e há uma frente parlamentar robusta tratando do tema. Quem patina é o governo. Em parte por falta de convicção, em parte por saber que o assunto lhe renderá mais uma montanha de detratores e nenhum voto.
Salim Mattar escreveu que o “establishment” feito de sindicatos, políticos e fornecedores forma uma barreira às privatizações. A pergunta é: algum dia foi diferente? As corporações sempre estiveram aí e a inércia do setor público sempre foi a mesma. Apesar disso reformas importantes foram feitas no passado recente.
O atual governo iniciou dizendo que encerraria o ciclo de governos social-democratas e faria tudo diferente. Talvez tenha acreditado no mito de que foi fácil fazer as privatizações dos anos 1990, que os leilões da Vale ou Embraer foram um passeio, o mesmo valendo para a reforma do Estado.
É bom que tenham descoberto que as coisas são mais difíceis, no Brasil, e que talvez a reforma administrativa seja a sua melhor chance, talvez a última, de deixar um legado.
Do contrário, nossos liberais-conservadores terão que reconhecer que, mesmo no terreno que propuseram como seu, fizeram pior do que os sociais-democratas dos anos 1990, cujo legado de reformas ainda é o melhor ponto de partida para as mudanças que o país precisa fazer.
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