terça-feira, 25 de agosto de 2020

Investigações subterrâneas, FSP

 


Fábio Tofic Simantob

Advogado criminalista e mestre em direito penal pela USP, é conselheiro e ex-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Alberto Zacharias Toron

Advogado criminalista e doutor em direito pela USP, é professor titular de processo penal da Faap e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Causou grande impacto a fala de Augusto Aras em webinar do grupo Prerrogativas, mencionando que a força-tarefa de Curitiba possui um banco de dados sigiloso com informações de 38 mil pessoas.

Há alguns anos, o STF colocou uma pá de cal na questão dos poderes investigatórios do Ministério Público, decidindo que o MP pode investigar. O problema é que esse poder nunca recebeu regulamentação legal à altura de sua envergadura.

Para investigar um fato, o delegado de polícia, por exemplo, precisa instaurar oficialmente um inquérito e prestar contas ao Ministério Público ou ao juiz a cada 30 dias.

Essa regra aparentemente anódina contém um princípio democrático importantíssimo. Permite que haja um controle do poder de polícia, braço poderosíssimo do Estado.

Trata-se de portentosa arma contra a prevaricação do agente público, uma proteção do cidadão contra os caprichos do agente estatal.

A grande questão é: e no caso de investigações que correm dentro do MP, quem as fiscaliza?

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Questionado sobre isso na webinar, o procurador-geral aludiu a uma série de resoluções do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que, de acordo com ele, dão o devido tratamento à questão.

De fato, as resoluções existem e buscam solucionar o impasse, mas ainda regulam a questão de forma bastante insatisfatória, não prevendo formas rigorosas e periódicas de controle dos atos de investigação por um órgão superior e muito menos pelo Judiciário.

A obrigação do delegado de prestar contas ao MP e ao juiz não existe no caso dos procedimentos que tramitam direto no MP. Como o MP não presta contas periódicas de investigações a ninguém, um caso pode ter diligências das mais estapafúrdias ou permanecer parado anos a fio sem uma única diligência realizada. É um poder de vida e de morte sobre a investigação, incompatível com os princípios democráticos.

O mais grave, porém, é quando alguns acabam adquirindo o costume, ou fetiche, de ficar colecionando peças de um quebra-cabeça imaginário, na esperança de um dia conseguirem aproveitá-las contra alguém.

É no subterrâneo dessa espera, muitas vezes impaciente, que correm as águas profundas da atividade investigatória ilegal, sem qualquer escrutínio ou fiscalização de um órgão superior ou do Judiciário.

É nesse emaranhado de peças esparsas sem proveito imediato que se escondem as investigações secretas, pelas quais uma pessoa pode ser investigada por tempo indeterminado, sem ter meios de obter informações —e, por vezes, sem que haja sequer registro do procedimento no sistema eletrônico do MP, em clara violação das normas constitucionais e da súmula vinculante nº 14 do Supremo, que garante a todo investigado o acesso aos autos do procedimento investigatório.

É, ainda, sob o manto desse excedente investigatório que informações são trocadas de forma não oficial, ou em off, e descartadas ou usadas a bel-prazer de quem as manipula —práticas, ao que parece, adotadas pela força-tarefa de Curitiba, conforme revelado pelo site The Intercept, no dia 10 de agosto de 2020, em reportagem intitulada "Foi passado em off".

Os 38 mil nomes mencionados por Aras, portanto, são apenas uma face do problema, a ponta do iceberg. É preciso regulamentar os procedimentos criminais do Ministério Público de modo a dar maior transparência a essa poderosíssima atividade do Estado, compatibilizando-os com as regras do Estado democrático de Direito.

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