Motoko Rich e Russell Goldman, The New York Times
28 de agosto de 2020 | 14h00
Shinzo Abe, o mais longevo primeiro-ministro do Japão, anunciou na sexta-feira, 28, que renunciaria ao cargo, encerrando um longo período de estabilidade do país, em um mandato que perseguiu uma agenda conservadora de restaurar a economia do país, mas também o orgulho militar e nacional.
Abe, de 65 anos, neto de um primeiro-ministro, foi eleito inicialmente para o Parlamento em 1993, após a morte de seu pai, um ex-ministro das Relações Exteriores. Ele serviu como primeiro-ministro em 2006, mas deixou o cargo após um ano de mandato dominado por escândalos.
Ele se tornou o líder do país novamente em 2012, prometendo consertar a combalida economia do país e realizar seu sonho nacionalista de modificar a Constituição pacifista do Japão para permitir um exército de verdade.
Depois de ter cumprido quase oito anos no cargo, ele disse que um problema de saúde - uma recaída de uma doença intestinal que contribuiu para sua saída em 2007 - o levou a renunciar.
Abe, que já foi o mais popular premiê do Japão, recentemente viu um declínio em sua posição com o povo japonês, e foi criticado por sua forma de lidar com a epidemia do novo coronavírus no país.
Aqui um legado de seu tempo no poder.
Política Externa
Abe ganhou destaque nacional no início dos anos 2000, quando acompanhou o então primeiro-ministro, Junichiro Koizumi, em uma viagem a Pyongyang para negociar a libertação de cidadãos japoneses presos pela Coreia do Norte.
Defender a causa dos cidadãos japoneses continuou sendo uma preocupação pelo resto de sua gestão e contribuiu para suas visões agressivas sobre o isolado país comunista.
Enquanto estava no cargo, ele incentivou uma discussão sobre se o Japão deveria desenvolver a capacidade de atacar locais de lançamento de mísseis em território inimigo caso se um ataque parecesse iminente, um debate ligado à crescente ameaça nuclear do Norte.
Seu avô Nobusuke Kishi foi acusado de crimes de guerra, mas nunca foi condenado por isso, e o legado das ações do Japão na Segunda Guerra Mundial assombrou o país até o mandato de Abe.
Embora tenha procurado melhorar os laços com a China e a Coreia do Sul, onde as memórias amargas do tempo de guerra são profundas, Abe irritou os dois vizinhos em 2013 ao visitar o Santuário Yasukuni em Tóquio, visto por Pequim e Seul como um símbolo do militarismo do passado do Japão.
Ele nunca mais visitou o santuário, mas as relações com a Coreia do Sul sobre como, e por quanto tempo, o Japão deve expiar suas atrocidades durante a guerra atingiu um nível de intensidade nunca visto em décadas.
Após anos de um relacionamento frio com a China, no entanto, Abe tentou inaugurar uma nova era, fazendo a primeira visita de um primeiro-ministro japonês a Pequim em sete anos, quando se reuniu com Xi Jinping, o líder da China, em 2018.
Abe foi um dos poucos líderes mundiais a manter um relacionamento consistentemente próximo com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conversando regularmente ao telefone e jogando golfe.
Política do Japão
O desejo de Abe por um exército japonês mais musculoso resultou de mais do que apenas barulho sobre a Coreia do Norte e seu lançamento de mísseis sobre o Japão em 2017.
Durante anos, Abe procurou exorcizar os demônios do passado de guerra do Japão revisando a cláusula pacifista da Constituição do Japão, que foi imposta pelos Estados Unidos após sua vitória na Segunda Guerra Mundial.
Em 2015, após enormes protestos públicos e uma batalha com políticos da oposição, ele aprovou uma legislação que autorizava missões de combate no exterior ao lado de tropas aliadas em nome da "autodefesa coletiva".
Mas seu objetivo de "normalizar" as Forças Armadas do Japão acabou falhando, pois Abe se mostrou incapaz de influenciar o público japonês.
Alguns acreditavam que depois que Abe foi empossado para seu terceiro mandato após as eleições de 2017, seu Partido Liberal Democrata mudaria as regras para permitir que ele concorresse a um quarto mandato. Mas sua popularidade de longa data sofreu um golpe neste ano, à medida que o país passava pelas primeiras semanas da pandemia do coronavírus.
No início do surto, Abe demorou a fechar as fronteiras do Japão e implementar um estado de emergência pedindo às pessoas que ficassem em casa e que as lojas fechassem. Os críticos inicialmente classificaram a resposta como desajeitada e mais tarde culparam Abe por falta de liderança, especialmente na economia.
No entanto, a taxa de mortalidade do Japão permaneceu muito abaixo de muitas outras nações desenvolvidas.
Política econômica
O legado mais duradouro de Abe pode muito bem ser uma série de políticas econômicas destinadas a reviver o crescimento econômico outrora exagerado do Japão.
Seu programa, que ficou conhecido como "Abenomics", tinha como objetivo combater as ameaças de deflação e o envelhecimento da força de trabalho, usando dinheiro barato, gastos do governo e desregulamentação corporativa.
A combinação gerou resultados nos primeiros anos de seu mandato, tirando a economia de um mal-estar implacável e elevando o perfil internacional de Abe.
Mas o crescimento sofreu em 2019 como resultado da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, e sofreu ainda mais este ano, quando a pandemia de coronavírus impulsionou a maior crise pós-guerra do país.
Um fator-chave na plataforma econômica do Sr. Abe foi um esforço para empoderar as mulheres, pois ele argumentou que aumentar sua participação na força de trabalho ajudaria a contrabalançar o declínio e envelhecimento da população. Mas algumas das primeiras promessas de sua agenda "Womenomics" - como aumentar drasticamente a proporção de mulheres na gestão e no governo - nunca se concretizaram.
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