Até poucas semanas atrás, não se entrava num restaurante em Pequim sem que o celular do cliente indicasse “verde” num aplicativo que monitora o risco de Covid-19 em função, por exemplo, das pessoas com quem se teve contato.
Ainda usado por vários estabelecimentos, o app também permite que você, freguês, seja facilmente rastreado caso, por azar, alguém que jantou na mesa ao lado recebeda o diagnóstico da doença uns dias depois.
Usando big data para avaliar o risco de seus usuários, o aplicativo é a novidade tecnológica mais evidente para quem, como eu, desembarca na China depois de meses fora do país devido à pandemia.
O app, no entanto, é apenas a face mais visível de mudanças importantes no mundo da tecnologia e da internet no país por causa da Covid-19. O Relatório de Internet na China 2020, do South China Morning Post, mapeia as novidades.
Sob isolamento, os chineses voltaram-se ainda mais para a internet. O tempo médio que os usuários passam na rede passou de 5,6 para 7,2 horas diárias. O número de pessoas com mais de 41 anos na internet cresceu 14%.
Vários dos novos hábitos de consumo terão efeitos duradouros. Muitos que, pelas circunstâncias, venceram a barreira de entrada do ecommerce seguirão, agora por opção, comprando online.
Vendas associadas a live-streaming cresceram enormemente na China. A presidente da marca de eletrodomésticos Gree fez, ela mesma, um evento de 3 horas ao vivo pela internet que atraiu 16 milhões de pessoas.
No país onde o pagamento via celular é facilíssimo, a live da Gree gerou vendas de US$ 43,8 milhões. Marcas de luxo como Louis Vuitton, Audi e BMW renderam-se à tendência. O live-streaming avança para outros segmentos como venda de imóveis e de viagens.
Como em outros países, a pandemia estimula o emprego de tecnologia em educação e saúde. O aplicativo ClassIn, que costumava contar com 200 mil estudantes por dia, passou a ter 2 milhões de usuários diários em média.
Com o aumento da taxa de penetração da internet na China (ainda há aproximadamente 400 milhões fora da rede), a expectativa é de que o ensino à distância se some ao presencial para melhorar a qualidade onde ela é insatisfatória, principalmente longe das grandes cidades.
Mas a adoção em massa do 5G é o fenômeno mais significativo em matéria de tecnologia no ano da pandemia na China. As estimativas são de que, até o final deste ano, o país tenha de 160 a 175 milhões de usuários da nova geração de tecnologia móvel.
A expansão do 5G é estimulada pela aceleração de investimentos na infraestrutura digital, pelo surgimento de aparelhos 5G a preços razoáveis e pela disposição de empresas e consumidores chineses em adotar a nova tecnologia.
No ano passado, quando o 5G tornou-se disponível na China, a tecnologia chegou a 52 cidades. Neste ano, deve atingir 293. Pesquisas mostram que consumidores chineses são os mais entusiasmados com a nova tecnologia e mais dispostos que americanos ou europeus a pagar por ela.
Para as empresas, o fato de o 5G chegar primeiro facilita que, antes que seus competidores, elas desenvolvam novas aplicações ou beneficiem-se delas —e isso já começa a ser visto em áreas como manufatura inteligente e produtividade agrícola.
É natural que chame a atenção o monitoramento intrusivo das pessoas via aplicativo com cores de semáforo. No entanto, para além do que é mais evidente e controverso, estão em curso na China mudanças importantes —e frequentemente despercebidas— em matéria de tecnologia e internet.
Várias delas terão impacto duradouro e influenciarão tendências em outros mercados. Farão os chineses mais competitivos e, ao mesmo tempo, com a digitalização da vida, invariavelmente mais suscetíveis a controle.
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